15 minutos de fama.

A frase creditada ao artista Andy Warhol é a seguinte: “No futuro, todos serão mundialmente famosos por 15 minutos”. Os tais dos 15 minutos de fama já se tornaram um dito popular, mas as pessoas se concentram demais na parte da fama, e não no que eu acho mais impactante sobre o nosso futuro: os 15 minutos.

É natural que o foco sempre seja em pensar como é essa fama, o sentimento que ela traz, se um dia vai acontecer com a gente; somos seres sociais e é claro que nossa imaginação vai direto nessa parte. Com a popularização da internet, fama se tornou uma profissão, o influencer não precisa nem saber fazer alguma coisa específica ou ser especialmente atraente como pessoa, ser famoso e ter uma audiência basta.

Essa é a parte da fama. Já falamos muito sobre isso, e com certeza falaremos novamente: todo dia alguma pessoa aleatória é alçada à fama sem que entendamos o motivo. Ultimamente, acabam eleitos e viram parte do nosso cenário político.

Mas já parou para pensar como vamos lidar com uma máquina tão poderosa de criar fama como a internet? Somos 8 bilhões, e eu apostaria que a maioria gosta da ideia de alcançar fama, até porque costuma vir com dinheiro e outras benesses. Mesmo que o ser humano médio não seja o típico narcisista/psicopata que topa tudo para aparecer, ainda temos uma quantidade enorme de pessoas disputando os holofotes.

Eu acredito que nem arranhamos ainda a complexidade da parte dos “15 minutos”, e como ela é a parte mais importante da frase. Fama é uma relação desigual: só é famoso quem é conhecido por muito mais gente que conhece. Os 15 minutos exigem uma plateia, mesmo que só por 15 minutos. Um famoso, milhares ou milhões de pessoas dando atenção.

Quanto mais famosos, menos a conta fecha. Perdão pela frase de biscoito da sorte, mas ela é relevante: se todo mundo é famoso, ninguém é famoso. Fama exige desigualdade de atenção. E atenção é um recurso limitado, as pessoas precisam tomar decisões sobre quem vai receber sua parcela. Mesmo que um fã possa ter cem ídolos diferentes, falta tempo no dia para valorizar cada um deles.

No final das contas, talvez aquelas análises de quantas pessoas com as quais conseguimos manter relações seja o limite prático de quanto alguém consegue alimentar a fama alheia. Você tem espaço para umas 10 ou 20 relações razoáveis na sua vida, e ser fã de alguém ocupa pelo menos um desses espaços.

“Ok, Somir, nem todo mundo pode ser famoso… e daí?”

E daí que fomos moldados pela mídia para acreditar nisso. Faz parte do sonho capitalista/americano que é parte integrante da cultura ocidental e que através da internet, se espalhou por diversos outros povos que antes estavam isolados dessa lavagem cerebral. Se você parar para pensar, pode até achar que é óbvio que nem todo mundo pode ser famoso e que não tem espaço para isso, mas será que é assim que seu inconsciente funciona? Será que essa obviedade vale para você também?

A mídia moderna, altamente influenciada pelas redes sociais, empurra a ideia de que você pode ter seu lugar ao Sol. Na verdade, a mídia moderna depende dessa esperança do cidadão médio: se milhões de pessoas não estiverem animadas para pegar uma câmera e começar a produzir conteúdo, as redes sociais e até mesmo boa parte da mídia tradicional fica sem material para prender atenção e cobrar dos anunciantes por ela.

A rede social custa caro para manter, e quem paga são as empresas que querem fazer propaganda nelas. Seria impossível produzir conteúdo relevante para bilhões de pessoas sem um exército incansável de produtores sem salário. E tem muito mais o que se pensar nesses casos do que apenas oferecer a plataforma para novos influencers: você tem que manter as pessoas motivadas a trabalhar para você.

São dominós: se a Claudiane não quiser fazer review de maquiagem, a Deusiane não vai passar cinco minutos a mais no feed de vídeos e as marcas que anunciam para elas não vão querer pagar as contas da rede social. Se o primeiro dominó cair, o sistema todo cai.

Por isso, a mídia moderna trabalha pesadamente com a ideia dos 15 minutos. Pode parecer pouco intuitivo, mas influencer populares por muitos anos não são positivos para as plataformas. As pessoas, por mais sem noção que sejam, percebem quando um mercado está saturado. Se para entrar no setor de produção de conteúdo você tiver que disputar com vinte perfis e/ou canais muito ricos, começa a dar aquela sensação da mídia antiga de que não vale a pena tentar.

Mesmo se o governo tirasse todas as restrições sobre ter canais de televisão para o cidadão normal, o que se pode esperar na hora de competir com Globo, Record, SBT? Eles tem bilhões para gastar e todo o know-how de como manter a coisa funcionando de forma minimamente lucrativa. A Rede TV! que não me deixa mentir: quase nunca sai do zero em audiência.

É muito difícil vencer barreiras de entrada quando seu mercado está ocupado por gente muito rica e experiente. E mesmo quando algo dá errado num desses líderes de mercado, normalmente são parentes e amigos de quem já estava lá que ocupam o espaço vazio.

