Guerra na Ucrânia.

Forças russas invadiram a Ucrânia por terra, mar e ar nesta quinta-feira, 24, concretizando os temores do Ocidente com o maior ataque de um Estado contra outro na Europa desde a II Guerra Mundial. O ataque aconteceu por três lados e explosões foram ouvidas em diversas cidades, incluindo na capital, Kiev, pouco antes do amanhecer. LINK


Pois é… para destronar a pandemia nesta semana… temos uma guerra. Desfavor da Semana.

SALLY

A boa notícia é que, depois de muito tempo, o Desfavor da Semana não é sobre covid. A má notícia é que é sobre uma guerra. Estamos no segundo mês do ano e eu já sinto saudade de 2021.

Vou ser bem sincera e provavelmente vou decepcionar pessoas: eu não tenho condições, em duas páginas, de te explicar esta guerra. Então, eu decidi contribuir de outra forma: em duas páginas, o que eu tenho condições de fazer é sugerir premissas gerais para que você possa se informar, formar uma opinião e sair da postura padrão de redes sociais, esse mix de “lado certo x lado errado”, julgamento sem contexto ou histeria.

Como não dá para simplificar ou resumir algo tão complexo e com uma longa história como este conflito entre a Rússia e a Ucrânia, o melhor que faço por vocês hoje é compartilhar meus curadores de conteúdo para que quem quer buscar aprofundamento encontre uma fonte segura e confiável: Xadrez Verbal (https://xadrezverbal.com/) ou qualquer texto do Filipe Nobre Figueiredo (https://pt.wikipedia.org/wiki/Filipe_Figueiredo). Quer saber mais? Vem textos nossos com tudo mastigado. Quer saber mais hoje? Vai neles que não tem erro.

Dito isso, tenha em mente que o assunto requer a compreensão de um contexto do que vem acontecendo há décadas. Econômico, político, social e cultural. Portanto, qualquer pessoa que te apresente um resuminho rápido sobre o que está acontecendo está te apresentando uma versão incompleta e provavelmente incorreta. A realidade é complexa e cheia de nuances, e pretendemos falar com calma sobre ela em outros textos.

Também é válido ter em mente que nós, reles mortais, sabemos de partes da história. O que chega e como chega é insuficiente. Então, sempre que pensarem no assunto ou opinarem sobre o assunto, tenham em mente que não sabem tudo a respeito dele. Muita coisa não sabemos e muita coisa sabemos errado, pois chegou distorcida. Um bom exercício é tentar ouvir as pessoas que estão nos locais que protagonizam o conflito – e redes sociais permitem isso.

O terceiro aviso, e o mais importante, que eu considero o grande Desfavor da Semana: guerra é um jeito bosta de resolver as coisas e todos nós falhamos como sociedade e coletividade ao não criar mecanismos para que isso não se repita mais uma vez.

Não é sobre país X, Presidente Y, como a maioria está abordando. Meu foco hoje é a visão é geral: se ainda há espaço no mundo para guerra, o mundo está uma bela bosta e, independente do posicionamento político, todo mundo deveria repudiar uma guerra. Não importa quem “tem razão”, não importa quem fez o quê, guerra não é aceitável a esta altura e ponto final. E muito cuidado com quem relativizar isso.

Guerra só difere de terrorismo por uma construção social, pois a premissa é a mesma: inocentes morrendo para forçar alguém a fazer ou não fazer algo. Guerra não é aceitável. Em hipótese alguma. Eu sei que nem você nem eu podemos impedir uma guerra, mas é importante e faz diferença que cada um de nós tenha muito claro internamente que guerra não é aceitável, não é relativizável, não é negociável.

Quando a gente usa qualquer argumento a favor da Ucrânia (pelos motivos X,Y e Z essa guerra é injusta) passa a impressão de que, nesse caso, é injusto ter uma guerra, mas que em outros, pode não ser. Então o ponto hoje não é apontar a grande sacaneada que a Ucrânia tomou, como foi deixada na mão, como o mundo todo foi covarde com ela. O ponto é: guerra não deve ser justificada em hipótese alguma.

Dito isto, quero tranquilizar os emocionados que estão se despedindo de familiares e amigos em redes sociais com a certeza de que vamos todos morrer. As chances disso escalar para uma guerra de abrangência mundial são muito, mas muito pequenas e as chances de uma guerra mundial chegar no Brasil são bem próximas a zero. Certeza absoluta ninguém pode ter de nada, mas até aqui, nada indica que isso vai sair daquela região.

