Deus nos livre.

A gente viu o debate para presidente. Esse é o Desfavor da Semana.

SALLY

Se você procurar postagens antigas do Desfavor, da época de outras eleições, você verá que nós tentávamos de alguma forma discutir sobre política e sobre possíveis soluções para algumas questões do Brasil. Este ano, como vocês devem ter reparado, nossa “cobertura” das eleições se limitou a rir dos candidatos. E o debate de ontem explica muito bem o motivo: não tem o que debater.

Um show de horrores que mais parecia o Jogo da Discórdia do BBB, onde não foram discutidas ideias para melhorar o país e sim protagonizados barracos com maior ou menor nível. O brasileiro vai votar sem saber o plano de governo do seu candidato, movido pelo medo, pelo ódio ou pelo revanchismo, e, o que é pior, acreditando piamente que um candidato é “melhor” ou “menos pior” do que o outro.

Vamos repetir aqui pela milésima vez: são todos iguais na essência. A alegoria que escolhem vestir para atrair voto muda, mas em essência são todos iguais. Eu consigo compreender que a alegoria do Lula (Pai do Pobres, Preocupado com o Social, Inclusivo) seja menos repulsiva do que a alegoria do Bolsonaro (Grosso, Mentiroso, Sem Sentimentos), o que eu não entendo é como o brasileiro ainda compra que essas alegorias são reais e vota com base nelas.

É como ir comprar uma boneca Barbie e ficar na dúvida entre a Barbie Enfermeira e a Barbie Militar. A Barbie Enfermeira não vai cuidar da saúde de ninguém e a Barbie Militar não vai disparar tiros, são todas… bonecas! Só muda a roupinha e os acessórios de brinquedo. Acessórios de brinquedo não servem para absolutamente nada, a não ser para dar aparência à boneca.

Você tem a Barbie Preocupação Social e a Barbie Armamentista. Compre a que quiser, mas lembre-se de que estes são apenas acessórios de brinquedo que não tem qualquer utilidade na vida real. E, se você acha que, em algum aspecto, Lula é “melhor” do que Bolsonaro, sugiro que aprofunde seu olhar.

Dito isso, vocês me desculpem, mas eu não tenho qualquer condição de comentar de forma série o debate. Ainda assim, vou tecer algumas considerações, afinal, os melhores textos são aqueles onde não levamos a sério algo.

Curti demais Sorayão Maluca do Caralho, se ela não fosse um Bolsonaro Fêmea, eu poderia até gostar dela. Para quem viu o seriado “How I Met Your Mother”, ela é o clássico exemplo de “Crazy Eyes”. Quero como Presidente da República? Não quero (apesar de que seria uma experiência antropológica interessante), mas torço para que um dia ela tenha um envolvimento amoroso com o Pilha e, se possível, venha um filho dessa união maravilhosa.

Bolsonaro estava ali com sua postura burro-condescendente, sem se descontrolar e sem atacar ninguém, pois delegou esse papel para o candidato-laranja “Padre” Kelmon. Vejamos em que patamar está o Brasil: um candidato à Presidência consegue levar para o debate um candidato-laranja, criado por ele, para lhe servir de escada. E o candidato-laranja se diz padre mas não é padre de verdade, no entanto, vai fantasiado de padre. E se chama Kelmon.

Toda eleição precisa de um alívio cômico, mas nem para isso “Padre” Kelmon serviu, só deu raiva mesmo. Saudades do Cabo Daciolo! “Padre” Kelmon conseguiu tirar vários candidatos do sério, inclusive o Lula, mas não desestabilizou o Ciro. Por sinal, Cirão foi um dos mais equilibrados no debate – e isso diz muito sobre quão ruim está o emocional dos atuais candidatos.

Sobre o Lula, não adianta falar, então, permitam-me uma nova abordagem: o sujeito está claramente fodido de saúde, então, na hora de votar, lembrem-se de que você também vota no Vice. Quem sabe assim o povo tem um pouco mais de hombridade e, quando o molusco bater as botas, não fica choramingando em rede social “eu não votei no vice”. Votou sim. E tem grandes chances de, ao longo do percurso, Geraldão virar o seu Presidente.

Sobre a forma do debate, simplesmente inaceitável. Com a tecnologia que existe hoje, o mínimo que se espera de uma emissora como a Globo é que esse tipo de debate tenha um “VAR”: um telão ao fundo onde mentiras incontroversas possam ser desmentidas em tempo real. Bolsonaro diz que vetou o orçamento secreto e que os parlamentares passaram por cima dele? Mostra documentação provando que não é verdade.

