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Entropia tecnológica.

Entropia tecnológica.

| Somir | | 14 comentários em Entropia tecnológica.

Com a pane que deu no Facebook, WhatsApp e Instagram nessa segunda feira, eu lembrei das várias vezes que li mensagens de trabalhadores de T.I. falando sobre como na maioria das empresas toda a estrutura de computação é colada com cuspe. A gente sempre presume que pelo menos em empresas grandes as coisas são mais organizadas, mas como de costume, é tudo muito mais complicado que parece…

Existe uma espécie de “entropia tecnológica” no mundo em que vivemos: tudo tende à desorganização nessa área, especialmente quando estamos pensando em computadores. Para quem não sabe, todo site não deixa de ser um computador: a internet só liga computadores uns aos outros. Claro, no caso do Instagram, são milhares de máquinas espalhadas pelo mundo, usando diversos truques para fazer parecer que é só um, mas não deixa de ser a mesma lógica original. Computador A (seu celular) manda um pedido para computador B (servidor do Instagram), computador B manda a foto de uma bunda para computador A. Transação realizada!

O problema que deu nos sites do Facebook estava relacionado com computadores que fazem o roteamento das informações entre os serviços e seus usuários. Por um erro do sistema deles, que ainda não sabemos exatamente por que foi causado, durante algumas horas os outros computadores do mundo não sabiam como achar os computadores que hospedam Facebook, Instagram e WhatsApp. Ou seja, a função básica da internet estava comprometida. No final das contas, o problema foi resolvido quando os técnicos do Facebook colocaram de volta na internet os endereços certos para serem encontrados.

Como eu disse, não temos informações exatas sobre o que deu errado, mas a “entropia tecnológica” pode ser uma boa resposta para isso. Os sites estão online há mais de uma década, o que em tempo de internet é uma eternidade. São milhares, talvez milhões de chances do caos ter se instalado no processo. Via de regra, se qualquer computador ou rede de computadores ficar funcionando por mais que alguns anos, a tendência de ter gambiarra no sistema tende a 100%.

E isso não é necessariamente culpa do ser humano, claro que tem gente que faz tudo nas coxas e deixa o problema para o próximo que for lidar com o computador, mas mesmo quando o material humano se interessa por entregar algo melhor, o risco continua existindo. Explico: na área de computação e internet em geral, tecnologias avançam todo dia. Às vezes é uma forma inovadora de fazer o mesmo trabalho de antes, às vezes é só uma correção para fazer funcionar melhor (ou dar menos problema), às vezes é só ganância de quem produz peças ou programas; a única certeza é que assim que você acabar de instalar algo, já tem uma versão nova disponível.

E isso causa gambiarras na imensa maioria das vezes. O que normalmente acontece é que empresas precisam recuperar o investimento feito nos equipamentos e programas que compram, e isso significa que tem um tempo mínimo de utilização deles para tornar a operação lucrativa. Se você gastou um milhão num programa e no dia seguinte saiu um bem melhor, azar: vai ter que usar a versão pior até aquilo fazer sentido nas contas da empresa. Nem mesmo gigantes como Google e Facebook podem se dar ao luxo de ficar atualizando tudo o tempo todo.

E a parte de recuperar investimento é só uma parte da equação: existe algo chamado “downtime”, que nada mais é do que o tempo que um sistema precisa ficar parado para ser atualizado ou corrigido. Downtime custa caro, custa caríssimo. Mark Zuckerberg perdeu 6 bilhões de dólares em ações da empresa por causa de algumas horas de sites fora do ar. Imagina só ter que parar tudo uma vez por mês para trocar peças e programas? O dinheiro que eles recebem depende do sistema estar online o tempo todo.

Percebem como a coisa começa a ficar complicada? Não só todo investimento precisa ser recuperado como não dá para parar tudo quando quiser para arrumar problemas. A especiaria deve fluir. Mas, como eu disse, todo dia sai alguma novidade, seja nas peças dos computadores, seja nos programas que eles usam para fazer os serviços funcionarem. E por mais que o usuário médio nem saiba a diferença entre essas coisas, as empresas são pressionadas a manter essa marcha pela atualização, senão seus sistemas começam a ficar lentos e com menos opções que a concorrência.

E aí que começa o terror do T.I.: compatibilidade. O sistema tem que colocar uma função nova para sair na frente da concorrência, mas não pode parar para arrumar nada, nem pode trocar as peças que ainda precisam de uso para compensar o investimento. Então, peças e programas novos precisam conversar com peças e programas antigos, que obviamente não foram planejados para lidar com essas novidades.