Armas de destruição em massa não foram criadas para serem usadas, foram criadas para que ninguém as use contra você, por medo da resposta. O que quero dizer é que a Rússia sabe que se isso virar uma guerra mundial e começarem a usar armas de destruição em massa, é uma situação em que todos perdem, pois os danos não são controláveis e vão afetar a todas as pessoas do planeta.

“Mas Sally, se armas de destruição em massa são para essa finalidade, como você explica terem jogado bomba atômica em Hiroshima?”. Simples: na época só os EUA tinham bomba atômica, então, eles não tinham medo de uma resposta. Desde que outras nações desenvolveram armas de destruição em massa, nunca mais ninguém usou nenhuma. A ponderação antes de usar é muito maior se você sabe que pode tomar de volta na mesma moeda. Então, as chances de vermos algo assim acontecendo são pequenas. Não fiquem nervosos.

Mais um ponto importante: vejo opiniões extremistas sobre a Rússia, ou ela é uma fodida ou ela é um franco-atirador descontrolado. A Rússia não é esse gigante falido do qual não se pode esperar nada, nem Putin esse maluco descontrolado que pode acabar com o mundo. Nem 8, nem 80.

A Rússia continua sendo uma potência, quem pensa que tem zero perigo aí se engana. Quem pensa que a guerra fria ficou para trás também se engana. Para o Ocidente, a Guerra Fria acabou e teve um vencedor, os EUA. Para os russos, a Guerra Fria foi um round de uma luta muito maior que eles ainda estão travando – e vem se preparando para isso faz tempo.

A Rússia melhorou sua economia, aprimorou sua ciência e fez amigos importantes, como a China. Hoje, ela tem pé de meia para segurar de boa embargos comerciais e um aparato bélico de respeito. O país está longe das condições ideais, mas, em muitos aspectos, se reergueu, graças a Putin.

Esse papo de que só tem metralhadora velha na Rússia é desinformação. O país tem armas de destruição de massa tão poderosas que seus cientistas desaconselharam que sejam realizados testes, pois, mesmo que jogassem em lugares desertos e não habitados, poderiam alterar o eixo do planeta. Então, o potencial de destruição existe, o que freia algo pior é a certeza de que este tem que ser um último recurso, pois vão tomar uma resposta igual, destruindo o país e quem sabe o planeta.

Por outro lado, Putin é um maluco sim, mas no sentido de ousadia, não de descontrole, de sair apertando botão de bomba cada vez que fica puto. Ele é extremamente inteligente e estrategista. Ele se preparou por quase duas décadas para este momento e sim, ele melhorou em muito o país, por mais que esteja longe do ideal. Ele assumiu com a proposta no estilo “Make Russia great again” e é isso que ele vai tentar executar. A Ucrânia é dano colateral. A marca registrada dele é sua imprevisibilidade, não sua inconsequência.

Outro ponto que vem gerando reações desmedidas: como isso afeta o Brasil. Nas pesquisas da coluna “Ei, Você” tá cheio de reservista buscando informações sobre automutilação, do com medo de ser convocado para uma guerra. Menos, gente, bem menos. O Brasil não vai entrar nessa guerra, muito menos enviar tropas. Isso pode afetar o Brasil de outras formas, como por exemplo no seu bolso, mas não enviando gente para o combate. É provável que o combustível suba de preço (o que nem é uma novidade) e que outras coisas fiquem um pouco mais caras. Só.

Também quero relembrar que é muito tentador cair no maniqueísmo do bonzinho e malvado. Sim, estamos vendo umas covardias bem escrotas e revoltantes, mas não tem inocente em política internacional. Ninguém é bonzinho. Pode até ter um injustiçado da vez, mas é circunstancial. Todo mundo ali já sacaneou e foi sacaneado. Então, calma lá, que o buraco é muito mais embaixo.

Para fechar, friso que nem Somir nem eu somos especialistas em política internacional, portanto, de hoje em diante, se vocês lerem algo no Desfavor que conflite com o que uma fonte confiável diga, fiquem com a fonte confiável.

