
Tom desafinado.
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Em meio a toda confusão sobre o Pix que fez com que o governo fosse engolido vivo pela oposição com suporte do povão, o Banco Central me solta um dos vídeo mais sem noção possíveis.
Faaaaala meus amantes de teoria da conspiração e caçadores de tarifa em serviço de pagamento gratuito! BC Sincero na área para aliviar o coraçãozinho de quem desceu pro BC com a cabecinha cheia de fake news sobre cobrança de taxa no Pix e fim do sigilo bancário das suas finanças. pic.twitter.com/VkslXo3XSP
— Banco Central BR (@BancoCentralBR) January 15, 2025
Tempo de leitura: o tempo de ver o vídeo.
Resumo da B.A.: o autor demonstra preferência pela linguagem fascista da direita, pregando o fim da comunicação da esquerda para que bilionários consigam controlar as mentes das pessoas com mais facilidade.
Evidente que a reação foi péssima. As pessoas, inclusive gente ideologicamente ou “subornadamente” a favor do governo petista, não perdoaram a falha. Não só não alcançou seu objetivo como ainda piorou a já ferida imagem do governo. Eu gostaria de aproveitar a oportunidade para falar sobre tom. Não o musical, mas o de comunicação.
Tom é uma personalidade da sua expressão. Um palhaço fala diferente de um médico, um técnico em informática diferente de um vendedor. Vai desde o volume da voz até as palavras escolhidas. Os temas abordados, a preocupação com a reação do outro, todos detalhes que somados criam uma impressão sobre quem está se comunicando.
Em tese, uma pessoa adulta já deve saber quase que instintivamente como trabalhar seu tom em cada situação. Normalmente é relacionado com o que se espera da pessoa no seu comportamento em geral: você não só age de forma mais solene num funeral, como também fala coisas que combinem com o ambiente.
Quando você trabalha com comunicação profissional, o tom é ainda mais importante: ele costuma ter que passar sua intenção sozinho. Uma empresa ou órgão público não tem um rosto para mostrar emoções. A construção da sua mensagem tem que passar o tom. E se você errar a mão na escolha dos temas, imagens e palavras… essa é toda a imagem que você vai passar.
O caso da conta do Banco Central me chamou atenção porque atravessou a rua para escorregar na casca de banana: a ideia era informar o povo sobre um assunto, e por mais que não tenha nada de errado na mensagem em si, porque de fato lida com o tema, o tom escolhido foi um tiro no pé espetacular.
O clima no país era de irritação. A oposição trabalhou direito e ecoou o sentimento do cidadão que temia ter seu dinheiro roubado pelo governo. Era uma clara situação de quebra de confiança (merecida) com as instituições governamentais. Não havia clima para esse tom na comunicação de uma entidade como o Banco Central. É o médico chegando na sala de espera e contando uma piada para a família esperando para saber se o filho sobreviveu ao acidente.
Além dessa questão mais óbvia de entender o clima do ambiente, ainda tem algo que eu sempre tento explicar para os meus clientes: mesmo que o seu tom possa mudar de acordo com o clima, ele sempre deve estar subordinado à imagem esperada daquela empresa. Empresa que lida com questões de vida ou morte nunca pode parecer distraída ou relaxada.
Quer fazer uma meme na sua empresa de tanques de oxigênio? Faça, mas que seja uma brincadeira de “gente séria”, ou uma piada nerd, ou trocadilho não-pornográfico de tiozão. Porque no seu pacote de imagem de empresa que lida com coisas que podem literalmente matar pessoas, tem que ter um tom que mostre uma personalidade de pessoa que não é muito familiarizada com piadas. É mais seguro ter alguém técnico e entediante cuidando de coisas que dependem de atenção e detalhismo.
Então, vamos para o segundo nível de bizarrice desse vídeo do Banco Central: não é essa a “pessoa” que esperamos que cuide de dinheiro. Aí entram aquelas questões de “nutricionista gorda” da vida. Você tem que sentir alguma firmeza na pessoa que se candidata a prestar um serviço para você. Se chegar um baixinho franzino te dizendo que é segurança, você vai torcer o nariz.
