FAQ: Coronavírus – 48

Qual é o fundamento para a ANVISA não permitir teste rápido de covid em casa e permitir teste de gravidez e de glicose? Não ajudaria se todo mundo pudesse fazer um teste rápido?

Tem uma resolução da ANVISA dizendo que “não podem ser fornecidos a usuários leigos produtos que atestem a presença ou exposição a organismos patogênicos ou agentes transmissíveis, incluindo agentes que causam doenças infecciosas passíveis de notificação compulsória”.

Nem teste de gravidez nem teste de glicose detectam doenças infecciosas que precisem de notificação compulsória. São testes de diagnóstico, e estes podem ser feitos em casa. Os testes de contagiosidade é que não. O fundamento é: segurança + controle da doença. Deixando todo mundo fazer em casa não se tem certeza se foi feito da forma correta e não se tem certeza se esses números serão contabilizados.

Se o Brasil fosse um país civilizado, sim, eu concordaria com você que esse tipo de teste deveria ser liberado para todos. Mas não é o caso. Como regra, é muito correto que seja proibido. O que a gente poderia discutir é se, em meio a uma grande onda de contágios, não seria o caso de se abrir uma exceção. Não me sinto competente para dar essa resposta. Apresento apenas as ponderações e vocês chegam à conclusão que acharem melhor.

O primeiro ponto é a capacidade para manuseio do teste. Pode parecer exagero, mas no Brasil as pessoas tomam supositório pela boca e enfiam Paracetamol no ânus (eu não estou brincando). Há pouquíssima compreensão científica básica, portanto, há pouquíssima compreensão de tudo, então, as chances de ter um resultado enganoso por má execução do teste seriam enormes – e o que seria para proteger, acabaria prejudicando.

Pessoas contaminadas que fizeram o teste errado ou pessoas que simplesmente não entendem porra nenhuma de nada do que acontece à sua volta poderiam interpretar resultados como negativos mesmo estando positivados e sair às ruas. Pessoas que, sem o teste, ficariam na dúvida e tomariam mais cuidado, podem sair e promover um desastre.

Outra questão é o descarte correto desse teste. É um teste que contêm patógenos, que contém um vírus contagioso, não é para jogar na lixeira como se nada. Deve ser isolado de forma cuidadosa em uma proteção e descartado de forma segura. O brasileiro pode jogar no vaso, enterrar no quintal ou coisa pior, o que também poderia promover uma contaminação perigosa.

Além disso, estamos falando de uma doença que deve ser imediatamente notificada ao Poder Público, seja para controle pandêmico, seja para nortear as estratégias de combate à pandemia. Eu acho muito difícil que pessoas que façam o teste em casa comuniquem os resultados, ou que comuniquem os resultados verdadeiros. É provável que pessoas positivadas não queiram perder sua mobilidade e digam que o teste deu negativo, para poderem continuar saindo.

Mais um ponto: para que, como você diz na sua pergunta, todo mundo possa fazer, ele deveria ser gratuito. Sabemos que o governo atual não vai investir nisso, então, se você coloca esse teste à venda em farmácia, o que consegue é uma desigualdade escrota: quem tem dinheiro ganha também mobilidade e informação e quem não tem fica no escuro. Não me parece justo.

Nada contra o teste em si, quando é devidamente implementado. Tudo contra dar uma navalha na mão de um macaco. O teste é liberado e distribuído gratuitamente em vários países do mundo e funciona muito bem para eles, mas são países com uma mentalidade e preparo bem diferentes do Brasil.

Onde eu moro, que nem é um país top, a coisa funciona da seguinte forma: você só compra mostrando sua identidade e, no momento da compra, o farmacêutico te cadastra em um sistema disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Depois de comprado o teste, você tem 24h para apresentar o resultado, para o farmacêutico e no site do Ministério da Saúde, em uma página específica. Não pode comprar teste para ter, para estocar, para “caso um dia eu precise”. Se comprou tem que fazer.

Se, passadas as 24h você não mostra o resultado, perde seu passe sanitário, que aqui é usado para tudo, e não pode mais sair até fazer um RT-PCR em um laboratório credenciado do governo, cujo resultado vai direito para o Ministério da Saúde. Enquanto isso, não pode sair de casa nem para ir à padaria. E se ficar provado que, de alguma forma, você mentiu no resultado, pode até acabar preso e paga uma multa bem cara.