Eu sei que todo mundo queria mais informação do que isso, e vocês terão. Só não tem como fazer tudo em um dia só. Reclamem com o Putin, que resolver começar essa “ação militar” no final da semana. Parece pouco, mas se você mantiver vivo na sua memória este texto de diretrizes gerais, vai conseguir interpretar melhor o que está acontecendo.

Para dizer que não está valendo a mensalidade e vai cancelar sua assinatura do Desfavor, para dizer que por não aderir a um “lado certo” estamos passando pano para o outro lado ou ainda para dizer que não tem rolê mais aleatório do que Desfavor com texto sobre guerra em pleno carnaval: sally@desfavor.com

SOMIR

Eu escrevi um texto pouco tempo atrás dizendo que a Rússia não ia invadir a Ucrânia. Não ia porque não fazia sentido do ponto de vista diplomático, militar ou até mesmo financeiro. Eu poderia passar um bom tempo argumentando sobre como não era uma boa ideia naqueles dias, mas esqueci de um ponto importante: as pessoas fazem algumas coisas mesmo quando não são parecem boas ideias para a gente.

Como eu acredito que todo erro é uma oportunidade de aprendizado, vamos tentar entender onde a previsão falhou. A ideia original era que a Rússia não tinha condições de tocar uma guerra contra a Ucrânia sem dispender muitos recursos e arriscar se tornar uma pária mundial. Aparentemente isso ainda está certo: apesar dos ucranianos não conseguirem montar uma resistência muito forte, está sendo o suficiente para causar baixas e perdas de equipamento para o exército russo.

E ao mesmo tempo, pesadas sanções estão sendo aplicadas sobre a Rússia por boa parte do mundo ocidental. Putin teve que juntar uma grande reserva financeira para queimar durante as repercussões de sua invasão. Não vai ser fácil manter a elite do seu país sob controle com tantas restrições financeiras. Então essa parte se mantém: não é algo fácil de encarar no campo militar e financeiro.

Mas mesmo assim, parece válido para Putin. Foi um risco calculado. Se o cálculo está correto ou não, vamos saber com o passar do tempo; mas fica claro que a ideia de recriar algo parecido com a “Cortina de Ferro” do tempo soviético é uma prioridade para sua Rússia. Ele quer países controlados por fantoches dele entre a zona de influência dos EUA e a sua. A Ucrânia estava perigosamente (pra ele) perto de se perder como zona de influência russa.

Some-se a isso a tendência imperialista do partido democrata americano, muito diferente da visão do antigo presidente Trump, realmente faz sentido que Putin estivesse se vendo numa encruzilhada: se não agisse de forma clara agora, talvez não conseguisse mais manter os americanos longe de suas fronteiras. E é claro, ter uma das potências mundiais como a China ainda simpática à sua causa tornou tudo muito mais aceitável.

O que eu deixei de enxergar era o grau de desconforto de Putin. Não o da Rússia, como previamente analisado, mas o de seu presidente/ditador. Para a Rússia não era grande vantagem trabalhar com a ideia de imperialismo, ainda mais no século XXI, onde existem formas muito mais fáceis de controlar outros territórios (a China que o diga, comprando boa parte da Ásia e da África na cara dura). Mas a economia russa não tem força para tentar essa estratégia.

Putin temia sangrar seu poder até ser derrubado em prol de uma nova democracia russa, por isso resolveu gastar tanto como gastou nessa guerra. Eu analisei o país, mas esqueci das pessoas que controlavam o país. Essas pessoas estão numa posição confortável, mas que começava a se corroer com décadas de fracassos no desenvolvimento econômico e social. A cleptocracia da antiga elite da União Soviética não era eternamente sustentável, especialmente em tempos de paz. Para quem tem o poder na Rússia, é mais eficiente arriscar o povo e a economia do que tentar se adaptar a uma nova realidade.

E vai que cola? São milhares de ogivas nucleares prontas para dissuadir quem quer que tente retirar o controle de Putin sobre o segundo maior exército do mundo. Não deixa de me lembrar das análises que fizemos sobre vacinação ao redor do mundo: não adianta proteger o seu povo e deixar a doença correndo solta em outros. Esqueceram a Rússia no século XX, ela está agindo como se estivesse no século XX.

