DESFCON – Dúvidas.
Nesta última semana, os russos usaram um míssil de longo alcance contra os ucranianos. Um que poderia estar carregado com bombas atômicas, embora não estivesse. Isso foi uma escalada do conflito por parte de Putin em resposta à liberação do uso de mísseis de longo alcance de fabricação da OTAN no território deles. Isso muda o nível do DesfCon? Vamos pensar juntos…
Trocar o grau de risco de 3 para 2 é sério. No 3 estamos pensando num conflito que tem potencial para se espalhar ao ponto de impactar o mundo todo; no 2 isso já aconteceu. Embora a invasão russa na Ucrânia tenha alguns impactos que giram ao redor do globo e envolva mais países que só os dois vizinhos, ainda não é o suficiente para mudar sua vida cotidiana num país como o Brasil, por exemplo. O 1 fica reservado para depois do uso de armas nucleares.
Putin dá sinalizações que nunca estivemos tão próximos da Terceira Guerra Mundial, mas… de uns anos para cá, é meio que o lance dele. A mídia controlada pelo governo russo toca o terror explicando para o povo como os russos destruiriam e Europa em questão de horas, os russos revisaram sua política de uso de armas nucleares, e sempre que pode, o presidente/ditador deixa no ar que podem usar armas nucleares.
Podemos acreditar em Putin ou podemos analisar a situação por outro ângulo: faz mais sentido que ele já tenha começado as negociações para o fim do conflito. Com a vitória de Trump, começou um timer mental para os dois lados do conflito: o empate atual é resultado direto dos EUA bancarem os ucranianos, e se esse suporte ianque for reduzido ou mesmo cortado de vez, a situação se resolve numa quase certa derrota de Zelensky e cia.
O ucraniano já se esforçou para puxar o saco de Trump, o russo já entendeu que existe uma grande oportunidade no horizonte: se o laranjão não tiver um de seus arroubos imprevisíveis, a tendência é que force a Ucrânia a aceitar as perdas territoriais e negociar a paz com os russos. Então, quanto mais os russos conseguirem tomar de território e desmoralizar o povo ucraniano até janeiro do ano que vem, melhor sua posição para negociar.
Eu imagino que o território ocupado atualmente vá ficar todo para a Rússia, mas se o exército de Putin conseguir pegar mais área ucraniana até lá, e mantiver o povo local esgotado o suficiente para forçar Zelensky a ceder (ou ser deposto) na hora da negociação, podem simplesmente “devolver” as partes que nem queriam mesmo, convencendo os dois neurônios de Trump que eles também cederam.
O velho golpe de cobrar o dobro do que queria para dar 50% de desconto. Black Friday versão russa. Biden pode estar gagá, mas não o suficiente para não perceber o que Putin quer. O velhinho provavelmente leu toda a estratégia de Putin desde o começo da guerra e estava tentando cansar o exército russo para não dar uma vitória tão maiúscula para Putin.
Para o bem e para o mal, Trump não é Biden. Agora o fim da guerra parece próximo: o falastrão e egocêntrico presidente eleito americano já fez muita festa em cima da ideia de que terminaria a guerra rapidamente, e isso deve acontecer de uma forma ou de outra. Ou Zelensky negocia perdendo território, ou é abandonado contra os russos.
Por isso que eu não estou pensando em trocar o nível do DesfCon, a tendência não é de escalada mundial da guerra, e sim de resolução. Na vida real, o lado que consideramos mais correto não tem obrigação de ganhar. Muitas guerras são resolvidas assim, e o mundo faz vistas grossas porque depois de um tempo, começa a não ter mais apelo a ideia de defender os fracos e oprimidos.
Em muitos momentos da Segunda Guerra Mundial, países e líderes começaram a considerar quão ruim seria deixar os nazistas soltos, mesmo sabendo das suas atrocidades. O povão demorou um pouco para saber o que estavam fazendo com os judeus, mas as autoridades tinham dados desde o começo. E mesmo assim, precisou de muita propaganda americana e inglesa (além de ameaças e subornos) para unir o mundo contra o Eixo.
É totalmente realista a ideia de que o resto do mundo aceite que um país massacre o outro, tanto que acontece em todos os cantos do mundo sem grandes repercussões. A verdade é que é complicado ajudar a Ucrânia. Custa caro, é uma batalha morro acima contra um adversário muito poderoso com bombas atômicas… o mundo cansou dessa guerra, e as pessoas com o dinheiro já perceberam isso.
