Direita comunista.

Nos últimos dias vimos a esquerda defender livre comércio e a direita protecionismo. Pessoas combatendo o autoritarismo de Trump elogiando a China e pessoas defendendo o presidente republicando dizendo que o mercado de ações não é tão importante assim…

Continuando minha análise recente, o americano médio votou nisso. Trump falava de tarifas o tempo todo, talvez o povo não entendesse as implicações reais dessa estratégia, mas continuamos com o ponto forte dessa tal de extrema-direita moderna: eles se elegem prometendo coisas que tem toda a intenção de cumprir. Estão aí as tarifas e todas suas consequências.

E continuando a análise recente da Sally, reservo-me o direito de não saber bem o que vai acontecer nos próximos meses ou anos, pelo menos no contexto da economia global. São muitos interesses interconectados, e ninguém vai ficar parado esperando. Esse tipo de sistema é dinâmico.

O que me chama atenção agora são os vários exemplos recentes de defensores do Trump dizendo que Wall Street não é tão importante assim, que dinheiro não é tudo, que tudo bem aguentar umas dificuldades financeiras… seria cômico se não fosse trágico. Especialmente porque estamos falando de várias pessoas ricas que estão fazendo pouco do medo de quem está perdendo o pouco que tem. Nos EUA, o mercado de ações está conectado com basicamente todos os investimentos e fundos do cidadão médio. A aposentadoria deles depende disso.

E é aqui que eu quero reforçar uma ideia da qual falo há muito tempo: o perigo de achar que existe um “lado político certo”. Esquerda, direita, é tudo muito mais volúvel do que as certezas ideológicas cuspidas por aí. Hoje é o Partido Comunista Chinês que está tentando proteger o sistema capitalista moderno, e o capitalista selvagem Trump tentando fazer com seu país se torne mais autossuficiente para ter mais controle, como sempre fizeram as ditaduras comunistas (antes da China moderna).

Na vida real as coisas se misturam, e se você não estiver preso nessa dualidade de esquerda e direita, percebe que nem contraditório é. Partindo do princípio que governantes precisam de sustentação para ter poder, todos os caminhos políticos começam a convergir. A ditadura do proletariado e os oligopólios capitalistas são funções de controle e manutenção de suporte para poder.

Tudo bem preferir uma coisa ou outra, mas sem se enganar sobre diferenças fundamentais. Poder e recursos acumulam, e isso aconteceu basicamente toda vez que juntamos mais que algumas dezenas de pessoas num mesmo local. Onde isso vai acumular até pode variar com o tempo, mas que vai, vai. Acaba com capitalistas vivendo como reis às custas dos pobres ou acaba com comunistas vivendo como reis às custas dos pobres.

O que eu gostaria que ficasse mais claro para as pessoas nesse momento de guerra tarifária e cavalos-de-pau na suposta ideologia de defensores de esquerda e direita é que o seu interesse é tão bom quanto as pessoas que compartilham dele. Esses interesses compartilhados e/ou convergentes usam máscaras de direita ou esquerda de acordo com a conveniência. Toda a ideia de ter representantes no poder não é exatamente a mesma coisa que ter alguém que pensa como você no poder, é alguém que você acha que vai agir de forma benéfica.

Não elegeram a direita nos EUA, elegeram o Trump. E o Trump não substituiu a esquerda, substituiu o Biden. Do jeito que a coisa anda, eu nem me arrisco mais a dizer que esses presidentes representam alguma coisa sobre seus partidos, porque as mesmas coisas que eram inaceitáveis no governo passado são positivas agora, e vice-versa.

Tudo isso é para dizer que esquerda e direita acabam sendo esconderijos para intenções muito pessoais. Fala que está num dos lados, mas na prática não age de acordo com a teoria. Muito da crítica que faço à polarização tem relação com a cortina de fumaça ideológica de gente correndo atrás dos próprios interesses.

Ficou claríssimo agora. A grande divisão dos últimos séculos nada mais que uma ilusão de propósito. Não que devamos ignorar todas as ideias relacionadas com esses lados, mas vê-las como ideias e nada mais. O que se convencionou chamar de esquerda funciona em alguns lugares, o que se convencionou chamar de direita funciona em outros. E ideias que não pareçam alinhadas com esses lados não precisam ser tratadas como um meio termo, elas também são ideias descoladas desses lados inventados.

Está tudo no mesmo grupo de planos para funcionarmos em sociedade e alcançar algum equilíbrio, por mais tênue que seja, que evite que vivamos uns matando os outros. Se a direita está defendendo tarifas e criticando o choro dos investidores, se a esquerda está falando de livre mercado e tomando as dores dos capitalistas… por que a gente vai ficar se prendendo a um lado ou outro? Amanhã muda tudo de novo.

Políticos malucos com Trump tem esse efeito utilitário: nos fazem revisar crenças. Eu mesmo estou largando de ser centrista, porque até mesmo centrismo é algo que existe em relação a esquerda ou direita. Eu quero liberdade e paz, de preferência nessa ordem. Se os outros querem ficar se definindo por bandeiras, azar deles. É que nem ser ateu, de uma certa forma: é meio besta que exista uma palavra para definir quem não acredita em deuses se você é uma pessoa que não acredita em deuses.

Ateu só existe porque quem organiza as religiões acha útil definir o grupo que não segue uma delas mais ou menos como uma religião à parte. Fica parecendo que é equivalente, quando nada poderia ser mais distante da realidade. Ser de centro tem essa manipulação sutil de ser nomeado: como se os dois lados fossem inevitáveis, como se fosse uma escolha consciente escapar dos dois. Eu não sou politicamente de centro, eu só não consigo enxergar nada quando olho para os lados. Está tudo aqui, ao nosso redor, girando e se reposicionando o tempo todo.

Quem achou que estava no caminho da direita ultracapitalista com o Trump agora está confuso tentando entender para onde está indo com uma tática de ditaduras comunistas. E nessa confusão, dizendo coisas fantásticas como “perder dinheiro é normal”. É isso que acontece quando a crença se sobrepõe à realidade, você começa a ficar perdido com a relação entre o que pensa e o que faz. Se não quiser/puder ser ateu com deuses, experimenta ser com esquerda e direita. Vai te deixar menos confuso nessa história toda.