Skip to main content

Colunas

Arquivos

Lucro diverso.

Lucro diverso.

| Somir | | 6 comentários em Lucro diverso.

Com a vitória de Trump e os decretos imediatos para cortar todo tipo de iniciativa de diversidade e inclusão com verbas federais, o pêndulo do mundo corporativo virou rapidamente. Mal podiam esperar, por motivos essencialmente econômicos: se as grandes empresas podem abrir mão de qualquer custo que mexa nos lucros dos acionistas, elas vão fazer. E qualquer movimento deste pêndulo vai acabar sendo baseado no dinheiro. Então, eu me pergunto: tem como ter diversidade, inclusão e lucros?

Para pensar nisso, temos que voltar no tempo e considerar dois momentos interessantes de cruzamento de interesses econômicos e humanitários. A abolição da escravidão e os direitos trabalhistas. Em ambos os casos, você pode olhar para o lado de justiça social: não era tolerável que seres humanos fossem tratados como propriedade e não era tolerável que o trabalhador estivesse totalmente à mercê de seu empregador.

Mas ao mesmo tempo, podemos olhar para o lado financeiro: quando você começa a escalar sua produção e seus concorrentes também, você precisa de mais consumidores. É oferta e demanda. Havia um interesse genuíno em criar uma classe consumidora tanto nos escravos oficiais quanto nos não-oficiais do começo da Revolução Industrial.

Era melhor para quem já tinha dinheiro e poder que esses oprimidos melhorassem de vida. Não estou tirando o valor de quem lutou puramente pela causa humanitária nesses dois casos, mas estou sim dizendo que talvez tenham mirado numa coisa e acertado em outra: ao fazer o explorador pensar sobre o explorado, provavelmente colocaram na cabeça deles a ideia de que havia muito mais dinheiro para se ganhar libertando aqueles miseráveis.

Quando eu penso nas políticas de inclusão e diversidade atuais, eu percebo algo muito parecido. Existe um potencial capitalista aí. Sim, novamente tem o ângulo humanitário de que algumas combinações de características inatas como cor de pele e sexo ainda estão muito atrasadas da divisão da riqueza sem precedentes que produzimos hoje. Evidente que é injusto nascer com menos chances. Acho que precisa ser bem sociopata para não sentir isso.

Agora, como a história já nos ensinou, sem uma contrapartida econômica, fica muito difícil gerar mudanças consideráveis no funcionamento da sociedade. Precisa de incentivo. Por isso, a pergunta cuja resposta vai realmente iniciar a próxima revolução social é: como fazer dinheiro aumentando a igualdade no mundo?

Políticas sociais baseadas em cotas, por exemplo, podem ter suas motivações nobres. Pessoas que nasceram em desvantagem por causa da exploração de seus antepassados não merecem ter menos oportunidades. Ok, mas como isso gera riqueza para a sociedade? Se você tira a vaga de uma pessoa para entregar para outra, pode até estar corrigindo uma injustiça histórica, mas é soma zero. Tira de um, dá para outro.

É muito por isso que não existe interesse verdadeiro de empresas e governos de implementar políticas de diversidade e igualdade: precisam ser forçadas, porque na prática estão apenas mudando os recursos de lugar. E se um sistema já funciona de forma lucrativa, é bem complicado exigir que ele gaste mais dinheiro para manter a mesma receita. Diversidade sem plano de desenvolvimento econômico drena lucros. As empresas que aproveitaram a brecha de Trump para derrubar seus projetos estavam apenas rearrumando suas finanças. Não precisava mais gastar com isso, não vão gastar.

Executivos de grandes fundos investidores como a Black Rock dizem sem nenhuma vergonha que o único jeito de fazer empresas levarem a sério iniciativas de diversidade e inclusão é ameaçar tirar o investimento. E como eu não tenho a minhoca comedora de cérebros da direita, eu não trato isso como um plano maligno de dominação global. As pessoas que tinham esse poder resolveram forçar essa ideia, que em última instância ainda tem sim a ver com justiça social.

Mas como eu não tenho a minhoca comedora de cérebros da esquerda, eu não consigo ignorar que parece incompatível com o funcionamento da sociedade humana. Reforço negativo: não é que você vai se beneficiar de mais diversidade, é que você vai ser punido se não agir da forma desejada por quem tem dinheiro e poder. Tem todo aquele ranço de “guerra pela paz”. Opressão em nome de proteger oprimidos.