Então, eu acho pouco provável que a guerra escale muito além do que já escalou. Salvo alguma informação desconhecida sobre o grau de desespero de Putin, não existe vantagem tática atual em usar armas nucleares. E se eles não usarem, não tem ninguém do outro lado animado para isso. Nem mesmo Trump, por mais louco que pareça.
O que deve acontecer é mais uma rodada de ataques entre os dois países para definir o ponto inicial das negociações a partir da posse de Trump. O que já podemos ver a partir das primeiras nomeações do ex e futuro presidente americano é que eu falei cedo demais sobre a estabilidade no Oriente Médio: ele nomeou gente que acha bacana começar uma guerra contra o Irã. Mas na questão russa? Duvido que exista vontade. Ucrânia não tem petróleo, e os americanos vão poder ganhar dinheiro reconstruindo do mesmo jeito com ou sem o território tomado pelos russos.
Então, sim, a Rússia usou uma arma que nunca tinha sido usado em guerras até hoje, um míssil intercontinental que poderia estar carregado de ogivas nucleares. Mas não foi isso que explodiu em solo ucraniano. Me parece mais uma prova de força para avisar os ucranianos sobre tentarem retomar território antes da negociação do que qualquer outra coisa.
Biden liberou o uso de mísseis de longo alcance de fabricação americana no território russo como um dedo do meio final para Putin. Isso tem mais cara de uma situação prestes a acabar do que algo que vai escalar para a tal da Terceira Guerra Mundial. A Ucrânia não é estado membro da OTAN, ninguém é obrigado a proteger. Quem estiver pensando de forma fria pode calcular que logo logo Putin morre e a Rússia começa outra fase. Que faz mais sentido esperar e deixar na mão o povo ucraniano do que arriscar algo que ponha em risco a população dos países que já mandam no mundo.
Se o sistema russo desandar para uma democracia falha ao invés de uma ditadura, não demora muito para negociar territórios e quem sabe até desmontar o país em pedaços menores. A China, sempre muy amiga, sabe que existe esse potencial futuro, e adoraria pegar umas coisinhas dos russos nas próximas décadas. O jogo de longo prazo é esperar essa era de poder de Putin acabar de velhice ou doença mesmo.
Países podem esperar por décadas, séculos até. Pessoas passam. Nunca tivemos guerra nuclear porque nunca foi vantajoso, e continua não sendo. Tem um lado meu mais Coringa que quer ver o mundo pegar fogo com Trump tretando com Putin, mas é complicado apostar contra a situação mais confortável.
Então, por pura comodidade, decidi não subir o nível do DesfCon. Não sei o que vocês estão lendo por aí, mas das minhas fontes nada sugere que a coisa vai se desenrolar diferente de uma derrota ucraniana por W.O. americano.
Para dizer que é uma análise chata (é a minha alma), para dizer que torce pela bomba, ou mesmo para dizer que eu fiz a mesma previsão antes da invasão russa: comente.
Anônimo
Não seria do interesse chinês que a guerra na Ucrânia continue? Os chineses teriam receio de que os russos olhariam para algumas regiões da China?
Torpe
Atrapalha as relações comerciais pelo foco na região. Gastam menos com os chineses pra gastar com a indústria bélica.
Isso considerando que ninguém fala nada sobre o apoio chinês à Rússia em outros pontos.
Somir
Putin tem a parte mais frágil do território nas bordas com a China. Se ele der um motivo que seja para os chineses relembrarem dos muitos conflitos históricos sobre áreas próximas da China, ele perde a parte da Rússia que garante o futuro da nação. Tem o Baikal com seus infinitos litros de água doce cristalina logo perto dos chineses, e a Sibéria tem tudo para ser a área mais fértil do mundo em alguns séculos. Não é estratégico mexer com a China. E a China está bem com ou sem guerra na Ucrânia.
Torpe
Por necessidades econômicas, Putin já está negociando vender uma parte significativa (e o acesso ao rio, assim como a expansão) pra China. A China não precisa atacar, a Rússia já está toda fodida e vendendo por conta própria.
UABO
É mais prudente pro Putin só resolver um problema que ele já tem do que acabar arranjando dois…
Torpe
Considerando o que o Macron está empurrando (querer tornar inelegível sua principal opositora por ela suportamente ser… pois é) e países como Alemanha tentando fazer o mesmo, talvez.
Aquilo da França até agora não me desceu.