Será que no Brasil, sem nenhum controle, faria mais bem do que mal ou faria mais mal do que bem?


Que porra é essa de Deltacron?

O Chipre, uma pequena república localizada entre a Europa e a Ásia, detectou, em uma de suas universidades, resultados de PCRs que combinariam as duas variantes: Delta e Ômicron. Apressadamente, foram a público dizer que as duas variantes teriam de fundido em uma só e a chamaram de Deltacron (Delta + Ômicron). Só que isso ainda não está comprovado.

Até aqui foram encontrados 25 resultados do que seria a Deltacron, mas esses resultados estão sendo questionados, então, ainda não dá para dizer com certeza que a Deltacron é uma realidade. Mas, a informação foi jogada na mídia como realidade e de uma forma bastante assustadora, gerando uma repercussão bastante ruim.

Esse tipo de informação apressada, que criticamos no FAQ passado quando fizeram uma disseminação alarmista da suposta variante IHU, está tão comum que já ganhou nome: “scariant” (uma mistura palavra “scare”, “medo” em inglês, e da palavra “variant”, “variante” em inglês). Informações assustadoras sobre uma suposta variante divulgadas antes de uma confirmação oficial.

Para quem quiser conhecer o caso em detalhes, segue a cronologia: no sábado foi reportada pelo virólogo Leondios Kostrikis (e sua equipe), da Universidade do Chipre, 25 casos de uma variante que reuniria características da Delta e da Ômicron e foi apelidada de “Deltacron”. Eles sequenciaram o código genético das amostras e o enviaram para o GISAID, um banco de dados internacional que centraliza as sequências genéticas de todas as variantes do coronavírus. Até aí, tudo muito correto, como manda o figurino. O problema é que houve uma exploração midiática disso, que disseminou preocupação no mundo todo.

Imediatamente a comunidade científica correu para analisar as informações. O primeiro a falar foi o renomado o virologista Tom Peacock, da Imperial College London, dizendo que era mais provável se tratar de uma contaminação do material testado do que de uma nova variante. Depois Eric Topol, diretor do Scripps Research Institute, foi a público dizer que o suposto novo vírus “não é uma variante real”.

Em bom português, o argumento que eles usam para contestar a existência da Deltacron é que, analisando o código genético, se viu um pedaço de Ômicron colado por cima de um pedaço de Delta e não seria esse o resultado esperado no caso de uma recombinação (fusão ou junção) de dois vírus. Em casos de recombinação há outras mudanças, adaptações necessárias para fundir os dois vírus, não um pedaço de um seguido por um pedaço de outro.

Em pouco tempo, questão de horas, a discussão começou a esquentar e as acusações começaram a ficar mais sérias. Vários cientistas disseram que a máquina de sequenciamento genético da Universidade do Chipre não teria sido adequadamente limpa e esterilizada, e conteria resíduos de amostras anteriores, que teriam se misturado durante a leitura. Seria como se lavasse roupa colorida, esquecesse uma meia vermelha dentro da máquina de lavar e depois lavasse roupa branca e ela saísse manchada de rosa: não é roupa nova que brotou na máquina, apenas roupa manchada da lavagem anterior.

Kostrikis ficou bastante chateado e se defendeu dizendo que a Deltacron não é um erro de laboratório e que o sequenciamento foi feito em várias máquinas, inclusive fora do Chipre e que, por isso, seria impossível que todas elas estejam contaminadas. Perguntado sobre quais foram esses outros laboratórios cujas máquinas também testaram as amostras, ele não respondeu.

Não tenho qualquer condição de emitir nenhum julgamento de valor sobre o assunto (hoje tá complicado, só estamos entregando dúvidas), só posso dizer que assim que sair algum resultado conclusivo, se ele não for massivamente divulgado pela mídia, nós voltaremos no assunto e vamos divulgar aqui.


Li que a Ômicron só vai causar estragos em países com muitos negacionistas como os EUA e que no Brasil tá tranquilo pois todo mundo se vacinou. É verdade?