Já vou por esse caminho porque a minha análise estava errada por mais motivos que não enxergar a ganância de poder de Putin e a elite que controla o exército russo: também temos muita influência de outras partes. Os americanos, que eu previ que não queriam essa guerra, na verdade fizeram um escândalo tão grande que impediram qualquer acordo por baixo dos panos. Eles provavelmente poderiam ter ido por vias menos oficiais dizer para o os russos que a Ucrânia nunca seria aceita na OTAN. Teriam que ceder mais, com certeza; mas se quisessem mesmo deixar a situação esfriar, teriam como. Biden estava pressionado pelo fracasso da saída do Afeganistão e não queria passar a imagem de fraco, de novo.

Não só fizeram escândalo o tempo todo, como ainda criaram a ilusão que dariam suporte à Ucrânia. Ucrânia que em 1994 trocou o terceiro maior arsenal nuclear do mundo pela promessa de proteção da Rússia, EUA e Reino Unido em caso de invasão. Se eles ainda tivessem os mísseis, a Rússia seria a melhor amiga da Ucrânia. O abandono dos ucranianos não só é uma sacanagem como também é uma mensagem para todo mundo sobre ter bombas nucleares: não confie em ninguém te prometendo proteção em troca delas. Quero só ver a Coreia do Norte abrindo mão das suas depois dessa…

E, como esses assuntos são bem complexos, eu sequer previ a possibilidade do presidente ucraniano ser um maluco de pedra! Ele está distribuindo rifles para civis defenderem a capital! Não se coloca rifles na mão de civis. Civis não sabem o que fazer com eles, mesmo que saibam atirar. E pior: quando um civil pega num rifle, ele deixa de ter todas as proteções dos acordos internacionais sobre guerras. Ele vira um combatente e pode ser morto a qualquer momento. O governo ucraniano soltou vídeo ensinando a fazer coquetel Molotov! Olha o grau de insanidade: vai colocar uma bomba dessas na mão de uma mulher ou um idoso diante de um exército profissional? Isso não é fortalecer o espírito de luta do seu povo, isso é condenar gente à morte. Ou seu exército dá conta, ou você começa a pensar em como salvar seu povo, não colocar armas na mão deles e dizer que é para peitar tanque e caça supersônico com uma garrafa de pinga com um pano!

São tantos ângulos bizarros nessa história que eu aceito humildemente meu erro, mas não me sinto tão cego assim: eu apostei em bom senso, e o bom senso resolveu não participar dessa história. Estão resolvendo problemas políticos com sangue do povo porque aparentemente só mudou o número no calendário, as pessoas continuam tão insanas como eram na última grande guerra.

Lição aprendida: vidas humanas ainda são um recurso que os líderes mundiais vão gastar sem dó em troca de dinheiro, poder… e ego. Eu achei que estávamos numa era um pouco mais evoluída do que realmente estamos.

Para dizer que eu vou morrer pelo meu otimismo, para dizer que só quer ver o circo pegar fogo, ou mesmo para dizer que guerra é ótima para a economia: somir@desfavor.com

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Comments (34)

  • “‘Mas Sally, se armas de destruição em massa são para essa finalidade, como você explica terem jogado bomba atômica em Hiroshima?”. Simples: na época só os EUA tinham bomba atômica, então, eles não tinham medo de uma resposta'”.

    Nazistas desenvolveram diversas armas químicas e biológicas (algumas inéditas), e jamais a utilizaram por medo da retaliação que certamente viria das demais potências, pois sabiam que, mesmo não tendo essas armas em um primeiro momento, os aliados certamente as desenvolveriam ou outras piores.

  • Vale a pena ver a opinião @olgadobrasil que tb tem canal no youtube, ela tem parentes e amigos na Rússia e Ucrânia.

  • Eu sou formada em Relações Internacionais e estudo a Rússia desde um pouco antes de entrar pro curso. Já imaginava que essa guerra aconteceria, mas achei que demoraria mais e seria mais por baixo dos panos, com pedacinhos do país por vez. Não tenho dúvidas de que a Ucrânia vai sair muito prejudicada, se não for completamente perdida. E ouso dizer que embora este conflito de agora não tenha muitas chances de se tornar uma WW III, vai deixar um terreno muito fértil para uma guerra bem grande daqui algumas décadas, independente de como acabe.

