ChatGPT

Há algumas semanas, a OpenAI, uma empresa cujo objetivo é criar inteligências artificiais generalistas, liberou o uso do seu sistema ChatGPT para o grande público em fase de testes. Basicamente, é um computador que conversa com você. Mas o nível no qual ele faz isso pode mudar nossa relação com a informação, talvez para sempre.

Eu lembro de testar vários desses robôs de conversa no passado. Era algo curioso por alguns minutos, mas não demorava muito para as limitações da inteligência artificial ficarem evidentes. Era um papo de maluco na maioria das vezes, o computador não tinha nenhuma coerência temporal, isso é, não conseguia continuar um assunto por mais que uma resposta. Além disso, costumava ignorar perguntas e basicamente falar sozinho um monte de asneiras.

O ChatGPT, que está disponível neste link, é o resultado do uso das ferramentas mais modernas de inteligência artificial, alimentado por um banco de dados monstruoso de textos encontrados na internet. Assim como os robôs de chat do passado, ele também tenta prever o que um humano diria de acordo com o texto que recebe, mas faz isso num nível absurdamente superior a qualquer outra coisa que já vimos antes.

Sim, tem muita inovação no treinamento e nas estratégias usadas para montar esse sistema, mas a grande diferença aqui é a escala: não só o sistema usa um modelo de terabytes de texto para pesquisar o que dizer, como também está usando máquinas poderosas para fazer todos os cálculos necessários. Não à toa, o sistema deles vive no limite da capacidade, muitas vezes demorando horas para liberar um espaço para novos usuários. Por enquanto é grátis, mas é certeza que não vai ser para sempre. Nesta fase, você “paga” pelo uso ajudando a treinar o sistema.

Mas o que ele faz de tão impressionante? Eu definiria assim: o ChatGPT te dá acesso a uma pessoa inteligente e criativa com paciência infinita. Não uma pessoa que nunca erra, não uma pessoa com caráter definido, não necessariamente uma pessoa divertida de conversar… mas uma pessoa que sempre dá um jeito de entregar o que você pede dela no campo intelectual.

Você pode pedir para o ChatGPT te explicar a órbita da Lua de forma técnica, ou pode pedir o mesmo tema em forma de soneto. Pode pedir para o robô explicar como se você tivesse 6 anos de idade, pode até pedir para ele te dizer coisas erradas sobre o tema. E eu comparei com uma pessoa inteligente e criativa porque o sistema tem exemplos de todo tipo de escrita para se basear. Como o modelo de respostas foi aperfeiçoado por humanos, escolhendo os caminhos mais aceitáveis para o robô seguir, ele foi filtrado para dar informações mais ou menos confiáveis, avisar se tiver alguma polêmica, e até mesmo ter um quê de senso de humor e finesse na forma como se comunica.

Eu não sei como dizer isso sem parecer arrogante, mas aqui vai: o ChatGPT foi filtrado para escrever e pensar mais ou menos como eu. Sim, eu, o Somir. Ele não tem a minha personalidade e tem mil vezes mais conhecimento que eu, mas eu percebo a semelhança. Não porque eu era o parâmetro, mas porque eu fui me treinando com o passar dos anos para desenvolver um estilo de escrita que eu via em pessoas inteligentes que admirava. O ChatGPT foi treinado para seguir o mesmo tipo de comunicação escrita que eu tive vontade “natural” de aprender.

Claro, ele pode adaptar esse estilo de acordo com os pedidos do usuário, mas deixado livre, é o mesmo jeitão diplomático e verborrágico de comunicação: sempre preocupado em estabelecer o máximo possível de premissas para não gerar confusão. Muito embora quem critique o sistema diga que ele enrola demais para dizer as coisas, e assim como eu, acaba se repetindo.

Eu acredito que seja uma tendência dos nerds que o programaram, treinaram e filtraram, devem ser pessoas parecidas comigo, por isso eu enxergo a conexão. O diferencial é que com essa fase de testes, a equipe vai poder ir além desse estilo “nerd padrão” de escrita, aprendendo com o feedback a emular outros tipos de comunicação. Imagino inclusive que o próximo passo seja um estilo mais Sally: ainda didático, mas muito mais direto e disposto a se arriscar.

