Que burrice é essa?

Se você tem político de estimação, volta amanhã. Não tem como não te incomodar hoje com as reflexões que vou fazer: 1) a esquerda é mais inteligente que a direita, 2) isso é resultado direto do número maior de ignorantes na esquerda.

Eu lembro de ouvir em choque a Sally me dizendo que gente burra dava menos problema em relacionamentos que gente inteligente. Ela me explicou que todo mundo tem problemas, mas os problemas dos burros eram mais fáceis de resolver. Eram só aquilo mesmo, não costumavam ter profundidade. Depois de eu internalizei a ideia, comecei a enxergar em todos os lugares.

Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a separar claramente ignorância de burrice. Tem textos e mais textos meus aqui desenvolvendo a ideia, que em resumo é diferenciar pessoas que não sabem uma informação de pessoas que entendem errado uma informação. Quem não sabe o que é uma vacina é ignorante, quem acha que vacina causa autismo é burro. Burrice é um estágio avançado, por assim dizer. Sally falava sobre pessoas mais simplórias naquele caso. O que ela chamava de pessoa burra eu chamo de ignorante agora.

Para mim, faz mais sentido dividir assim. Uma pessoa que ouve alguém dizendo que a Terra é plana e acredita por não ter a menor noção de nada científico é apenas ignorante. A pessoa que traça rotas de aviões ao redor da Terra supostamente plana e faz vídeos para provar seu ponto é burra: ela tinha como saber a informação correta, mas correu na direção oposta.

O ignorante é mais fácil de lidar. Tem seus problemas que nem o burro, mas eles costumam ser bem mais simples. Trazendo isso de volta para o cenário político brasileiro: Lula conquistou o voto da maioria dos ignorantes, Bolsonaro dos burros. Os eleitores do 13 escorregaram na casca de banana, os eleitores do 22 atravessaram a rua para escorregar na casca de banana. Talvez você veja alguma vantagem em um lado ou no outro, mas vamos tentar manter uma visão mais neutra da situação?

Evidente que não é inteligente jogar uma definição em todo mundo de um espectro político, pessoas são muito mais do que só um voto. Existem pessoas muito inteligentes e bem articuladas dos dois lados do espectro político moderno. Pessoas com intenções nobres e que estudaram muito para chegar nas ideias que chegaram.

Inclusive é importante manter isso em mente se você, assim como eu, é mais simpático ao centrismo: uma hora ou outra você vai conversar com um suposto fanático de um lado ou do outro que vai limpar o chão com você numa argumentação. Essa coisa de direita e esquerda pegou por um motivo, e são séculos e séculos de ideias sendo cultivadas por pessoas muito capazes. Ter uma visão de centro não significa negar a sabedoria acumulada de nenhum dos lados, significa concordar e discordar de acordo com a situação. Não se impressione demais se alguém de direita ou esquerda te der um argumento espetacular para defender sua posição política, eles existem e fazem parte do jogo.

Se eu fosse tatuar uma coisa na minha pele, seria a frase: “é burrice achar que todo mundo é burro”. A tentação é enorme, especialmente hoje em dia com tanta gente sem noção tendo voz no mundo. O que me leva de volta às duas afirmações do começo do texto: quando você olha para o quadro geral dos defensores de direita e esquerda na sociedade moderna, a esquerda parece mais inteligente em linhas gerais.

Não é a esquerda que invadiu e quebrou tudo em Brasília, que foi furar obra de arte e defecar no STF. A esquerda tomou uma pancada em 2018, conseguiu tirar seu líder da cadeia e usar muito bem os erros da direita para voltar ao poder em 2022. A esquerda manteve em mente uma noção básica do que se espera de comportamento no século XXI e conseguiu ficar dentro dessas linhas. Foi um espetáculo de demagogia a posse do Lula? Foi. Mas foi só imagem agradável para o povão. Felicidade, superação, gente colorida, gente deficiente, teve até animal de estimação!

A esquerda se vendeu como felicidade. A direita se vendeu como vandalismo e terror poucos dias depois. E eu atribuo isso diretamente à diferença entre ignorância e burrice. Explico: os dois lados têm pensadores de alto nível capazes de montar boas imagens para divulgar suas ideologias. A esquerda tem a maioria dos ignorantes que seguem o script dos seus líderes, a direita tem a maioria dos burros que jogam contra a causa.

