Trump again.

SALLY

Trump está em alta e tudo indica que se não acontecer nenhum fato extraordinário, ele vai se eleger. A mídia e muitas pessoas estão presas no looping “não pode ser que esse cara esteja de volta”. Nós temos outra preocupação, que é parte do Desfavor da Semana: não pode ser que as pessoas ainda não tenham entendido como o mundo funciona.

O tio do “Ei, Você”, que pergunta se dá para se enforcar com papel higiênico, eu entendo que não consiga antever como as coisas vão se desdobrar. Mas estamos falando de especialistas em política, jornalistas experientes, marketeiros com décadas de experiência em campanha. Essas pessoas estão surpresas que o povo esteja desesperado para votar no Trump.

Mas quem poderia imaginar que colocar um idoso visivelmente senil, que para no meio do discurso sem saber onde está, que não consegue subir uma escada sem cair, que caga nas calças em público, que só pensa em lacrar e não resolve os problemas reais do povão repeliria as intenções de voto, não é mesmo?

Tiveram quatro anos para construir outra figura que inspire liderança e confiança e não o fizeram. O que vai acontecer? O Trump vai voltar com força. Tiveram quatro anos para tentar conciliar os diferentes segmentos da sociedade e não o fizeram, continuaram lacrando. O que vai acontecer? O Trump vai voltar com força. Tiveram quarto anos para fazer qualquer coisa minimamente diferente que atraia o eleitorado e não o fizeram. O que vai acontecer? O Trump vai voltar com força.

Francamente, não era nem um pouco difícil de prever. Quando política (principalmente política internacional) é retratada em livros, filmes e seriados, é sempre um emaranhado de estratégias, reviravoltas e situação imprevisíveis. Na vida real o que se vê é gente burra e tosca persistindo no erro.

O Trump voltar não me surpreende, não me preocupa e nem sequer me aborrece. O que realmente me preocupa é: esses são os melhores profissionais que o mundo tem? Gente que não conseguiu fazer o que precisava ser feito para o Trump não voltar? Gente que não percebeu que era preciso tomar algumas medidas para que isso não aconteça? Que merda, hein? Quando os ditos melhores são burros nesse nível a gente percebe que é cada um por si e provavelmente rumamos para a extinção.

Salvo que exista um acordo costurado para o Trump voltar, o que não parece ser o caso, como se explica que nenhum dos envolvidos tenha feito as mudanças necessárias para que isso não aconteça? Que não tenham sequer previsto que isso iria acontecer? Será que finalmente a cegueira que a bolha da pessoa causa chegou ao patamar profissional?

Se sim, isso preocupa em larga escala, pois outros profissionais de outras áreas podem ou já estão passando pelo mesmo. Profissionais que impactam diretamente nossas vidas, como professores e médicos podem estar ficando completamente cegos e burros pela imersão em uma bolha de pensamento. E isso é muito preocupante, muito mais preocupante do que o Trump voltar.

Se a possibilidade desse fato preocupa, preocupa ainda mais ninguém estar olhando para isso, entendendo ou ao menos curioso para saber por qual motivo os melhores profissionais do mundo não fizeram o óbvio e impediram a volta do Trump. Ninguém está falando sobre isso. Ninguém está questionando essa inércia que abriu uma avenida para o tio laranja voltar. E, pelo visto, ninguém está achando isso anormal.

E o Brasil, que é basicamente um delay dos EUA, tende a seguir o mesmo caminho. Tudo que acontece nos EUA acaba acontecendo um pouco depois no Brasil. Vamos comparar?

Idoso que faz vergonha e finge defender os fracos e oprimidos. Check. Discurso lacrador sendo enfiado goela abaixo de uma maioria de populares que está cagando para isso. Check. Ex-presidente que quase se elegeu, só perdeu (por pouco) por ter falado bosta na pandemia. Check. Ex-presidente que foi considerado inelegível e depois reverteu a situação, servindo como contraponto para o lacrador que está no poder. Check.

Se você não está preocupado que o Bolsonaro volte (ou coisa igual, ou coisa pior), então você é parte das pessoas que estão cegas por imersão em suas bolhas. Dificilmente Lula vá se eleger novamente e é bem provável que o brasileiro queira voltar em algo o mais diferente dele possível. Os indícios estão aí, mas por algum motivo, ninguém dá bola. O PT não está preparando um sucessor para o Lula, assim como os democratas não prepararam um sucessor para o Biden.