O tom, como dito antes, é basicamente a única forma de demonstrar uma personalidade em comunicação profissional de empresas e entidades governamentais. Você tem que parecer a pessoa certa para o trabalho na forma como se expressa. Mesmo em climas menos hostis, já seria fora de tom o Banco Central ter essa pegada “memes”. Pode até passar batido quando está tudo bem, mas vai mexendo com a imagem mental das pessoas. E eu argumento que numa direção ruim.
Eu não quero meu banco debochado e antenado com os jovens, eu quero que ele não perca o meu dinheiro. Não tem benefício real numa imagem descontraída, tanto que os bancos que usam profissionais de comunicação raramente saem do tom corporativo padrão. Até o humor deles é uns dez níveis abaixo de um perfil normal de pessoa física. Porque eles são medrosos e não querem confusão, mas também porque se gastarem milhões para fazer um banco parecer engraçadinho de verdade em todas suas comunicações, o que diabos o banco ganhou com essa imagem?
E isso me faz voltar no tema do que configura comunicação moderna. O pessoal que fez esse vídeo com certeza acha que é meme. Não é meme. O formato funcionou tão bem porque ele é econômico em tempo: as imagens já vem com 90% da ideia pronta, você só a usa no contexto do momento e está entregue a comunicação. A linguagem das memes não é popular porque é a forma ideal, é popular porque é a forma mais barata de se comunicar.
A meme fala muito com pouco. E as pessoas gostam porque elas podem reagir muito rápido, mantendo o fluxo de comunicação tão insano quanto quiserem. O vídeo em questão demora dois anos e meio para falar uma coisa só. Ele usa memes para alongar a duração! Deve ter demorado para fazer, porque é falso tosco: quem conhece sobre edição de vídeo sabe que dá muito mais trabalho do que parece.
O erro fundamental, pelo menos do que eu consigo presumir, é que pediram para fazer esse vídeo uns 5 dias atrás, e alguém foi lá e se esforçou para simular todos os pontos da “cultura online” num vídeo que deve ter demorado para ser produzido. Comunicação digital é comunicação rápida. Se você demora 3 dias para entregar um vídeo sobre o assunto do momento, ele chega 3 meses atrasado na dilatação temporal que as redes sociais criam. Não era para ter feito esse tipo de conteúdo descontraído para começo de conversa, mas isso serve para todo mundo que quer se comunicar na internet: não existe isso de “falar do assunto amanhã”. Amanhã já é outro clima.
Ou você consegue fazer um vídeo em poucas horas e jogar na internet no meio da fervura, ou você aceita que não vai mais pegar o tema do jeito que queria. É por isso que faz dois textos que eu falo sobre entender que não é sobre meme, é sobre velocidade. Se você se comunica sempre, está sempre no tema e no clima; agora, se você quer entrar de paraquedas lacrando, faça questão de estar do mesmo lado que a maioria.
O vídeo do Banco Central é uma aula de como se comunicar errado, não necessariamente pelo vídeo, mas por soltar ele no contexto errado sem entender o que faz com que alguns vídeos alcancem centenas de milhões de visualizações e outros virem motivo de vergonha. A Sally estava falando comigo que deu aquele efeito “mãe”, de pessoa mais idosa usando meme sem entender. Eu diria que vai mais longe, porque quando é sua mãe você pelo menos acredita que era uma vontade sincera de brincar, e se não for um adolescente chato, acha até graça; mas quando é uma empresa e uma entidade pública, a presunção é sempre muito pior. De manipulação, de insensibilidade, de desinteresse pelo povo…
E eu nem imagino que fizeram isso para sacanear o povo, foi falta de noção sobre o que é a internet. Erro de tom, de momento e de contexto. Por sorte o governo fez tanta bagunça que esse vídeo vai ser esquecido rapidamente, mas nesse pequeno momento histórico, podemos aprender muito sobre como se comunicar e no mínimo não jogar contra sua imagem.
Para somar com todos os erros da peça, usaram o “meme” forçado da música sobre Balneário Camboriú no dia que a cidade ficou debaixo d’água.
Sim, a enxurrada desceu para BC.
Imagem que me veio á cabeça lendo o texto e vendo o vídeo:
https://townsquare.media/site/442/files/2021/10/attachment-buscemi-fellow-kids.jpg?w=980&q=75
Nada mais patético que tiozões parados no tempo tentando falar à maneira dos “xófens”, e falhando miseravelmente….