Os candidatos podiam até fazer o sinalzinho do VAR com os dedos e, no bloco seguinte, aparece o tira-teima. Mas não, deixaram todo mundo mentir o quanto queria. Assim eleição presidencial vira concurso de melhor mentiroso (tanto é que o melhor mentiroso vai ganhar). Não custa nada ter duas dúzias de pessoas pesquisando em tempo real e jogando no telão a verdade. Bolsonaro diz que nunca imitou uma pessoa doente com falta de ar? Se algum candidato pedir “VAR”, coloca o vídeo dele fazendo isso no telão, ao vivaço!

No mais, quero fechar com uma coisinha para vocês refletirem: voto é algo de foro íntimo, pessoal, personalíssimo. Querer mudar o voto de alguém é de uma invasão de privacidade, de uma inconveniência, de uma falta de noção sem limites. É como se alguém ficasse insistindo para você revelar suas preferências sexuais e, depois que você revela, sei lá, ser sadomasoquista, a pessoa fica tentando te convencer a virar fetichista por ser muito melhor.

DEIXEM AS PESSOAS EM PAZ. “Ain mas em quem a pessoa vota me afeta e…”. DEIXEM AS PESSOAS EM PAZ. Democracia é isso: é escolher que o outro possa ter direito de voto e que isso te afete, querer mudar isso é antidemocrático. Tem que respeitar a porra da democracia, tem que respeitar a escolha do outro, tem que respeitar o direito do outro de pensar diferente.

“Vira voto” É O CARALHO. Arrogância de merda de pensar que o que a pessoa acha certo é de fato “o correto” e os demais precisam ser alertados e convencidos por ela, o grande guru da sabedoria, que não tem nem a própria vida resolvida em todos os aspectos, mas acha que pode resolver o Brasil. Respeitar a democracia é respeitar quem vota diferente e, se a pessoa não o faz, não deveria encher a boca falando de democracia.

Não sejam símios, não sejam macaquitos, não sejam invasivos sem noção e inconvenientes de ficar assediando pessoas e convencendo a votar em X ou em Y. É uma decisão de foro íntimo da pessoa e se meter nisso é um baita desrespeito.

Faz parte da democracia ter gente que pense diferente. Exaltar a democracia e depois detonar quem vota diferente é como decepar a cabeça de um animal usando um broche do PETA. Tenham vergonha, tenham noção de conveniência, tenham senso de urbanidade e não se misturem com essa gentalha que tenta intervir no voto alheio!

Na real, não recomendo nem que revelem nem o próprio voto, pois ambos os lados estão agressivos e intolerantes (mas quando é bolsonarista agredido ou morto por petista não aparece na mídia, pois “não é hora de criticar o PT”). Você só tem um dever: se quiser participar destas eleições, tem que ir e votar. Só. Atenha-se a ele, pelo seu próprio bem.

Para dizer que nem fodendo sai da sua casa para votar nesses merdas, para dizer que “Padre” Kelmon fez mais pelo ateísmo do que Nietzsche ou ainda para tentar me convencer a mudar meu voto (eu não voto): sally@desfavor.com

SOMIR

Sally fez a análise da situação em linhas gerais. Excelente. Isso me dá a oportunidade de focar no Padre Kelvin… Kelson… Candidato Padre. Como muita gente, eu não tive forças para ver o debate do SBT e só entrei em contato com essa figura fascinante no último debate da Globo.

A redemocratização começou com uma campanha bem suja, e Lula também estava lá. Com uma série de baixarias que incluíram até uma entrevista com uma ex-namorada de Lula no programa eleitoral do Collor onde ela dizia ter sido pressionada a abortar, foi um começo cambaleante para a recém-recomeçada disputa eleitoral livre.

Mas pelo o que eu lembro, a coisa ficou um pouco mais sob controle nas eleições seguintes. Para ser honesto, foi ficando até chato ver PT e PSDB disputando todas as outras eleições presidenciais, com um exagero aqui e acolá, mas uma média até que digna de discussão política. Com o impeachment de Dilma (que não foi golpe, mas foi uma baixaria) a coisa começou a desandar para uma polarização entre bem e mal, ao invés de partidos diferentes. Bolsonaro leva a facada, é eleito e entramos nesse admirável mundo novo de política futebolística que vemos agora nos anos 20.

