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Grande demais para falir.

Grande demais para falir.

| Somir | | 18 comentários em Grande demais para falir.

Existe uma expressão da língua inglesa: “too big to fail”, a qual eu já traduzi no título deste texto. É muita usada no mundo dos negócios para descrever empresas que ficam tão grandes ao ponto de ser complicado sequer imaginar a sua falência. E é claro que as notícias sobre a Americanas pedindo (e conseguindo) recuperação judicial me fizeram pensar sobre isso.

Muito embora alguns populares já tenham sido flagrados buscando um “saldão” nas lojas físicas, em busca de um chocolate mais barato, a ameaça de uma empresa do tamanho da Americanas falindo deixa muita gente assustada. Não só os milhares de funcionários, mas todo o ecossistema que se desenvolve ao redor dela.

Uma empresa enorme vende muito, mas compra muito também. Em todas as etapas do negócio, ela gira uma quantidade considerável de dinheiro. Tem muita gente trabalhando para empresas que trabalham para a empresa grande, e mais, tem muita gente investindo dinheiro nas ações de empresas desse porte.

E todo mundo nesse universo parte do mesmo princípio: que uma empresa grande como a Americanas é grande demais para falir. E tem sua lógica, quando tanta gente depende de uma só empresa para gerar sua renda, não é do interesse de ninguém que ela desabe em dívidas. É meio como Teoria dos Jogos, você faz sua aposta presumindo que o outro quer o melhor resultado também.

“Alguém vai fazer alguma coisa para não deixar uma empresa desse tamanho falir, né?”

Mas como já vimos diversas vezes nas últimas décadas, empresas não são grandes demais para falir. Nenhuma delas. Como uma criança dos anos 80, eu vi várias empresas consideradas gigantes na minha infância desaparecerem. Negócios monstruosos que sumiram pelas mudanças no mercado de consumo ou por má administração.

Eu não acredito em grande demais para falir. Porque não é uma teoria que eu ouvi, são exemplos práticos vistos durante a vida. Não importa o tamanho, a empresa pode falir. Sim, pode parecer muito óbvio tudo isso que eu estou falando, mas é um bom começo para estabelecer um outro termo no qual eu acredito muito mais: “too big to work”, ou, em português, grande demais para funcionar.

Quando a Americanas fez o pedido de recuperação judicial, argumentou que se todos os credores viessem bater na sua porta ao mesmo tempo, ficaria sem caixa para tocar o negócio. É uma empresa que gasta milhões e milhões todos os dias só para manter o básico funcionando. São funcionários, compras, impostos, contas, despesas inesperadas… mesmo que uma empresa dessas decidisse parar com todo tipo de investimento, ainda sim teria que gastar muito dinheiro para continuar fazendo dinheiro.

Isso é verdade para empresas gigantes que estão com rombos no orçamento e para empresas gigantes que estão com as contas supostamente em dia. Ser grande custa caro. Faturar um bilhão às vezes custa 999 milhões. Ser grande permite que a empresa continue faturando alto, mas a coloca nessa situação de não poder parar, nunca.

Quando chegam nesse ponto, é basicamente inércia que faz com que o dinheiro continue entrando e saindo. Não há mais como parar e recomeçar. Você consegue frear uma moto em poucos segundos, mas pode demorar dias para frear um navio petroleiro. Não é fácil derrubar a empresa gigante, mas ela não tem margem de manobra: se ela perder a inércia por um segundo que seja, as contas chegam num volume tão absurdo que é impossível resolver sem proteção do Judiciário ou injeção de capital externo.

Pediram recuperação judicial para não serem obrigados a pagar tudo o que estão devendo, porque se pagarem, acaba a capacidade de faturar para pagar. Grandes bancos e investidores tem redes de informação internas e externas para antever esses problemas e entrar na fila de recebimento o mais rápido possível: eles sabem que se não pegarem seu dinheiro de volta nos primeiros momentos, vão ficar sem nada depois.

Porque quem tem muito dinheiro sabe disso: empresas ficam grandes demais para funcionar. E até quem tem pouco como eu pode perceber isso sem contratar as melhores cabeças do mercado para avisar, basta pensar um pouco em de quem é a empresa gigante. Ela é dos acionistas? Porque esses normalmente compram ações para poder revender depois. Ela é de uma estrutura de funcionários que só conversam com outros funcionários? Porque eles não costumam ter nenhum senso de posse com a empresa. Ela é dos credores? Porque os credores não querem que a empresa desabe, mas não estão nessa para contribuir com dinheiro.

Inércia carrega grandes empresas: depois que você consegue um grau de sucesso ao ponto de valer bilhões, a vida de tanta gente depende da empresa que parece natural fazer negócios com ela e manter a coisa funcionando. A questão aqui é que se você parar para pensar, não tem nada de concreto segurando a existência das Americanas ou de qualquer outra megaempresa desse mundo. As pessoas começam a agir feito parasitas num corpo gigantesco.