Pior do que o Trump voltar é perceber que existe uma chance de que as pessoas estejam perdendo o discernimento e um mínimo de capacidade de previsão e que todo o resto não esteja percebendo ou não esteja incomodado com isso. Sério mesmo, o que caralhos está acontecendo? No mínimo, a gente podia começar a olhar para isso e conversar a respeito, não?

É, parece que não. Tá todo mundo com cara de Pikachu Surpreso. Como ficaram com cara de Pikachu Surpreso quando o Milei ganhou e como vão ficar com cara de Pikachu Surpreso quando o próximo presidente brasileiro for eleito. É preocupante, de verdade. Não conseguir antever minimamente o futuro chega a ser um risco para a sobrevivência do ser humano como espécie.

O espaço está aí, o gap está visível, a lacuna está pronta para ser preenchida: ninguém aguenta mais esquerdista lacrador e ninguém está muito feliz em votar na direita conservadora. Essa é a hora. Esse é o momento propício para surgir algo novo. E nem precisa ser bom, pode ser até um maluco com cabelo de algodão doce que fala com seu cachorro morto que o povo vota.

Alguém por favor dê um passo à frente e preencha essa lacuna? Ou ao menos nos ajudem a entender o que diabos está acontecendo, por qual motivo os supostos melhores profissionais não conseguem ver o que dois blogueiros idiotas estão apontando há anos…

Para dizer que lamenta pela Ucrânia (eu também), para dizer que comemora pensando no Hamas (eu também) ou ainda para dizer que deixa quieto e a gente discute isso depois que o Lula não se eleger novamente: comente.

SOMIR

Entre centro-esquerda e centro-direita, eu prefiro centro-esquerda. Pessoas mais inteligentes tendem a ficar um pouco mais para a esquerda e mesmo não sendo perfeitos, eu prefiro sempre mais Q.I. nos meus governantes. Agora, quando você começa a sair do centro e ir para as extremidades, é quando eu vejo a inteligência média desabar em populismo autoritário e só vejo problemas para a sociedade.

Sério, deveria ser simples assim: evite que pessoas muito burras tenham posições de poder e a humanidade vai ser virando para continuar evoluindo. Não precisa ser genial, até porque gênios são meio problemáticos, só precisa ter noção básica de ciência e direitos humanos.

Então, de um ponto de vista puramente estratégico, eu prefiro o meu mundo mais próximo dos ideais dos democratas do que dos republicanos. É mais factível controlar os excessos de lacradores do que de fanáticos religiosos. Trump é o político americano mais divertido de todos os tempos, é impossível não achar nenhuma graça na ideia de ele ganhar não só uma como duas vezes, mas racionalmente é uma má ideia deixá-lo voltar.

Dito isso, a volta dele deveria ser um tapa na cara de quem passou basicamente a última década dando chilique contra a suposta extrema-direita (vulgo “todo mundo que eu não gosto”), a prova cabal de que tem algo muito errado na estratégia que a esquerda está utilizando para combater o surto de popularidade de líderes mais alinhados com a visão oposta das coisas.

Infelizmente não vai ser. Não vão aprender nada porque estão com uma overdose de ideologia fritando os neurônios. Lacração deve ser viciante, porque eles não conseguem parar nem quando está obviamente fazendo mal para a causa. Se descobrirem que dar chiliques constantes chamando todo mundo de transfóbico aumenta a quantidade de atos violentos contra transexuais, vão continuar fazendo mate quem matar. É tipo viciado em crack, não vai ter argumento que funcione, só vão continuar em busca da próxima dose até destruir tudo o que tem.

E tem uma lição tão simples para aprender aqui… Trump leva vantagem sobre Biden nas pesquisas porque ele parece um homem mais forte que Biden. Ele é grande, parece mais inteiro, mais agressivo. A idade, apesar de próxima entre os dois, pesa muito mais na imagem de Biden. Trump parece um homem forte, Biden parece um velho senil. A esquerda americana está tão drogada com a ideia de que fragilidade é algo a se celebrar que não consegue olhar para essa questão extremamente óbvia: as pessoas têm medo de confiar seu futuro em alguém que parece que não vai dar conta do recado.