Não. Não é verdade. Vamos por partes.

Para começo de conversa, eu gostaria de saber quem botou na cabeça do brasileiro que ele é essa potência vacinatória. Não sei que tara é essa do brasileiro se achar bem vacinado. O país teria total capacidade de estar muito, mas muito melhor. Mas, se acha melhor do que os EUA, quando não está.

Nos EUA, 62% das pessoas têm as duas doses da vacina e 22% têm a dose de reforço. No Brasil, 67% das pessoas têm as duas doses da vacina e 14% têm a dose de reforço. Então, sinto informar, mas o país “que tem muitos negacionistas” está mais bem vacinado do que o Brasil. Hora de baixar a bolinha. A única vantagem do Brasil agora é estar no verão, podendo ventilar melhor os ambientes, mas isso é facilmente compensado pelo surto de Influenza (gripe), por possível surto de Dengue, pelo comportamento negligente da população e pela completa incapacidade de usar uma porra de uma máscara direito.

No caso, os EUA, mais bem vacinado do que o Brasil, estão com a maior média de casos diários de toda a pandemia. Sim, de toda a pandemia: desde março de 2020 até agora. Estão com mais de um milhão de casos por dia e tudo indica que ainda não chegaram no pico.

Além dos casos, as internações também bateram recorde nos EUA. Nunca, durante toda a pandemia, mesmo naqueles piores momentos da era Trump, tantas pessoas foram internadas por dia por causa de covid-19. “Mas Sally, como pode ter mais problema com pessoas vacinadas do que quando não tínhamos vacinas?”. Não fomos apenas nós que nos armamos nesta guerra, o vírus melhorou, e, pelo visto, mais rápido do que esperávamos. Uma variante que surgiu no final de novembro em um mês tomou o mundo e já colapsa hospitais.

Vale lembrar que, quando falamos da Ômicron, a proteção contra contágio só é efetiva depois da terceira dose. Com duas doses a proteção é insuficiente. Então, seria hora do Brasil parar de divulgar todo orgulhosão que tem 67% da população “completamente imunizada” e passar a olhar para a nova realidade como “tem 86% da população desprotegida”, quem sabe assim conscientiza um pouco as pessoas, que estão se descuidando no que diz respeito à vacina.

Além do fato de não ter uma proteção efetiva com duas doses, é preciso deixar claro que 67% não é um bom resultado para quem tem vacinas à sua disposição (vizinhos com menos tradição em vacinas estão melhor: Argentina tem 73%, Chile tem 87%, Uruguai tem 77%). Então, além de tirar onda com a coisa errada (duas doses não protegem), também estão tirando onda com números baixos para a atual capacidade do país.

Vale lembrar que os países que estão com números altos de casos estão testando. O Brasil está no escuro, graças ao “apagão de dados” que vem desde o ano passado. Não sabemos a real quantidade de aumento de casos. O que sabemos é que o Brasil está vacinando pouco para terceira dose e que crianças não estão vacinadas, somado ao fato das pessoas não estarem se cuidando e o poder público não estar impondo medidas protetivas – e tudo isso vai ter consequências.

Também vale lembrar que esses outros países para os quais o Brasil aponta o dedo (mesmo tendo menos vacinados do que eles), estão fazendo alguma coisa: impondo restrições, impondo obrigatoriedade de vacinas, voltando ao fechamento e outras medidas. O Brasil não está fazendo nada. Como sempre, apenas finge que está fazendo, faz eventos “com todos os protocolos de segurança” que todo mundo sabe que não existem. Mesmo países tidos como shithole estão recuando. Índia, por exemplo está fazendo lockdown. O Brasil é um dos poucos países que não está fazendo nada. Então, a longo prazo, a tendência é que quem não está fazendo nada acabe tendo o pior cenário.

Essas teorias de que a Ômicron é “mais leve”, é um “presente de Natal”, vai “imunizar todo mundo e acabar com a pandemia”, “imunidade de rebanho”, “em 2022 a pandemia vai ser controlada” ou “não vai fazer estragos no Brasil pois não tem negacionista” são todas teses que você pode pegar e usar para limpar a bunda, pois nada disso está se mostrando verdadeiro. Tomara que tudo isso aconteça, mas a realidade não está apontando para esse caminho.