É quase como se fosse um bem público, algo que parece que é de todo mundo, mas não é de ninguém. Os acionistas podem mudar todos, os funcionários idem. A empresa existe por existir. Porque talvez já faça parte do nosso inconsciente coletivo acreditar que elas precisam estar ali. A lojinha da esquina tem uma motivação humana de subsistência, a rede de lojas é a esperança de que a inércia do mercado vai durar até as pessoas envolvidas tirarem seu lucro.

E isso quer dizer que no meio desse mecanismo, vamos ter pessoas incompetentes, preguiçosas ou desonestas. Pessoas que na superfície não vão parecer muito diferentes de qualquer outro parasita nesse animal gigantes. Estão todos lá para tirar o seu, alguns fazem isso de forma honesta e pensam em sustentabilidade, outros sugam todo o sangue que podem até cair ou serem expulsos. Se você já está com os olhos cerrados e pronto para me chamar de comunista, eu admito que estou fazendo uma crítica ao modelo capitalista de grandes empresas, mas sem querer implantar outro sistema no lugar.

O ponto aqui é que há um problema fundamental de falta de pertencimento em grandes empresas como a Americanas. Falta função humana. Economia, mercado, tecnologia… todos mecanismos para desenvolver desejos humanos. Quando o capitalismo é o meio e o fim, todos podem falir e todos vão ter dificuldade de funcionar. Mesmo quando os governos se mexem para salvar essas empresas, isso é mais relacionado com o efeito dominó que elas podem gerar no resto do mercado do que com a solução de algum problema fundamental.

Porque eles também sabem que uma empresa grande demais para funcionar é só uma dentre várias. A disfuncionalidade é generalizada. Quem já trabalhou em empresa grande, multinacional, sabe muito bem do que eu estou fazendo: a maioria acaba se perguntando em algum momento como diabos um lugar tão confuso e cheio de incompetentes em posições de poder consegue fazer dinheiro… é a inércia. São os negócios que são feitos com outras empresas amarradas nesse mecanismo de gerar renda para não explodir. Milhões de vidas presas nesse sistema maluco.

Quando uma dessas “farsas” é exposta, outras vão junto. As grandes marcas que você lembra da infância e que não existem mais quase todas caíram pelos mesmos motivos: a inércia foi consumida por décadas de decisões feitas por parasitas. A empresa gigante existe para ser consumida e falir, é questão de tempo. A empresa gigante é uma aberração lógica na sociedade humana: por que ter algo desse tamanho que não é de ninguém de verdade?

Por mais que nossos leitores mais libertários queiram fazer a comparação com o Estado, pelo menos a Constituição dá um norte para a função humana dessa megaestrutura. O Estado não precisa lucrar, o Estado pode perder dinheiro se estiver construindo algo que vá gerar benefícios prometidos na sua carta magna. Povos atrasados como os brasileiros e tantos outros tratam o Estado como uma empresa gigante? Infelizmente sim, mas ele não está lá para isso. A empresa gigante está.

Porque faz tempo que ela perdeu qualquer outro significado. Ela não está mais nem construindo a fortuna de uma pessoa, lembrando que os bilionários mais famosos do mundo têm dinheiro em formato de ação na bolsa, não dinheiro… dinheiro. Não é como se eles pudessem resolver a fome no mundo, nem se quisessem: para transformar seu dinheiro em comida para os necessitados, precisam vender ações, se venderem ações, o preço delas desaba e eles deixam de ser bilionários.

Me preocupa quanta gente pegou essa ideia de discutir a função dessas grandes empresas no mundo e colocou numa caixinha de subversão comunista. Não é nada disso: estamos mais e mais dependentes de menos e menos empresas, cada vez maiores. Empresas que tem sim esse pecado original de não fazerem sentido, de serem hospedeiros de parasitas que só conseguem viver enquanto houver inércia no mercado. Enquanto as pessoas acreditarem que é uma boa ideia comprar suas ações e apostar seus futuros em investimentos nelas, o grau de risco na economia mundial só vai aumentar.

Quanto tempo até esses gigantes todos se mostrarem como defuntos sendo carregados pela vontade do povão até deixarem de dar dinheiro? A única coisa que nos protege hoje é a sorte de não caírem ao mesmo tempo e a ilusão que muita gente nutre que elas são grandes demais para falir.

Elas são grandes demais para funcionar. Quem ganha dinheiro com as ações delas são especuladores profissionais, se eu puder te dar um conselho, que seja esse: não se coloque na mão de uma megaempresa, não confie em “bilionários de ações”. Toda empresa pode falir, todo sistema pode falhar. Talvez a Americanas consiga escapar dessa vez, mas já está na cara que os parasitas fizeram muito mal para o organismo dela. Uma hora ou outra isso vai acontecer de novo.

O sistema é esse. Não tem nenhuma surpresa para quem estava prestando atenção.

Para dizer que quer de volta o ícone de comunista, para dizer que vai investir tudo nas ações deles (pelo menos estão baratas), ou mesmo para dizer que economia e negócios na sexta é puxado… somir@desfavor.com


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