    Sobre o Zelensky dar armas para civis, é ruim pra eles mas é pior para o exército russo. Lutar contra pequenas guerrilhas é muito mais difícil do que lutar contra um exército organizado e mais previsível. Não acho que a população que ficar lá vá querer se render ou ficar quieta depois de tanto tempo de opressão pela Rússia.

    Com base no que sei sobre a política interna russa e a própria persona do Putin – tanto de personalidade quanto da imagem que ele vende pra se manter no poder – ele foi longe demais nas ameaças, ficou encurralado quando os Estados Unidos engrossaram o tom e não podia recuar para não sair como fraco. Duvido que tenha recursos para manter essa invasão por muito mais tempo, até porque a base do regime dele é a estabilidade financeira russa. E já estão prendendo vários russos que protestaram contra a guerra. Pra quem não sabe, é crime falar mal do governo na Rússia e eles ainda têm alguns campos de trabalho forçado. As pessoas pensam muito antes de protestar lá, porque até um meme pode custar muito caro. Mas todos os russos que sigo em redes sociais estão falando abertamente contra.

    Digitei semibêbada e com sono, mas minha análise inicial é essa. Tenho alguns outros palpites, mas depois eu falo se alguém tiver interesse.

      • Então, vamos lá. Meu primeiro palpite é que a OTAN esteve e está tentando jogar para que o Putin seja deposto. Geopolítica das emoções costuma ser a causa dos maiores plot twists em casos de guerras. Isso por causa de duas coisas: a primeira é que ele se esforçou muito pra construir uma imagem de machão tradicional e forte, que mexe com o imaginário popular russo e ainda dá algo em comum com os malucos obscurantistas da política de lá. Ameaçar tanto e recuar depois abalaria essa imagem de um jeito muito difícil de recuperar com propaganda e racharia a ideia de homem forte que ele passa. Pode parecer algo pequeno, mas pra um país onde é proibido fazer memes com figuras políticas, é um baque bem forte. E no âmbito mais pessoal, nosso Volodya sempre foi obcecado com o legado que ele deixaria e o passado grandioso da URSS. Uns meses atrás, correu um boato que ele estava com câncer e outros problemas. Quase 70 anos nas costas devem estar cobrando seu preço agora e deixando-o mais desesperado para criar um legado grandioso. Por mais inteligente e racional que uma pessoa seja, às vezes ela erra ao calcular consequências. Vladinho pode parecer frio, mas a motivação dele não é puramente racional, e nem os atos são.
        O que realmente segura o governo é que Putin foi o único líder pós-soviético capaz de oferecer alguma segurança econômica e estabilidade para a população. A maioria dos russos é de classe média e uma boa parte (de 40% a 60% quando conferi) tende a trabalhar em indústrias ou empresas estatais. Caso as sanções ocidentais sejam suficientes para abalar a estabilidade dessa população, vai ficar muito mais difícil conter uma onda de protestos. Mais de 3000 pessoas já fora presas por isso só em Moscou.
        Quando os EUA começaram a se alarmar com os movimentos na fronteira, me pareceu que estavam contando que o Putin não teria coragem pra invadir a Ucrânia abertamente e arrastariam isso até desgastá-lo a ponto de uma queda. A população já não estava muito feliz desde a pandemia e a maior parte é contra a guerra.
        Com a invasão, a situação ficou mais delicada mas ainda não é impossível. O que o Somir disse sobre a Rússia não ter condições financeiras de sustentar uma guerra longa é verdade, tanto que o Putin ora oferece negociação, ora faz ameaças porque ele sabe que apostou alto demais dessa vez, mas não pode recuar sem “sair por cima”. A maioria dos ativos da elite está em bancos londrinos, e a Inglaterra aderiu às sanções. A China até está segurando as pontas por enquanto, mas o Jinping já pediu pra ele recuar porque essa guerra não está sendo boa pra ninguém. SE a situação se arrastar, não acho impossível que ele acabe sendo deposto ou morto numa “primavera eslava”. Se o conflito acabar, ele deve se segurar um pouco mais, mas tanto a Rússia quanto a Ucrânia devem mergulhar no caos. O preço de centralizar tanto poder nas mãos de um único governante tende a ser um caos total quando ele sai ou cai. O Navalny (opositor mais famoso) só denuncia corrupção e não tem planos de governo, a Ksênia Sobchak (segunda opositora) até tem mas é afilhada dele e é mulher… outra mulher que TALVEZ reaparecesse é a amante/esposa secreta do Putin. Ela chegou a ter uma carreira política, sumiu e reapareceu. Mas duvido que qualquer sucessor ou sucessora vá se segurar muito tempo no poder.