E aí pode morar o perigo: por enquanto o ChatGPT é um parceiro de conversa com bastante conteúdo, mas pouco carisma. Não se enganem, é divertido ver como o sistema pode ser criativo de acordo com o que você pede para ele escrever, mas como é a soma de incontáveis textos da internet, não existe uma personalidade muito clara. Eu ainda coloco um pouco de deboche e arrogância no que escrevo para dar um tempero, o ChatGPT ainda não.

Ainda não. Porque embora não seja o objetivo dos programadores criar uma personalidade para esse modelo de conversa, é provável que várias delas emerjam naturalmente depois de tanto treino com seres humanos aleatórios. Na inteligência artificial de imagens, estão criando modelos e mais modelos específicos para emular estilos de arte e artistas. Você pode mudar o modelo em uso para ser mais Picasso ou mais “artista de desenho japonês nº 23.991.081”, e considerando que já existem modelos do ChatGPT grátis que você pode usar no seu computador, é bem provável que essas variações apareçam também, mas em forma de personalidades e interesses.

Por mais que a tecnologia do ChatGPT ainda seja fechada para o público, a ideia geral está disponível em código aberto. E com produtores de processadores e placas de vídeo cada vez mais interessados em otimizar seus produtos para inteligência artificial, o poder de fogo do usuário médio para rodar esses chats “inteligentes” vai continuar aumentando. Essa tecnologia pode e vai ser usada para produzir conteúdo na internet.

Porque assim como nós, o robô também deriva satisfação de dizer “as coisas certas”, para ele aumenta um número, para a gente libera hormônios positivos. E não, não estou falando de dar informações corretas e bem estudadas, estou falando de gerar atenção e ganhar boas avaliações dos humanos. Se você disser que a terra é plana para terraplanistas, vai ser muito bem recebido. Dizer o que as pessoas querem ouvir e dizer o que é a informação mais segura são coisas muito diferentes. E pela natureza da tecnologia empregada, o risco do ChatGPT e similares serem usados para cobrir os buracos de produção de conteúdo de tudo quanto é tipo de maluco é enorme.

Não vamos nos esquecer que a tecnologia de tradução e transformação de texto em voz já está em níveis muito elevados. O ChatGPT fala português muito bem, obrigado. E tem vários sistemas que transformam esses textos em voz, inclusive de pessoas famosas. O áudio maluco no seu WhatsApp pode ser inteiramente pensado e produzido por um computador, e não é para demorar muito. A tecnologia de vídeo ainda está limitada pela necessidade absurda de recursos de computação, mas eu não apostaria nisso sendo verdade por muito mais tempo.

Com um bom sistema de produção automatizada, eu acredito que ainda vamos ver canais de “notícias” 24 horas na internet sem intervenção humana. Com pautas, cenários, apresentadores e vieses políticos e sociais dos mais diversos. E ainda dá para colocar alguns milhares de “espectadores” comentando e gerando engajamento nesse conteúdo, para dar impressão de autenticidade.

Não duvido nada que pessoas que deixaram muito material de texto, vídeo e áudio possam ser replicadas em breve. Imaginem um Olavo de Carvalho que pode atender mil pessoas ao mesmo tempo e explicar tudo o que elas querem entender pelo ponto de vista dele… um que adapta o discurso ao que a pessoa é capaz de entender, que responde mil perguntas, que fala qualquer asneira em qualquer formato pedido. E considerando como o sistema funciona, é possível até mesmo que essas pessoas simuladas comecem a ter novas ideias.

No fundo nem é tão diferente do ser humano: nossas ideias vem das bases que temos de informação, das nossas personalidades e dos estímulos externos que recebemos. Como saber se a pessoa emulada realmente não teria aquela ideia? Voltando aos exemplos de inteligência artificial de imagem: mesmo que Picasso nunca tenha pintado um celular, o modelo de geração de imagens tem milhões de fotos e desenhos de celular para adaptar no estilo visual dele.

Nada impede que a mesma coisa seja feita com texto: o que Hitler diria da situação política brasileira? O que Hitler diria da situação política brasileira se fosse “forçado” a ser fã do Lula pelo pedido da pessoa que está usando o sistema? Quais são as soluções para o aquecimento global que o Einstein daria? E se o Einstein fosse treinado para defender a indústria petroleira? Como sabe o que tem na “caixa-preta” da mente do sistema de produção de textos se você só tiver acesso às respostas que ela te dá?

