FAQ: Coronavírus – 57

Como está a situação no Brasil?

Eu não sei e sinceramente, acho que ninguém sabe. Esse é um dos motivos pelos quais espaçamos mais os FAQ Covid, as circunstâncias tornaram quase impossível mensurar o que está acontecendo.

Depois que testes de farmácia passaram a ser comercializados sem controle algum, perdeu-se a noção da quantidade de casos. O único indício que temos é número mortes e hospitalizações, que, com a vacina, tendem a ser menores mesmo que venha uma nova onda com mais contágios.

Em países um pouco mais sérios, há mecanismos de controle sobre os resultados dos testes de farmácia, mas o Brasil claramente não tem interesse nisso, então, não acredite em números oficiais, pois eles não refletem mais a realidade.

O que posso te dizer é o mesmo que disse no último FAQ: estando com as doses de reforço em dia (o ideal, até aqui, é que você tome uma a cada 4 meses), você está bastante protegido contra morte e internação em caso de covid. Porém, pode não estar tão bem protegido contra contágio, afinal, o objetivo da vacina nunca foi evitar o contágio e sim evitar que a pessoa doente morra.

Por isso, se você convive com pessoas que não podem se vacinar ou com pessoas que, por motivos de saúde, podem não desenvolver uma resposta tão boa à vacina (idosos, diabéticos, obesos, pessoas com doenças autoimunes e todos aqueles outros grupos que já falamos), o ideal é que tome precauções para não pegar covid: se você pegar provavelmente não vai acontecer nada com você, mas você pode passar para essa pessoa e ela sim pode sofrer consequências mais sérias.

A vacina atual protege contra morte e hospitalização para todas as variantes, todos os tipos, todas as cores de covid, desde que você continue tomando as doses de reforço. Duas doses tomadas em 2021 podem não te proteger o suficiente, portanto, nada de relaxar com o argumento de que “estou vacinado”. Vacinado e protegido só está quem tomou sua dose de reforço nos últimos 4 meses.


Tem como saber se eu tive covid? (eu devo ter anticorpos, pois tomei a vacina)

Sim, é possível. Para saber se uma pessoa teve ou não covid, se faz um exame de sangue para detectar anticorpos contra a proteína N (papo técnico: nucleocapsídeo) do coronavírus. Se esses anticorpos forem encontrados no seu sangue, é sinal de que sim, você teve covid em algum momento.

Os anticorpos gerados pela vacina são diferentes. A vacina gera anticorpos contra outra proteína (papo técnico: proteína spike). Então, é possível saber exatamente quem tomou vacina e quem adoeceu.

Fazer esse tipo de teste pode ser importante para diagnosticar covid longa em quem não sabe que teve covid. Caso a pessoa esteja com determinados sintomas persistentes e não exista explicação médica para isso, esse exame pode ajudar a entender o que está acontecendo.

Também acho importante deixar bem claro que dá para quantificar com segurança o número de pessoas contaminadas (sem confundir com o número de pessoas vacinadas) pois, quem sabe, em algum momento é feito um levantamento disso para responsabilizar os imbecis que fizeram essa condução desastrosa da pandemia no Brasil. Se isso acontecer, vai ter militante dizendo que estão inflando os números pois esses anticorpos que aparecem são da vacina. Não são. Infecção por covid deixa um tipo de anticorpo e vacina deixa outro.


O que se sabe sobre covid longa?

Vamos chamar de Covid Longa, pois é o nome mais comum, mas nome técnico é “Síndrome pós-Covid”.

Ela é extremamente comum, segundo a OMS uma a cada cinco pessoas que pegaram covid acaba desenvolvendo este problema. Pode apresentar uma quantidade imensa de sintomas (são mais de 200 sintomas já catalogados) e esses sintomas podem durar meses ou até anos e pode ser que alguns sejam permanentes.

Até segunda ordem, o que se sabe é que qualquer pessoa que teve covid pode ter covid longa, mesmo que não tenha sentido qualquer sintoma da doença, mesmo que esteja vacinada quando contraiu a doença (alguns estudos indicam que, na melhor das hipóteses, a vacinação em dia pode prevenir em 35% o risco de covid longa).

Estudos também indicam que mulheres correm mais risco de covid longa do que homens (60% dos casos são em mulheres) mas, na real, eu não sei se de fato ataca mais as mulheres ou se as mulheres são mais atentas ao corpo e procuram atendimento médico com mais facilidade do que os homens. A covid longa também parece ser mais frequente em pessoas entre 36 e 64 anos. Para que ela se caracterize, é preciso que a pessoa apresente sintomas persistentes por mais de três meses.