Hospitais podem lotar sim (quando se tira um pequeno percentual de um número gigante, dá uma quantidade gigante de pessoas), o número de mortes pode aumentar sim (só vacina não controla uma pandemia) e pode paralisar um país e sua economia.

Por sinal, já tem empresa, loja, cia aérea e outros serviços parando por estarem com seus funcionários doentes. Vale lembrar que morte e hospitalização não são as únicas coisas que paralisam um país e sua economia. Então, mesmo quem contesta tudo e coloca a economia em primeiro lugar, deveria cuidar melhor da quantidade de contágios.

E, como o Somir muito bem relatou no sábado, hospital lotado não mata só quem precisa de respirador. Mata qualquer pessoa que precisa de um atendimento médico.

Somir tinha um problema simples e quase morreu na semana passada, graças a uma combinação de demora no atendimento, pouco pessoal e médicos exaustos atendendo de forma apressada, sem fazer os exames necessários e sem dar ao paciente a atenção necessária. Talvez você não morra de covid por estar vacinado, mas não se esqueça de orar para não ter uma apendicite ou coisa similar, pois pode não haver centro cirúrgico ou médicos para salvarem a sua vida.

Mesmo países como Portugal e Israel, campeões mundiais em vacinação estão com recorde de casos. Portugal tem quase 90% da população vacinada com duas doses e tem recorde de casos, imagina se o Brasil com seus 67% vai se safar disso… O Brasil está com uma expectativa irreal, e rapidamente vai descobrir que a realidade não está nem aí para o que se pensa ou se planeja. A realidade passa por cima feito um rolo compressor. E já está passando, só não temos dados, pois um “hacker” puxou o contador da tomada.

Tem uma expressão americana muito boa para definir essa postura do brasileiro: “wishful thinking”. Quando você prevê uma realidade com base no que você gostaria que ela fosse, não com base nas evidências concretas que estão à disposição. Nada, absolutamente nada, indica que o Brasil vai passar ileso por essa onda de Ômicron: nem o comportamento das pessoas, nem o comportamento das autoridades públicas, nem o patamar de vacinação. Só o pensamento positivo do povo aponta para esse resultado.

Então, não, não é verdade que os EUA está mal por ser “cheio de negacionistas” e o Brasil está bem “por todo mundo se vacinar”. EUA tem mais vacinado do que o Brasil, é o Brasil que não está contando seus doentes e mortos. Por isso, não deixem de tomar a dose de reforço e continuar com todos os cuidados de sempre: máscara PFF2 vedando sua boca e nariz, higienização constante das mãos, evitar aglomerações e teste, isolamento e rastreio de contatos ao primeiro sintoma.

Para dizer que quer que o mundo todo se foda, para dizer que o covid podia matar a todos nós de uma única vez no lugar desse sofrimento lento ou ainda para dizer que o brasileiro ia enfiar o teste rápido no c*: sally@desfavor.com

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Comments (8)

  • Deltacron parece nome de Transformer.. o cientista em questão estava há muito tempo sem dormir, vendo tv com as crianças.

  • Vale lembrar que não adianta muito disponibilizar teste rápido pra uma população que acredita naqueles vídeos estilo “enfiaram um pedaço de kiwi no teste rápido e deu positivo, então testes são uma fraude”. Seria um completo desastre.

    • Hoje mesmo eu vi um vídeo brasileiro onde uma pessoa ensinava “como ganhar licença de 7 dias no trabalho” espremendo umas gotas de laranja no teste rápido. Fica realmente muito díficil.

  • “Pode parecer exagero, mas no Brasil as pessoas tomam supositório pela boca e enfiam Paracetamol no ânus (eu não estou brincando)”. Eu sei que não, Sally. Também já ouvi falar de dúzias de imbecilidades desse tipo e, assim como você, eu também fiquei abismado. E, depois dessa frase que eu destaquei, você já nem precisaria mais continuar explicando o porquê de os testes rápidos de covid não estarem à disposição da BMzada. É foda. Brasileiro Médio, infelizmente, é tão tapado que precisa ser salvo até de si próprio…

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