Os mais versados em ciência da computação devem ter percebido que ninguém está falando do teste de Turing com essa tecnologia. Esse teste, que consiste em fazer um humano conversar com uma máquina sem perceber que é uma máquina já perdeu a validade. Se você está prestando atenção em comunidades online e redes sociais em geral, já deve ter percebido como respostas do ChatGPT estão entrando como se nada no meio do turbilhão de conteúdo diário.

A internet criou uma era de interações superficiais e distantes que uma máquina pode emular com facilidade. A única coisa que indica que é uma inteligência artificial é a forma como ela escreve por enquanto, mas com certeza a tecnologia vai ter acesso a bilhões de mensagens curtas, mal escritas e bizarras que o ser humano escreve diariamente. E aí não vai ser só um nerd padrão, vai ser qualquer pessoa que você quiser que seja.

“Ah, mas eu consigo perceber quando o texto está estranho…”

Tá bom, você consegue. Você lê textos como este sem problemas. Você pode dizer o mesmo da maioria das pessoas ao seu redor? Podem me cobrar daqui a 100 anos: estamos na singularidade tecnológica agora.

Este texto foi inteiramente escrito pelo ChatGP… brincadeira. Ainda sou eu.

Ainda…

Para dizer que a máquina é menos chata, para dizer que caiu a ficha do que está acontecendo e está assustado(a), ou mesmo para dizer que essa merda nunca está funcionando (ainda é de graça): somir@desfavor.com

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Comments (8)

    • Atilover com orgulho. Sempre que o desfavor converge com algo que o Átila diz eu fico muito feliz.
      Na época dos FAQ Covid semanais, eu comemorava horrores quando saía vídeo dele dizendo o mesmo que a gente.

  • Estava esperando o seu comentário sobre esse assunto! Aqui tem muita gente surtando com o impacto em ginásios e universidades; o robô consegue, por exemplo, passar em TODOS os testes dos cursos de tecnológicas da DTU e produzir trabalhos acadêmicos bastante razoáveis. Já começou a histeria de “proibir-controlar” o que é incontrolável.
    Eu acredito que devemos estudar como usá-lo como uma ferramenta extraordinária, mas já quase apanhei de alguns colegas pela sugestão. Hoje apareceu esse artigo no NYT, dá uma olhada:
    https://www.nytimes.com/2023/01/12/technology/chatgpt-schools-teachers.html
    Nunca vou me esquecer, quando ouvi falar pela primeira vez da internet – ainda não tinha esse nome e levou uns bons 20 anos para que eu pudesse fazer meu primeiro acesso – só conseguia pensar nos artigos e livros do mundo inteiro que estariam a um toque dos meus dedos. Está ficando cada vez melhor (eu costumo abstrair redes sociais etc)

  • Caramba ! Tá muito o filme Her q o cara se apaixona e tem um relacionamento com a inteligência artificial. O cara sofre pela voz da “secretária eletrônica” . Agora, eu adoraria ter tido professores nessa pegada. Melhoraria muito a educação se eliminassem os professores brs brincadeira, mas é verdade.

  • Em um futuro próximo, essa cacofonia de informações desencontradas em que estamos já há algum tempo vai piorar e muito. Se hoje em dia temos mentiras se tornando verdades e verdades sendo postas em dúvida como se fossem mentiras, imaginem só como é que vai ser daqui a alguns anos. Isso sem falar que, se atualmente já existe um número assustador de pessoas se deixando enganar com facilidade por serem incapazes de perceber que algo foi obviamente inventado/ distorcido, imaginem como vai ser com Inteligências Artificiais emulando características humanas quase que à perfeição e produzindo conteúdos cada vez mais “credíveis”.

  • Artificializaram o CVV, aí. Se bem que a máquina deu uma resposta mais humanizada do que se costuma encontrar em alguns subs do Reddit…

    Os fakes do futuro serão realistas, com fotos de pessoas que não existem criadas em geradores, e argumentações e postagens também fabricadas.

    Até os trolls estão ameaçados de substituição… Aliás, taí uma boa ideia de trollagem no Desfavor: um texto escrito por uma IA.

  • Uma inteligência capaz de conversar assuntos infinitos. É basicamente ter um Somir disponível quando quiser. Me interessei.

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