É quando começam a surgir adaptações, sejam elas em peças ou programas, que existem apenas para fazer com que tecnologias de eras diferentes consigam se conversar. E nessa fase das adaptações, começamos a ver surgir um novo problema: especialização. Muita gente sabe mexer no sistema antigo A e no sistema novo B, mas a demanda por gente que saiba mexer nos dois é muito menor. A empresa cria uma situação única quando começa a conectar peças antigas nas novas.

Surgem então sistemas Frankenstein, que misturam partes antigas com partes novas, e normalmente só algumas pessoas entendem como aquilo funciona de verdade. Em mega empresas a chance de ter alguma redundância é maior, mas em empresas menores é quase certeza que só tem uma pessoa que sabe a gambiarra maldita que fez, e se essa pessoa some, fica todo mundo rezando pra não dar problema.

A internet atual é um mix de tecnologias de ponta com gambiarras terríveis feitas para manter peças e programas antigos funcionando. E todo dia surge uma nova gambiarra em algum lugar do mundo. Códigos que nenhum outro programador consegue entender, conexões entre peças que os técnicos nem sabiam que existiam. Tem gente que ganha dinheiro só de saber como mexer em sistemas muito antigos, porque nenhum recém-formado é preparado para isso. Não posso afirmar que tinha uma gambiarra dessas mantendo todo o sistema do Facebook, mas eu apostaria algum dinheiro nisso sim, viu?

Porque aí o problema é achar quem sabe mexer naquela bagunça, coisas que normalmente são feitas sem supervisão, afinal, muitas vezes o criador da gambiarra está inovando numa área que ninguém sequer sabia que existia até ver uma mensagem de erro na tela. É complicado analisar o trabalho de alguém que você não tem a menor ideia do que está fazendo. E isso pode ir se acumulando: como não é fácil desfazer a primeira gambiarra, muitas vezes a empresa tem que pagar por uma segunda que permita os sistemas novos falarem com o intermediário, e por tabela, o mais antigo.

E aí fica difícil de saber onde isso vai parar. Muitas vezes alguém quer arrumar o sistema, mas percebe as camadas sobre camadas de gambiarras e percebe que demoraria um ano para fazer tudo certo do zero. E como falei antes, downtime custa caro, custa caríssimo. É basicamente por isso que muitos dos sistemas importantes que regem nossas vidas são baseados em tecnologias muito antigas. A Microsoft continua dando suporte ao Windows XP por causa do exército americano, que usa o sistema operacional em máquinas que podem acabar com o mundo!

Sistemas de energia, sistemas de gerenciamento de tráfego, máquinas hospitalares, tem muita coisa nesse mundo que usa peças e programas muito antigos, que nem são mais produzidos, ou se ainda são, não tem mais nada compatível atualmente. A tendência é que com o passar dos anos vejamos mais e mais problemas de infraestrutura baseadas em computadores por causa dessa entropia tecnológica.

A gambiarra vai começando a assumir o controle, e vai ficando cada vez mais caro tirar ela dali. Forma-se uma casta elevada de pessoas que sabem navegar por essa bagunça, e eles vão ficando cada vez mais sobrecarregados com a necessidade de atender tantas empresas e repartições públicas. Quem está entrando no mercado agora pode até conhecer as novas tecnologias, mas não tem experiência com as antigas. E a cada ano que passar, vamos ver mais e mais instâncias desses problemas, especialmente nas empresas que não desaparecerem da noite para o dia.

Muitos dos serviços que você considera essenciais para a vida podem estar nesse estágio de “gambiarração” sem volta. O que significa que assim que algo der errado, vai dar errado de forma espetacular. Todo mundo te disse para ter planos alternativos para WhatsApp, Facebook e afins ontem, mas quase ninguém disse o porquê. Todos os sistemas tendem à falha. A única forma de evitar isso é entrarmos numa fase de estagnação tecnológica, o que, felizmente, eu acredito que não começa tão cedo.

Use a abuse dos serviços online, mas nunca se esqueça que é bom ter cópia de tudo num lugar que você pelo menos sabe como acessar. Pode ser que tenhamos uma série de falhas nos próximos meses e anos, considerando quanta coisa está passando de uma década de vida tecnológica…

Para dizer que eu estou sendo alarmista, para dizer que trabalha com T.I. e eu até fui bonzinho, ou mesmo para dizer que quer que caia muito mais vezes porque ficou feliz por algumas horas: somir@desfavor.com


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