Adianta organizar a esquerda para passar a mensagem desejada, não adianta organizar a direita para fazer o mesmo. O ignorante fica feliz em saber o que fazer, o burro quer tomar decisões mesmo sem ter capacidade. Os ignorantes choraram de felicidade ao ver um dos maiores corruptos da história da humanidade voltar ao poder, os burros explodiram a imagem da direita com uma demonstração horrível no domingo passado.

A direita tem menos ignorantes, porque é natural que pessoas com um pouco mais de acesso a educação e informação subam um degrau além da ignorância. O conservador é quem quer conservar alguma coisa, e para conservar, você precisa ter. Eu enxergo um “degrau armadilha” logo após a ignorância completa: você consegue ver mais coisas, mas ainda não está treinado para diferenciar o razoável do insano.

A pessoa sabe o suficiente para não ficar contente com a volta do Lula, mas não o suficiente para rejeitar a ideia estúpida de que ele vai implementar o comunismo. É uma armadilha entre o desconhecimento total e o começo da compreensão da realidade política. O bolsonarista médio fala de conspirações terríveis, o lulista médio fala de ter comida na mesa. Os dois lados tem seus problemas, mas percebem que é a direita que vai ter a maior dificuldade de apresentar uma ideia coerente?

Cada “patriota” depredando os prédios dos três poderes em Brasília tinha uma explicação complexa dentro da cabeça para estar fazendo o que estava fazendo. Provavelmente complexa demais para o grau de treinamento que tinham com pensamento crítico em geral. Não me surpreende que tantos estejam em choque por terem sido presos, até porque muitos se filmaram fazendo aquilo, extremamente orgulhosos! Está clara a dissociação entre pensamento e realidade. Quem consegue pensar num complô para instaurar o comunismo no Brasil conseguiria perceber a repercussão negativa de vandalizar a sede do poder brasileiro, não? Deveria ser óbvio, mas não foi.

Como a esquerda tem mais ignorantes nos seus ranques, a liderança intelectual consegue guiar melhor suas ações. É claro que qualquer pessoa inteligente perceberia o erro de agir como agiram no domingo, as cabeças pensantes da direita jamais sugeririam isso. Mas como eles têm a maioria dos burros, pessoas um passo acima da ignorância, mas um abaixo de conectar os pontos entre as informações que recebe, não conseguem agir de forma organizada. Burro é um perigo, ele sempre acha que sabe o que fazer. Não fica esperando ordem externa como o ignorante.

Não significa que nem burros nem ignorantes sejam pessoas ruins, significa que ambos têm seus problemas, e eles acumulam em grandes grupos. O ignorante vai se vender por uma picanha e uma cerveja imaginárias seguidas vezes, o burro vai tomar decisões terríveis como ir fazer cocô no gabinete do Alexandre de Moraes e filmar orgulhoso.

O ignorante atrapalha o país no longo prazo, o burro no curto. O curioso é que o Brasil já tem algum mecanismo de fazer o ignorante “evoluir” para burro com a internet, mas ainda estamos com problemas sérios de dar o próximo passo. Ter uma maioria de burros é um avanço, mas não pode parar por aí. Vide EUA: é um povo menos ignorante que o brasileiro, mas é de uma burrice espetacular, tanto que os burros daqui copiam e colam tudo o que vem de lá.

E não, isso não quer dizer que ignorância é de esquerda e burrice de direita, é só como as coisas se assentaram aqui no Brasil de 2023. A burrice da esquerda pode ser vista claramente no movimento lacrador, colocando sentimentos à frente da ciência quando lhes convém. Uma parte da direita é composta de evangélicos absolutamente ignorantes, querendo ser conservadores mesmo morando na favela e apanhando da polícia. Não existe monopólio ideológico desses estados de desenvolvimento intelectual, as coisas acontecem de forma orgânica.

A minha teoria é que o número de burros vai continuar aumentando. Se você conseguir se distanciar dos problemas momentâneos, pode até começar a enxergar como algo positivo no longo prazo, assim como eu acho, mas é claro que isso vai ter seu custo. E vai depender muito de que ferramentas pudermos oferecer para o burro dar o próximo passo. Pode continuar de direita ou de esquerda, desde que sofistique um pouco sua visão de mundo. Educação é essencial, paciência mais ainda.

Meu medo é que líderes dos dois lados achem mais interessante regredir as pessoas para a ignorância do que lidar com os problemas da burrice. Infelizmente é uma receita de sucesso histórica: ditadores adoram queimar livros. Conhecimento aprofundado é um perigo para quem tem um projeto de poder. Talvez nossa sorte seja a incapacidade da direita de se organizar, isso garante que pelo menos uma parte da população nunca seja incentivada a dar um passo para trás e voltar a ser massa de manobra ideal. Os patriotas burros feito uma porta parecem um desastre agora, mas quem sabe isso não seja necessário para continuar avançando?