        Acredito que este conflito especificamente não vá durar muito mais, mas vai causar uma bagunça muito difícil de arrumar no leste europeu. Esse ataque só reforçou a narrativa da OTAN que a Rússia é uma ameaça e deu motivos pra que outros países ao redor queiram entrar. A Ucrânia foi quem mais se fodeu sob a Rússia durante séculos e não vai recuar agora que descobriu que pode lutar, nem esquecer do que está acontecendo. A moral russa de sair perdendo num conflito com um país que via como inferior vai ficar bem ferida, e todos sabemos o que questões geopolíticas mal resolvidas semeiam pro futuro. O Donbass deve continuar sendo um barril de pólvora, provavelmente no mesmo esquema político de Belarus, e talvez ocupado por tropas russas. OTAN deve acolher Suécia e Finlândia em breve e dar um chá de cadeira na Ucrânia. No melhor dos casos, Putin cai e teremos no máximo uma Guerra Fria 2.0. No pior, acho que ninguém quer imaginar.

        • Putin ameaçou Suécia e Finlândia, caso entrem para a OTAN. Olha o tamanho da encrenca! Acho que ele mordeu mais do que podia mastigar… ou não?

          • Mordeu sim, mas é aí que mora o perigo. Todas as decisões sobre como o resto do mundo administraria este conflito partiram do pressuposto de que as ameaças eram blefe, e cada vez mais ele tem mostrado que não está blefando. Talvez esteja disposto a agir ainda mais rápido que o Ocidente consegue reagir.

            Parece que as próximas 24 horas serão decisivas. Eu aposto em ameaças extremas e uma proposta humilhante da Rússia pra Ucrânia durante a negociação em Belarus. E Zelensky talvez aceite, agora que falaram abertamente em ameaça nuclear. Se for o caso, daqui uns anos o conflito vai explodir de novo.

            A melhor esperança é que os próprios russos acabem derrubando o Putin, mas nem se a população quase toda se empenhasse seria rápido o bastante.

            • O ziguezague jogado por Putin é parecido com o jogado pelo Nicolas Maduro aqui na Venezuela. Isso tem a vantagem de manter uma aparência de democracia (que cola para alguns iludidos) e de uma liderança disposta a negociar enquanto que a liderança na verdade aproveita o desvio de foco para fazer o que bem entende no sentido de consolidação do poder. Caso Putin venha a faltar num momento próximo a eleição, é bem provável que Medvedev assuma a linha de frente e ai, bem… Mais do mesmo.

              • Medvedev demonstrou ser menos agressivo e mais aberto a negociações do que o Putin, mas isso foi lá atrás. Eu lembro de ter lido algo sobre ele não ter sido considerado firme o suficiente para ser um sucessor oficial, mas não lembro onde e nem se isso é aplicável no contexto atual. Lavrov talvez seja um nome plausível também.
                Agora ele se pronunciou sobre a crise na Ucrânia, mas foi só pra dizer que a invasão não vai parar até que os objetivos do Putin (ele usou o nome do presidente, não disse “Federação Russa”) sejam cumpridos. Não parece um bom sinal.

            • Parece que não teve acordo. Não tem um Adélio na Rússia que possa fazer um favor (dessa vez bem executado) ao mundo?

    • Qual é a eficácia de partisans perante forças armadas bem treinadas e equipadas, concentradas em um território relativamente pequeno? Incomodam, por certo, mas os acontecimentos da segunda guerra da Tchechênia demonstram que alguma cooperação local é suficiente para estabelecer controle, ressaltando-se que a guerrilha local era composta de muçulmanos fanáticos (em tese, com maior capacidade de resistência, como demonstrado no Afeganistão).
      Convém lembrar que há uma fração considerável do país que tem afinidade cultural com os russos e que, nesse âmbito, esqueçam (se é que é possível) as consequências da invasão militar.

      • Partisans costumam ir bem em especial quando bem preparados. O problema é que a Ucrânia não se preparou tanto pra lidar com tal situação, o que torna a situação um enigma.