Obama passou por cima da concorrência mesmo com todos os preconceitos sobre sua cor de pele porque o povo acreditava que ele era um homem forte para guiar a nação. Hillary perdeu porque tinha carisma negativo e porque apesar de estarmos na segunda década do segundo milênio da história moderna, as pessoas ainda enxergam homens como seres mais fortes e estáveis do que mulheres.

Existem pesquisas demonstrando que homens mais altos tendem a estar desproporcionalmente representados em posições de poder. O cérebro do chimpanzé é assustadoramente parecido com o do ser humano, nós, macacos pelados, ainda temos um instinto de escolher o macho mais forte para liderar, porque desde tempos imemoriais isso passa uma sensação de segurança maior. Pode ser contra esse instinto, claro, só não pode ignorar a realidade. Talvez a mudança social dessas últimas décadas gere algum resultado nesse instinto em algumas gerações, mas ainda não é hora de contar com isso.

Ainda estamos na fase da nossa história onde é mais provável que o povão se sinta confiante em um homem que aparenta ser forte do que em qualquer outro tipo de pessoa. Quando a ideologia ignora a realidade, a realidade ignora a ideologia de volta. O povo não está no estado mental necessário para enxergar uma mulher negra deficiente da mesma forma que um homem branco que pareça fisicamente imponente, mesmo que seja numa tarefa puramente intelectual. Podemos fazer melhor do que essa macaquice, eventualmente vamos fazer melhor que essa macaquice, mas não é agora.

Levando isso em consideração, se você quer realmente ter poder e usá-lo para melhorar o mundo, é importante conhecer o seu público e trabalhar com ele como ele é, não como você acha que ele deveria ser. E se você for realista, Trump leva vantagem por não parecer que vai desmontar com a primeira brisa mais forte. No Brasil não precisamos projetar tanta força, tanto que já tivemos uma mulher presidente (e mesmo assim, Dilma com seu jeitão de tia brava da merenda tinha muito mais força que a Marina Silva, por exemplo), mas por lá? Quem ainda se enxerga como nação mais poderosa e líder de tudo quer um gorilão dos mais bravos para tomar conta do bando.

Eu até argumento que a volta do fascismo de líder machão imbroxável é resultado direto da glorificação da fragilidade executada pela esquerda nas últimas décadas. Se não tivessem corrido tão desesperadamente para o lado oposto do instinto de preservação humano em busca de uma ideologia de igualdade forçada, talvez tivessem conseguido manter a ideia de centro-esquerda viável o suficiente para evitar o começo da era da polarização.

Biden com sua imagem caquética é resultado direto da esquerda deixando de enxergar o óbvio. O “truque” de usar um homem branco mais velho não resolve se o cerne da questão não for resolvido. Uma mulher negra com pose de forte teria mais chance porque ela pelo menos demonstraria que o partido democrata não tinha esse pacto doentio com a fragilidade. Sim, é complicado enfrentar o carisma de Trump, mas isso é de toda disputa política, carisma não se manufatura, ele está no candidato ou não está.

Aí é questão de saber escolher ou pelo menos prestar atenção no público para perceber quem funciona melhor nesse sentido. O desfavor da volta do Trump não é exatamente perder o governo ideal dos democratas, porque na maioria dos pontos é a mesma coisa com bandeirinhas de arco-íris para fingir que é a favor dos direitos humanos; mas sim como eles parecem que vão perder o poder: por continuar ignorando a realidade de que seu candidato parece fraco e que o povo leva isso muito em consideração.

É a ideologia travando decisões que deveriam ser bom-senso básico. E cada dia que passa ficamos mais longe de escrever centro ao lado de esquerda e direita. Se o Lula começar a parecer fraco nos próximos anos, tenham certeza de que Bolsonaro ou um poste dele vão assumir de volta o poder.

E nesse meio tempo, a direita vai continuar renovando seus quadros com gente que parece mais forte. E a esquerda vai continuar com cara de quem não entende o que está acontecendo…

Para dizer que só quer ver o circo pegar fogo, para dizer que teme pela Ucrânia ou mesmo para dizer que o segredo é continuar fazendo a coisa errada até ela funcionar por mágica: comente.

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