Ela apresenta uma infinidade de sintomas, alguns até bastante estranhos, mas, os mais comuns são: dor de cabeça, perda de memória, dificuldade de concentração, perda cognitiva, ansiedade, insônia, depressão, perda auditiva, escutar zumbido no ouvido (papo técnico: tinnitus), perda auditiva, tontura, falta de ar, sensação de peito comprimido, fadiga crônica, taquicardia, fraqueza generalizada, queda de cabelo, diarreia, dor abdominal, constipação, perda de apetite, disfunções no ciclo menstrual, danos aos testículos, perda de olfato e/ou paladar e problemas hepáticos.

Metade dos casos de covid longa são fortes o suficiente para impedir que a pessoa execute as atividades do seu dia a dia normalmente. Eu mesma tenho amigos que tiveram que parar de trabalhar por incapacidade cognitiva. Na melhor das hipóteses, em média, a covid longa dura pelo menos sete meses. Na pior das hipóteses, ela fica como um dano permanente.

Esse é um dos motivos pelos quais eu continuo me cuidando muito: eu dependo da minha mente para colocar comida no meu prato e pagar as minhas contas. Se minha cognição ou minha capacidade de trabalho (qualquer coisa que me tire a concentração e me obrigue a render menos) for reduzida, eu vou ter um decréscimo na minha qualidade de vida que eu não gostaria de ter. Prefiro usar máscara e evitar aglomerações.

Ainda não se encontrou um padrão na covid longa: ela pode aparecer meses depois da pessoa ter se curado da covid, ela pode permanecer por meses, sumir e reaparecer, ela pode se manter por anos e, com o passar do tempo, do nada, surgirem sintomas novos. É uma grande loteria de danação.

Quando falamos em prazos, é preciso cautela, pois é uma doença que começou em 2020, ainda não sabemos bem o que é permanente e o que não. Por hora, se sabe que os danos que costumam ser permanentes, isto é, irreversíveis, costumam ser problemas no coração, fígado e/ou rins e maior risco de se tornar diabético.

“Mas Sally, os danos permanentes não deveriam ser no pulmão, que é o principal foco da doença?”. Não. A covid não é apenas uma doença respiratória, ela também é uma doença vascular ou com consequências vasculares. É comprovado que ela ataca a membrana interna dos vasos sanguíneos (papo técnico: endotélio). Nessa brincadeira, é provável que quem mais sofra seja o coração e o sistema circulatório.

E, dentro do grupo “coração e sistema circulatório”, o que mais se tem visto é a formação de coágulos. Coágulos podem causar sérios estragos ao corpo, desde trombose, infarto até AVC, dependendo de que “tubulação” eles entupam. Mas, nesse caso específico, descobertas recentes indicam que o coronavírus costuma reagir com dois componentes do sangue (papo técnico: plaquetas e fibrinogênio), formando microcoágulos.

“Mas Sally, microcoágulos não é melhor que coágulos? Quanto menor, menos entope”. Nem sempre. Quando a quantidade de microcoágulos é muito grande, reduz a capacidade de o sangue transportar oxigênio, o que vai “sufocando” os órgãos aos poucos e as consequências podem ser desastrosas.

Para finalizar, alguns cientistas estão começando a cogitar uma nova hipótese. Não é nada comprovado, apenas uma tese, por isso não saia repetindo isso como verdade: é possível que o Sars-CoV-2 simplesmente não desapareça nunca.

Mesmo não sendo mais detectável nos exames de sangue, ele poderia permanecer no corpo e, silenciosamente, continuar provocando os danos que chamamos de “covid longa”. Se for este o caso, a tendência é que os sintomas nunca desapareçam por completo e que eventualmente piorem ou surjam sintomas novos.

Se isso se confirmar, será uma péssima notícia, não apenas para os infectados, como para todos nós. Enquanto o coronavírus está no corpo, ele está em constante ataque do sistema imunológico, o que quer dizer que ele está constantemente dependendo de mutações para sobreviver. O resultado disso, vocês já podem imaginar, seria o surgimento de novas variantes, que certamente pegariam o mundo de surpresa.

Até aqui, o tratamento da covid longa não é pensado para atacar a causa da doença, apenas o sintoma: a covid longa não é combatida, e sim a dor de cabeça ou perda de memória que ela causa, por exemplo. Mas, já tem cientistas de várias partes do mundo estudando como impedir que a covid longa se desenvolva, preferencialmente antes dela causar danos. A principal aposta, no momento, são os anticoagulantes e os antivirais. Mas ainda é cedo para afirmar qualquer coisa além de “tem gente trabalhando nisso”.