    • Já está melhor? Já se hidratou?
      Por favor, por favorzinho, escreve um Desfavor Convidado aprofundando a origem do conflito, o que você sabe sobre o assunto e para onde você acha que isso vai!

  • Olha o nível
    https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2022/02/24/o-brasil-faz-parte-da-otan-as-duvidas-dos-brasileiros-no-google-sobre-a-crise-entre-russia-e-ucrania.ghtml

    Perguntas mais buscadas sobre o Brasil nas últimas 24 horas entre usuários brasileiros:

    O Brasil faz parte da Otan?
    Qual a capital do Brasil? (!!!!)
    O Brasil é aliado da Rússia?
    O Brasil pode entrar em guerra?
    Quantos estados tem o Brasil? (!!!!)
    Quantos soldados tem o Brasil?
    Quem descobriu o Brasil? (!!!!)
    Quais países fazem fronteira com o Brasil? (!!!!)
    Como a guerra da Rússia afeta o Brasil?
    O que a guerra na Ucrânia afeta o Brasil?
    Por que o Brasil não faz parte da Otan?
    Quando o carnaval chegou ao Brasil?
    O Brasil está na Otan?
    A Rússia é maior que o Brasil?
    O que o Brasil importa da Rússia?
    Em que ano o Brasil foi descoberto? (!!!!)
    Quais são as principais linhas imaginárias que passam pelo Brasil?
    O que o Brasil exporta para a Rússia?
    Como ficaria o Brasil na terceira guerra mundial?
    Quais fatores influenciaram a formação territorial do Brasil?
    Como fica o Brasil na guerra entre Rússia e Ucrânia?
    O que acontece com o Brasil se a Rússia invadir a Ucrânia?
    O que o Brasil tem a ver com a guerra da Rússia?
    O que a Rússia exporta para o Brasil?

    • Caralho… Quase um “Ei, Você!”. Uma ou outra dessas perguntas até que são pertinentes, mas muitas outras aí são de lascar! Triste ver que tanta gente tenha um nível tão baixo de conhecimentos gerais e de compreensão do que está acontecendo…

    • Eu vi uma fake news dessa de zap dizendo que o exército brasileiro estava convocando ex-paraqueditas QPE saudáveis e até 60 anos, pra ficar na fronteira no Paraguai. Pensei, wat? Mas Paraguai não tem nada a ver com o conflito na Rússia, muito menos o Brasil! E vai demorar essa coisa virar uma guerra mundial envolvendo todos os países, então…

    • O Leon e a Nilce são maravilhosos. Sempre falam de assuntos complicados de forma simples e nada alarmista. Eu amo o Cadê a Chave e o Coisa de Nerd.

  • Sobre a parte que nos toca: o diplomata Roberto Abdenur, que é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), disse que poucas e boas a respeito do papel(ã0) do Bolsonaro em toda essa história. Em entrevista à Folha de S. Paulo publicada hoje, Abdenur afirmou: “O presidente cometeu um gravíssimo erro de política externa” ao dizer-se “solidário à Rússia”. O diplomata também condenou o Itamaraty, que “claramente se contorceu por pressão do Bolsonaro” e falou que a hipótese de o atual conflito na Ucrânia descambar para uma Terceira Guerra Mundial é uma “hipótese distante e delirante”.

    A entrevista de Roberto Abdenur à Folha está na área restrita para assinantes, mas pode ser lido na íntegra colando-se a seguinte URL: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/02/bolsonaro-cometeu-erro-gravissimo-de-politica-externa-na-guerra-da-ucrania-diz-diplomata.shtml no campo ENTRE ARTICLE URL de um site chamado Outline, cujo link é: https://outline.com.

    • Então. Praticamente todos os analistas previam nos ultimos meses que nao haveria guerra, que era só barganha. Essa analise vai ser util até o momento em que o Putil meter o loko e tacar uma bomba atomica na Ucrania. A cada dia de guerra que passa as chances disso só aumentam, na minha opiniao.

  • Putin vai tomar é um prejuízo da desgraça. Só cortar relações comerciais, porque nenhum país é autossuficiente. A China sempre escolhe o lado errado. Rússia sobrevive financeiramente só com a China?

    • O problema é que muitos países não podem cortar relação com a Rússia pois dependem deles para itens básicos, como, por exemplo, gás natural. Se comprarem de outro país o preço fica absurdamente mais caro, por ser distante e de difícil transporte.

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