Eu não sei se isso já funcionou na história. Por curtos períodos de tempo claro que sim, seja para o que você acha bom ou ruim, sempre tivemos ditadores e monarcas que conseguem forçar um povo a agir de forma específica; mas não são coisas muito duradouras. A mensagem não é fixada, porque ela não tinha o que fixar.

Tem um problema fundamental aqui, que é considerado ofensivo levantar: o que o cidadão ganha se o político for negro? Como o mercado gera mais riqueza se a empresa for dirigida por uma mulher? Nosso entretenimento com uma obra muda se o artista for gay? Isso vem de um ponto de vista muito mais igualitário do que parece: seres humanos são bem parecidos entre si, e por mais que perspectivas mudem, no final das contas o que importa é o resultado.

A mentalidade de inclusão forçada atende à questão de desigualdades ancestrais, mas não funciona sozinha como objetivo humano de prosperidade e sucesso. Transformar o escravo em cidadão (mesmo que abandonado pelo Estado) gerava um ganho imediato de poder de compra no mercado. Deixar o trabalhador descansar um dia que fosse girava a economia, porque ele tinha que olhar mais para casa e as pessoas da família.

Como fazer o fato de ter uma mulher negra ao invés de um homem branco numa posição de poder gerar esse tipo de vantagem econômica generalizada? O que eu consigo imaginar é um processo mais longo de reduzir desigualdade social, que sim, é positivo, mas exige um tipo de pensamento que não é tão comum assim no ser humano médio. As pessoas enxergam as coisas muito mais próximas de suas vidas.

Nos Estados Unidos aconteceu uma grande guerra civil entre os estados do Norte, abolicionistas, e os estados do Sul, onde se permitia escravidão. O Norte ganhou, mas não porque o bem vence o mal, adoraria que fosse assim. O Norte ganhou porque o modelo de escravidão, além de abjeto do ponto de vista ético, é extremamente ineficiente em comparação com o mercado de trabalho livre.

O Sul não tinha recursos para vencer a guerra. Escravidão era uma fraqueza. O modelo que calha de ser o correto também era mais eficiente para ter e manter um exército poderoso. Até hoje os americanos tratam o Sul como um lugar mais atrasado e fraco. E eu argumento que o fracasso do modelo funciona como reforço amoral da mentalidade abolicionista.

Se você está esperando uma resposta sobre o problema de não achar motivação fria para mais diversidade e inclusão no mundo, não conte comigo. Eu quero achar essa resposta, eu acho que mesmo que vá sobrar para um homem branco hetero, a soma de um mundo mais igualitário compensa. Perde privilégios, mas o mundo fica mais previsível e seguro em troca.

E eu não tenho essa resposta porque eu realmente não consigo enxergar vantagem direta em políticas identitárias. A gente sabia o que ganhava com outras revoluções, e mesmo quem ficasse teimando contra os tempos acabava atropelado por quem soube enxergar a vantagem. A resposta se impõe. E não parece que ela está entre nós.

Eu realmente acho que viramos na rua errada no caminho da Justiça Social, e isso está ficando mais e mais claro para as pessoas. O problema, como sempre, é achar que o objetivo que estava errado. O objetivo é ótimo até financeiramente. Classes médias maiores fazem economias nadarem de braçada, os países mais ricos do mundo hoje fizeram exatamente isso: aumentaram a renda e a liberdade da maioria, incentivando mercados maiores e sistemas mais avançados.

A questão é que nesses casos dos países que já estão ricos, a solução para reduzir desigualdade era óbvia e fácil de manter: porque só gerava mais riqueza. Você sabe como gerar mais riqueza trocando sexo e cor de quem já está no poder? Porque tentaram por alguns anos e assim que ficou minimamente fácil parar, pararam. Não tem jeito de ser o caminho.

E sim, eu sou suspeito, porque eu já disse várias vezes que o caminho da próxima revolução é Renda Básica Universal, a continuação (pelo menos para mim) óbvia de abolir escravidão e criar direitos trabalhistas. Lembrando que esses dois passos anteriores também foram tratados como impossíveis e estúpidos porque “não ia ter dinheiro para fazer”.

Só que fizeram. Os que conseguiram primeiro fizeram a classe média aumentar imensamente e agora eles mandam no mundo. Diversidade e inclusão são bem mais fáceis quando as pessoas não estão “escravizadas”.

Comentários (6)

Deixe um comentário para Anônimo Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.