Ricas e feias.
| Sally | Flertando com o desastre | 12 comentários em Ricas e feias.
Um pensamento louco: chegará um dia em que mulheres pobres acabarão sendo mais bonitas do que mulheres ricas. E esse dia talvez não esteja tão distante assim.
A gente sempre escutou falar que não existe mulher feia, existe mulher pobre – e durante muito tempo isso foi verdade. Porém, em uma sociedade na qual as pessoas estão com sérios problemas de saúde mental, dar recursos ilimitados pode acabar sendo um tiro no pé.
Tem uma curva crescente de beleza que o dinheiro pode comprar. A beleza paga começou lá na década de 70 e chegou no auge lá por 2020. De 2020 em diante, eu tenho a impressão de que a curva está descendente, ou seja, as mulheres com mais dinheiro estão, gradativamente, deixando de ser as mais bonitas.
O motivo, como vocês podem imaginar, são os excessos de procedimentos que fazem. Quando você tem dinheiro suficiente para fazer todos os procedimentos que quiser, a única coisa que te para é o seu bom-senso. E bom-senso, querido leitor, está em falta.
A pessoa muito preocupada com sua estética, que coloca muita importância nesse quesito, acaba fatalmente adquirindo uma cegueira sobre si mesma, sempre quer mais, sempre acha que está pouco. E não é uma crítica específica a ninguém, acontece com todos nós, mesmo com os reles mortais pobres.
Dois exemplos que vocês talvez entendam. Para os homens: todo mundo já sentiu ou já viu um homem que treina pesado, está com um corpo legal, mas acha que tem pouco músculo e que mais, quer sempre mais, não importa quanto músculo ganhe. Se deixar, ele vai ficar enorme, deformado, gigante e… insatisfeito. Só que tem um limite de até onde a musculatura humana pode crescer, então, ele será travado pela própria mãe natureza.
Para as mulheres, o exemplo clássico é o cabelo. Todo mundo já passou por isso ou já viu isso: você faz mechinhas mais claras no cabelo para mudar um pouco, para iluminar o rosto. Talvez até saia do salão achando que está muito claro. O tempo passa e a pessoa começa a querer mais. Mais mechas, mais claras. Ela vai desbotando o próprio cabelo até ficar quase toda loira e ainda assim, quer mas. Só que tem um limite até onde o cabelo humano aguenta isso, então, ela será parada pela quebra química.
Todos nós tendemos a ter uma cegueira em algum ponto da nossa aparência. E isso fica exacerbado por uma série de desfavores da vida moderna.
Tem o hábito de se ver com filtros de Instagram, que ressaltam os pontos fortes e atenuam os supostos defeitos. Os próprios cirurgiões plásticos afirmam que boa parte dos procedimentos que fazem são de pessoas querendo se parecem com suas imagens com filtros.
Não é preciso ser rico para começar a perder o aspecto humano. Um exemplo clássico e de grande alcance são os dentes, com uma cor bizarra, quase fluorescentes, em um branco que não é humano. Com clareamentos caseiros a pessoa consegue deixar o dente daquela cor horripilante de folha de papel ofício. Ninguém está imune, pode acontecer com todo mundo.
Porém com mulheres ricas acontece mais. Primeiro pelo acesso irrestrito a todos os procedimentos que o dinheiro te dá, que, por sinal, são enfiados na cabeça das mulheres como necessidade das mais diversas formas: capas de revista, publicidade ou apenas o desgosto de ver seu rosto envelhecer. É status fazer procedimentos. Tem inclusive esse discurso canalha de que isso é “autocuidado”, como se quem não fizesse não estivesse se cuidando.
Segundo porque mulheres sofrem sim mais pressão estética do que homens. Aos olhos da sociedade, mulheres envelhecem “pior”. Você tem exemplos de homens com muitos anos de idade, com cabelos brancos, com rugas aparentes que são considerados charmosos, atraentes. Mulher não. Dificilmente uma mulher com cabelo branco e rugas será considerada atraente.