E pouca coisa explica melhor nosso momento que o Candidato Padre (Sorayão foi a melhor coisa do debate, pode chamar ela para todos os próximos a partir de hoje, candidata ou não) adentrou a casa de milhões de brasileiros com aquela fantasia de sambista ortodoxo e a missão de puxar o saco de Bolsonaro.

É o tipo da coisa que qualquer pessoa com limites básicos teria vergonha de fazer. Bolsonaro por deixar isso acontecer, Candidato Padre por se prestar a esse papel. É daqueles truques tão óbvios que a maioria de nós teria vergonha de fazer. “Todo mundo vai perceber que ele só está lá para ajudar o Bolsonaro, vai pegar mal”.

Mas, será que vai mesmo? Candidato Padre é uma personagem de programa de humor no meio de um debate presidencial e para boa parte dos brasileiros, ele colou. Lembre-se que quem está tirando sarro dessa figura é um público um pouco acima da média do brasileiro. Público que viu o debate, que tem alguma noção do que acontece na política, e que não tem um medo primal de punição divina.

Candidato Padre chega para nós um pouco mais privilegiados como uma trollagem no processo político, mas vai chegar no cidadão médio por pequenos clipes dele falando de Gezuiz e cia. e no papo aleatório que o brasileiro tem quando nenhuma pessoa mais educada está ouvindo. Não sei se você já prestou atenção nesse papo aleatório do povão, mas é igualmente hilário e preocupante: as pessoas têm acesso a partes minúsculas da informação disponível e nenhuma condição de verificar sua lógica. O papo aleatório é maioria. Ele acontece mil vezes mais do que os papos que você capaz de ler um texto tem por aí.

No papo aleatório, tudo acontece. A Terra começa redonda, termina plana; começa plana, termina quadrada; Jesus é invencível num minuto, macumba estraga sua vida no outro… eu me sinto um elitista dos mais escrotos quando escuto esses papos, mas é a dura realidade: dois brasileiros médios conversando sobre qualquer tema mais complexo de quem transou com quem tendem a falar coisas incrivelmente sem nexo e contraditórias.

Contraditórias porque o papo aleatório do povão não segue convenções temporais: a pessoa viu uma coisa cinco minutos atrás e duvida dela do mesmo jeito. O Lula vai fechar as igrejas, o Bolsonaro vai virar ditador, tudo ao mesmo tempo, e se precisar, inverte tudo logo depois. Não existe passado, presente ou futuro, é meio como dois robôs de chat conversando. Responde à última frase ouvida sem obrigação nenhuma de manter coerência sobre a conversa em geral.

O Candidato Padre é uma prova de que a campanha de Bolsonaro abraçou essa característica do povo. Alguém que surge do nada, cria o caos, fala nada com nada, mas deixa no ar a última frase que vai servir de base para a conversa. Eu não acho que vá colar no sentido de fazer o Bolsonaro ganhar a eleição, mas colou o suficiente para demonstrar que a estratégia funciona se bem aplicada.

De uma certa forma, estamos provando que o rei está nu, que todo aquele papo político das décadas passadas foi algo para gente mais estudada ver. Mais ou menos como falamos aqui naquele “ato pela democracia” de algumas semanas atrás, lindo em tese, pouco informativo na prática. Candidato Padre é a prova de como o sistema é de verdade: caótico, imprevisível e indiferente à lógica de uma minoria privilegiada.

Candidato Padre é o Brasil político. Sem passado, sem futuro. Um presente aleatório tentando cravar uma ou duas frases na memória de curtíssimo prazo do povão, sem vergonha, sem medo de contradição. O povo pode até ter um instinto de não levar muito a sério um candidato desses, mas o que ele fala e como ele fala combina muito bem com a forma como as pessoas pensam no Brasil.

Eu chamo de Desfavor da Semana porque foi mais uma fronteira atravessada: o marketing político parecia estar em dúvida de quanta insanidade poderia injetar nas campanhas, a dúvida está se esvaindo. O candidato com o melhor marketeiro das últimas décadas, Ciro, jogou sua carreira política no lixo usando as melhores estratégias do passado recente. Lula foi bem indicado a ficar mais quieto e deixar a loucura correr solta com seu aliado Janones, Bolsonaro testou mais e mais formas de criar o caos na corrida eleitoral, achando uma bem interessante na reta final.