Mas na internet é diferente, né? Todo dia surge alguém novo com uma quantidade assustadora de seguidores, ocupando espaço de perfis e canais que começam a definhar. Isso só acontece porque o plano é não deixar mais do que uma minoria de influencers famosos de forma perene. Para que todo mundo tenha fama, é importante reforçar a parte dos 15 minutos.

E como as gigantes de tecnologia fazem isso? Algoritmos. Ninguém está seguro porque o algoritmo é planejado para isso. O melhor jeito de manter a atenção do usuário da rede social e ao mesmo tempo garantir que todo mundo acredite que sua vez da fama vai chegar é inflar e desinflar artificialmente o alcance de produtores de conteúdo. Não precisa que um ser humano decida quem vai subir ou cair, o computador analisa padrões e vai fazendo experimentos: ele começa a indicar o conteúdo de pessoas aleatórias e vai anotando qual o grau de interesse que eles geram.

Toda vez que acha alguma coisa que parece ser popular, ele dá uma força, exibe para mais gente ainda e começa a bola de neve da fama. Mas, é claro, atenção não é infinita. O sistema precisa eliminar os elos mais fracos para colocar seu novo “queridinho” em destaque. Como o algoritmo não tem como definir o que é conteúdo de qualidade ou não, não importa muito se você fez um material excelente ou tosco, vai ser impulsionado ou suprimido de acordo com algumas tendências de cliques e visualizações.

Às vezes criadores de conteúdo perdem relevância numa bola de neve inversa, o algoritmo treinado para não deixar sempre as mesmas caras aparecendo. Eu nem estou fazendo juízo de valor aqui: se o modelo de negócios exige um suprimento infindável de criadores de conteúdo, você tem que manter pessoas novas nas redes sociais incentivadas a começar.

Se influencers durassem 20, 30 anos como celebridades costumavam durar na TV e no cinema, já teríamos batido numa parede de criação de conteúdo. Sem contar que o nível de produção já teria subido para muito além das capacidades de alguém com um celular na mão e uma ideia na cabeça. E seria meio inevitável aumentar a duração dos materiais, porque depois de um tempo você gasta o conteúdo básico e precisa começar a imaginar coisas mais complexas para exibir.

Do jeito que estamos, conteúdos toscos de 1 minutos extremamente repetitivos funcionam bem, porque as expectativas das pessoas estão ajustadas para essa fila interminável de famosos de 15 minutos. As plataformas estão felizes enquanto o usuário médio estiver hipnotizado pelo feed.

“Quer dizer que tudo é irrelevante e a vida não tem sentido?”

Sim. Mas isso você já deveria saber faz tempo. Eu escrevo este texto por causa do texto de ontem da Sally: não para tirar seu incentivo, mas para te dizer que a diferença entre 15 minutos de fama e ter um público de verdade é grande. Bombar na internet é algo planejado pelo mercado de mídia e não é feito para durar. Está integrado ao sistema te consumir e cuspir a tempo da próxima vítima.

O que faz diferença no longo prazo é ter público real. E público real é uma construção completamente diferente de fama. O energético do influencer tem 15 minutos de fama, a Coca-Cola tem um público real. Um é para lucros rápidos, outro é uma empresa. Públicos reais são aqueles nos quais as pessoas vão te buscar ao invés de esperarem algum algoritmo te colocar no caminho delas.

E qualidade e adequação fazem sentido aqui. Porque agora você está disputando um espaço nas relações da vida da pessoa, não seus 15 minutos de atenção entregues pelos seus líderes tecnológicos. Aí é uma relação mesmo, onde suas ações são importantes, onde o seu esforço é reconhecido pelo outro. Mesmo que não tenhamos fins lucrativos aqui, somos um case de sucesso de entrar na vida de milhares de pessoas, fincar as garras e entrar na rotina delas. É uma relação até mesmo com a famosa maioria silenciosa, os milhares que estão todos os dias aqui e nunca comentaram.

Porque ter público real é diferente. Não é parte do projeto do “parque de diversões da fama”, onde as pessoas entram para dar uma volta. Não é um modelo lucrativo para a forma como a internet moderna funciona. Por isso não vai ser divulgado, por isso vão te falar que sucesso é ter um milhão de curtidas e ter crise de pânico na hora de pensar no que mais fazer para continuar tendo essas curtidas.

O sistema funciona consumindo criadores de conteúdo, e nenhum deles pode ficar no topo por muito tempo, senão as métricas de atenção podem mudar e destruir o modelo comercial das redes sociais. Fama de 15 minutos pode render um dinheiro bom, mas não é o único caminho. Bombar não é única medida de sucesso da mesma forma que ficar rico não é única medida de sucesso. Não tem que viralizar, não tem que nada que você não sinta vontade verdadeira de ter que fazer.

Se você quer produzir conteúdo, só se lembre que o algoritmo não é seu amigo. Muito pelo contrário, ele quer te derrubar na primeira chance. No final do dia, é o seu público real que faz as coisas valerem a pena, o seu público real é composto de gente que não depende do algoritmo.

O prêmio é a fama, o custo são os 15 minutos. Vale a pena?

Para dizer que ficou desmotivado(a), para dizer que se a gente fosse bom teria rede social, ou mesmo para dizer que sentiu comunismo na minha fala: comente.

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