Um combo desses com outros fatores que não vem ao caso esmiuçar torna as mulheres ricas praticamente hipnotizadas por procedimentos estéticos. Talvez um dia, depois de cometer muitos excessos, o ser humano encontre um ponto de equilíbrio, mas, neste momento, estamos na fase dos excessos. Basta ver o que aconteceu com o rosto da mulher do Jeff Bezos. O tio é um dos homens mais ricos do mundo e acabou ao lado do Fofão de batom. Quando não era tão rica era muito mais bonita.
Então, por estarmos nessa era dos excessos, só não vai cometer excessos quem tiver uma saúde mental muito boa (minoria) ou quem não puder (maioria), que, no caso, é a mulher pobre. E graças a uma privação, chegará o dia em que ela, apesar de todas as suas imperfeições e marcas do tempo, será mais atraente do que as tias plastificadas abastadas.
“Mas Sally, a sociedade e a publicidade não vão decretar que daqui para frente beleza é esse rosto plastificado?”. Provavelmente vão tentar, mas não acho que vão conseguir. Pessoas que mexem demais na aparência caem no chamado Vale da Estranheza (do inglês, Uncanny Valley), um mecanismo muito interessante que o Somir já explicou neste texto aqui.
Em resumo, nosso cérebro é programado para gostar e confiar em humanos. Podemos simpatizar por coisas que claramente não são humanas, porém, quanto mais perto se chega da aparência humana sem de fato alcançá-la, mais repulsa nosso cérebro sente. É como se ele gritasse “CUIDADO! IMPOSTOR”. E isso é uma construção de séculos, não serão décadas que vão desarmar esse mecanismo.
Pessoas com o rosto muito mexido cairão no Vale da Estranheza. O cérebro vai enxergar um ser humano defeituoso, doente, deformado, estranho… ou até uma ameaça, por não conseguir interpretar aquilo como exatamente um ser humano. Não é algo que se escolha sentir. Nem que possa ser facilmente revertido.
Esse problema ainda é uma pedra no sapato para big techs que estão desenvolvendo robôs humanoides: como fazer que eles não causem desconforto, receio, repulsa. Então, se é algo que as empresas mais ricas do mundo não conseguiram resolver, não será uma tia da alta sociedade que vai impor como um padrão de beleza, como algo bonito. Tem uma trava biológica fortíssima para não achar bonito.
Basicamente, a maior parte das mulheres ricas hoje nos desperta o mesmo misto de pena e estranheza que o Michael Jackson nos despertava em seus tempos de excessos de plásticas. Na bolha delas, essa aparência é bonita, é normal. Na dismorfia corporal gerada por filtro de redes sociais, é melhor isso do que parecer velha. Mas a verdade, meus queridos, é que contra uma trava biológica nenhuma bolha vence. No mundo real, elas são estranhamente feias.
Então, percebam que curioso, podemos chegar em um ponto no qual as únicas mulheres que não vão deformar seu rosto e seu corpo, são aquelas que não vão conseguir, as que não terão dinheiro para fazê-lo. Não é digno de cinco minutos de reflexão?
Depois, homem faz piada chamando mulher de cabeça fraca, de maluca, de desequilibrada, e as bonitas se ofendem. Vejam bem para onde nós, mulheres estamos caminhando. Percebam que apenas a total incapacidade de fazê-lo nos impede de deformar nossos rostos. Tá faltando saúde mental e prioridades aí.
Não tem como negar que é um fenômeno mundial, porém, também é inegável que dificilmente vemos a coisa na intensidade em que acontece nos EUA e no Brasil. Aí a situação está gritante. Provavelmente pela falta generalizada de conteúdo das pessoas: quando beleza é tudo que você tem a oferecer, deve bater um desespero bizarro quando ela se vai.
Mulheres deveriam parar e refletir um pouco no que estão se tornando. Gente com casa sem reboco comprando bebê reborn de dez mil reais, pessoas se operando até perder a forma humana, gente metendo agulhada na barriga todo mês para emagrecer desconsiderando os efeitos colaterais do uso continuado dessas canetinhas… Vejam bem o que vocês estão fazendo.