Eu ainda acho que Lula vai ganhar, mas ficou uma lição valiosa para os piores políticos brasileiros a partir de 2026: parar de levar a eleição presidencial a sério. Porque o que passa por seriedade para a parcela mais intelectualizada da população faz pouca ou nenhuma diferença para a maioria da população. Seriedade é relativa. Candidato Padre pode ser uma boa estratégia sim, e eu acho que esse bicho não volta mais para o esgoto depois dessa. Pode não ser ele na próxima, mas vai ser algo do tipo, com certeza.

A política brasileira pelo menos fingia ser séria, não vejo motivos para continuar fingindo depois desse debate.

Para dizer que pelo menos riu, para dizer que o Bonner quis se mudar para a Suíça depois disso (todos nós), ou mesmo para dizer que acredita que o Padre vai passar o Ciro amanhã: somir@desfavor.com

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Comments (18)

  • Acho que esses candidatos-palhaço são intencionais (Fidelix, Daciolo, padre) para a população não prestar atenção no que realmente importa. Para deputado, esses candidatos fazem a gente achar que esses cargos não têm importância e acaba votando em qualquer coisa, já que qualquer Zé Ruela se apresenta, “é um cargo meio bunda e são todos bandidos mesmo”.

    O debate da Band foi o que teve o nível mais alto para os padrões brasileiros, mas logo no debate seguinte resolveram a questão. O povão precisa falar da chacota e não do Brasil. Deu certo. Mesmo que seja pra denunciar, a gente, politizado de monóculo, está falando sobre as pataquadas desse circo. Essa talvez seja a área mais bem gerida da política. Todos nós caímos.

  • “Eu ainda acho que Lula vai ganhar”

    Nem acredito que estou prestes a dizer isso, mas até eu tô querendo que isso aconteça. Odeio Lula, PT e derivados, porém com esse legislativo hediondo que foi eleito é bem melhor ele se arrombar com esse congresso que inevitavelmente vai limitar a governabilidade dele do que o Bostanaro se reeleger e aprovar a merda que ele quiser sem controle algum.

  • Em 2006 era Lula versus Geraldão…

    Um excelente exemplo do porquê nenhum político é o que diz, e que no fundo são todos amigos. Estou até contando que no futuro algum dos Bolsonaros também vai fechar chapa com alguém do PT.

  • Acalmem seus coraçõezinhos porque presidente não manda nada. Esse debate foi o mais top de todos. Sou fã da Sorayão, ela vira onça e explanou que a vara do Bozo é curta! Eu só vou votar porque na minha cidade liberou ônibus de graça. Antes eu não ia já que a multa era mais barata que a passagem. Eu apostei no Pixbet então preciso garantir meu dindin.

  • E eu achando que Eduardo “Marijuana” Jorge, Gabeira, Enéias e Marronzinho (o pior!) tinham sido os últimos folclóricos e pitorescos candidatos à presidência desde a “redemocratização” (facepalm)…

  • Sobre o Lula, não adianta falar, então, permitam-me uma nova abordagem: o sujeito está claramente fodido de saúde, então, na hora de votar, lembrem-se de que você também vota no Vice. Quem sabe assim o povo tem um pouco mais de hombridade e, quando o molusco bater as botas, não fica choramingando em rede social “eu não votei no vice”. Votou sim. E tem grandes chances de, ao longo do percurso, Geraldão virar o seu Presidente.
    Assino embaixo. Inclusive a piada que faço é que o Lula chamou o Geraldo Alckmin pra ser vice dele pra salvá-lo na hora do infarto, porque sim… Esse hipertenso deve ter um infarto ou um AVC quando menos a gente esperar.
    Não sei se você lembra, mas os idiotas do #LulaLivre vazaram essa na vã tentativa de safar o sinhozinho da cadeia lá em 2018.

    • Eu aposto em outras frentes: retorno do câncer ou cirrose. Não desejo isso a ele, mas acho que o desgaste do cargo pode provocar esse estrago

      • Quem tá com a saúde 100% não fica fazendo volta e meia consulta “de rotina” no INstituto do CORação, mesmo sendo “rico”. Logo, o risco de infarto ou alguma outra coisa correlata como um AVC por exemplo é bem real.
        Cirrose tem risco maior na combinação inadequada de alcool com medicamentos.

    • Sabe que eu acho que Padre Kelmon acredita no que diz? Me parece um INRI Cristo moderno, que mente tanto que vai perdendo a capacidade de diferenciar realidade de invenção…

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