Sem querer assustar ninguém, mas é provável que só vejamos os danos causados pela covid e pela covid longa em alguns anos. O que estamos vendo agora é a ponta do iceberg. Algo similar aconteceu com a Gripe Espanhola, em 1918: anos depois que a pandemia terminou houve uma explosão de casos de encefalite letárgica, uma inflamação do cérebro que causa tremores, perda da fala e sonolência incontrolável. Estima-se que 1 milhão de pessoas foram afetadas. Então, é provável que em alguns anos tenhamos que lidar com um legado bem desagradável.

Até hoje, a única forma de realmente se proteger contra covid longa é não ter covid. Custa tanto assim usar uma PFF2 bem colocada?


É verdade que a Moderna vai lançar uma vacina anual contra covid?

Sim e não. Vamos explicar com calma.

Sim, a Moderna desenvolveu uma vacina (papo técnico: vacina mRNA-1273.214) contra a variante Ômicron que apresentaria “uma resposta de anticorpos superior”, divulgando o resultado de testes clínicos que comprovariam isso. Essa vacina poderia garantir um espaço maior entre aplicações, em tese.

Essa “nova vacina”, a vacina mRNA-1273.214, seria diferente da vacina convencional (vacina mRNA-1273), que foi criada com base no covid raiz, aquele de Wuhan. Muito desavisado da imprensa viu e começou a divulgar, dizendo que existira uma vacina mais eficiente e daí já surgiu especulação sobre ser uma vacina que precisaria de intervalos maiores, até algum descontrolado chegar no prazo randômico de uma vez por ano, similar ao da vacina contra a gripe. Mas tem um pequeno problema.

Ao divulgar todos os dados, a Moderna diz que sua vacina foi desenvolvida com “a variante Ômicron”. Você, que é leitor do Desfavor, sabe muito bem que a Ômicron deu várias crias.

Essa vacina da Moderna foi feita utilizando a Ômicron BA.1 (ou B.1.1.529), a Ômicron Raiz. O problema? Essa variante está praticamente extinta. Hoje, ela é responsável por apenas 0,3% dos casos de covid. Como explicamos nos últimos FAQ, a Ômicron mutou rápido. Hoje, o grande problema vem da BA.2 (53% dos casos) e a BA.4 (18% dos casos) e BA.5 (19% dos casos).

Uma vacina desenvolvida com a BA.1, a Ômicron Raiz, pode proteger de forma eficiente contra BA.2, BA.4 e BA.5? Parece que não. Fuén! Estudos indicam que BA.2, BA.4 e BA.5 tem forte escape aos anticorpos gerados pela Ômicron Raiz, a BA.1. Por sinal, até a rival da Moderna, a Pfiezer, já tratou de fazer estudos nesse sentido para mostrar que a vacina da concorrente é uma titica.

A Moderna divulga que essa nova vacina aumenta em 5 vezes a eficácia contra as novas variantes da Ômicron, mas, se você comparar os estudos, vai ver que essa nova vacina, quando usada contra as novas variantes, tem resultados 3 vezes menores do que o apresentado contra a variante BA.1.

Então, sinto decepcioná-los, mas o ser humano não está conseguindo criar vacina na mesma velocidade que o vírus está mutando: quando pegam uma variante e fazem uma vacina com base nela, até a vacina entrar no mercado, essa variante já mutou novamente.

Mais do que uma vacina anual, temos que começar a torcer por uma vacina que consiga evitar a transmissão de covid, que até agora ninguém conseguiu desenvolver. Sabemos que uma pessoa corretamente vacinada dificilmente vai morrer ou precisar de internação, agora é hora de proteger as pessoas contra o contágio, para tentar reduzir os problemas que vamos ter com covid longa. Torçam por isso, não por uma vacina anual.

Para confessar que estava com saudades do FAQ, para dizer que o Ei Você de ontem foi para compensar ou ainda para dizer que vai colocar a culpa da sua preguiça na covid longa para tentar afastamento do trabalho: sally@desfavor.com

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Comments (2)

  • “(…) Ou ainda para dizer que vai colocar a culpa da sua preguiça na covid longa para tentar afastamento do trabalho”. Não duvido nada que algum não-Impopular que seja menos afeito a ralar para ganhar a vida leia isso e coloque em prática, Sally.

    E o que mais me deixou preocupado, de tudo o que eu li nesta postagem de hoje, é a possibilidade de que só vamos conseguir ter uma real dimensão do estrago que a Covid Longa pode fazer depois de alguns anos, da mesma forma que aconteceu após a pandemia de Gripe Espanhola ocorrida um século atrás. Seja como for, aceitemos ou não esse pesadelo ainda está longe de acabar.

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