Espero que sim. Acho absurdo que a direita tenha agido como agiu, mas espero que não sejam esmagados completamente. O mundo não rende muito quando os líderes estão confortáveis…

Para dizer que não sabe mais pra lado vai, para dizer que nunca melhora, ou mesmo para dizer que nem sabem o que é comunismo: somir@desfavor.com

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Comments (14)

  • Mas confirmaram que a pessoa e Bolsonarista? Porque cagar e mijar na rua e a cara da Exxxquerda, lembram do Golden Shower na Paulista?

  • Essa foto da postagem, do cara cagando agachado coberto por uma bandeira do Brasil, certamente estará nos livros escolares de História daqui a alguns anos, como uma imagem icônica que representa, sem tirar nem pôr, estes tempos loucos que estamos vivendo. Tipo aquela do estudante correndo da polícia durante a ditadura e que virou um dos símbolos daquela época:

    https://s2.glbimg.com/N7M2mfxIuR8EK3OOpV-vC2mApV0=/0x0:1624×1142/984×0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2018/r/M/vMADAwS52BjKdQ4mAL5A/34219640-sc-rio-de-janeiro-rj-13-01-2014-movimento-estudantil-1968-foto-de-evandro-teixeira-que-esta.jpg

    Incrível que um país onde tantos absurdos se sucedem há décadas ainda não tenha implodido…

    • Imaginem a cara de espanto das crianças do futuro ao darem de cara com essa imagem em seus livros de História. E imaginem também o constrangimento de um professor tentando explicar isso em sala de aula…

  • Acho difícil encaixar na sua argumentação a tara da esquerda com acesso ao ensino superior, mesmo antes de se conseguir universalizar o acesso à creche por exemplo. A esquerda tem a ideia que a academia ajuda a esquerda, por expor contradições brasileiras que a direita necessariamente precisa ignorar para pregar Estado mínimo, por exemplo. De resto a ideia é interessante. Eu particularmente visualizo o bolsonarismo (que é absolutamente diferente de direitismo) como um pacto de medíocres. A turma do fundão da escola, os gays enrustidos, enfim… gente que viu um espaço “nobre” para vazão de ressentimentos. Ainda estou a procura de outras explicações. Já a esquerda brasileira, é a esquerda clássica mesmo. Ela não é muito diferente de outras ao redor do mundo, talvez por isso tenha mais facilidade de absorver ideias que deram certo politicamente, embora seja sem dúvida um case de sucesso eleitoral no último ciclo. O feito do Lula de sair da cadeia e ser eleito na eleição majoritária seguinte, com o desastre da última gestão do PT é absurdo. Sem o Lula, talvez o Brasil tenha uma chance, em alguns anos de caminhar para o centro. O próprio vice dele é meu quadro favorito, em quem votei no primeiro turno de 2018.

    • A tara pelo ensino superior é para fins doutrinários.

      Aliás, cria-se uma cultura de desvalorização do trabalhador “desqualificado” e ao mesmo tempo, satura-se o mercado com tantos diplomas de forma que o mercado não consiga absorver, logo, mais pessoas aceitando trabalhar por uma coxinha e votando em qualquer promessa de esmola.

      E, é claro, que boa parte desses graduados acha que ensino superior = dignidade, logo, se sentem intocáveis em sua própria bolha achando de que se livraram das limitações dos pobres mortais, ou seja, se tornam ignorantes ao acharem de que nada pode lhes acontecer porque “estudaram”. Logo, serve para separar a população definindo os burros dos esclarecidos, que há um inferior e um cidadão modelo.

      • Mas a habilidade real não é o que conta para empresas? Da última vez que conferi, “dipromas” não estão interligados a ela. No contexto do território brasileiro, claro.

  • No fim das contas, a própria política virou o “pão e circo”, entretenimento pra distrair do importante na vida. Que ironia…

  • Nem sei por que você e a Sally ainda se dão o trabalho de manter um blog brasileiro, considerando a média, pelo menos 20% desse povo deve ter o QI equivalente a retardo mental. Este país é um laboratório disgênico.

    Respeito a persistência.

  • O burro tem energia. O que ele não tem de conhecimento, tem de energia, e vai extravasar como sentir que deve. É tipo fogo, vai causar destruição, agora do quê para ser chamado de prejuízo ou sobrevivência, outros quinhentos.

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