Uma coisa era abusar dos recursos na década de 90. O pior que poderia acontecer seria perder o nariz, como a Danielle Winitz ou ficar com cara de japonesa, como a Gloria Menezes. Agora os recursos são muito mais poderosos (e tendem a ficar cada vez mais). O abuso desses recursos vai dar merda. Já estão dando merda. Tem gente fazendo tanta plástica que não consegue mais fechar o olho para dormir, e não, não é piada.
Tem que saber envelhecer, com graça e dignidade. Tem que cultivar outros atrativos para oferecer que não sejam apenas a beleza física e jovialidade. E isso vale para vocês, jovens, com rosto cheio de colágeno também: comecem a cultivar atrativos alternativos hoje, pois é uma construção demorada e sua beleza assim como a sociedade a reconhece, vai embora em questão de anos.
Mães, ensinem suas filhas a ver valor em muitos outros atributos que não a beleza, mas não as transformem em hippies que não se importam com a aparência física, pois no mundo atual, aparência física importa.
O que quero dizer é que além de ensinar a cultivar beleza, tentem outras armas, outras ferramentas, para torná-las atraentes se um dia a beleza diminuir. Quem coloca todos os ovos em um cesto vai ficar desesperado para salvar esse cesto se um dia ele perecer. E esse cesto perece, meus amigos.
“Ain etarista”. Realista. No modelo de sociedade que vivemos hoje, certo ou errado, mulher que não exala mais juventude começa a ser considerada menos atraente. Quer brigar contra isso? Acho válido, te aplaudo. Mas, por hora, é assim que as coisas são. E não adianta preparar a suas filhas para como as coisas deveriam ser, é preciso prepará-las para como as coisas são.
Mulheres podem ter muitos mais atrativos além da beleza, mas é um esforço, uma construção, que nem todas fazem, pois na juventude a beleza feminina abre todas as portas. Tem que ter estratégia de saber que se hoje você tem um atributo que abre todas as portas, em breve ele vai passar e, quando ele passar, você já tem que ter outros atrativos construídos. Tem que ser uma mãe inteligente que ensine isso para uma filha desde cedo.
Mas que ensine sem demonizar beleza e vaidade. Bobagem isso de fazer escolher entre uma coisa ou outra. A mulher tem que se ensinada sobre os benefícios da vaidade, de se cuidar, se estar bonita… mas ciente de que essa ferramenta específica tem um prazo de validade e, desse ponto em diante, ela terá que priorizar outras. E que construir outras é um trabalho de décadas que não pode começar quando a beleza fraquejar. Essas outras atividades têm que estar muito bem consolidadas antes dos 40 anos.
É isso o que acontece como regra? Claro que não. No Brasil, o país de extremos e polaridades, ou a pessoa demoniza aparência física taxando de futilidade ou a mãe leva menina de 17 anos para fazer Botox. E o resultado de ambos os extremos é trágico, vide a crise de saúde mental que vemos diariamente. E isso é ruim até mesmo para quem não cai em extremos.
É cansativo viver entre extremos, pois nos obriga a constantemente remar contra a maré e lembrar que ambos os lados são disfuncionais. É exaustivo lutar diariamente para se manter em um patamar mínimo de normalidade sem ser sugado por um dos dois extremos. Mas, se você tem uma filha, você tem que fazer.
Protejam suas filhas de lavagem cerebral da mídia, da publicidade, de redes sociais, de padrões inalcançáveis, sem vilanizar a juventude e a vaidade. Quem sabe assim elas chegam ao final de suas vidas com um rosto que ainda lembre remotamente um ser humano.
Antigamente a gente dizia, posso ter uma sapateira cheia de sapatos e ainda assim uma estante cheia de livros.
Os sapatos foram trocados pelos procedimentos e grande maioria esqueceu dos livros.
Tenho um amigo cirurgião plástico, ele comenta que atende realmente as pacientes viciam nas plásticas. Iniciam com um silicone, uma lipo, o nariz, de repente a boca, e vão escalando. Fazem uma lipo, mas de repente acham um detalhe que aos olhos dele está perfeito, mas elas retornam para nova cirurgia. Para fins de manter a carreira e reputação, ele diz que quando percebe essa busca incessante por um perfeição que levara à deformidade, acaba recusando pacientes. Acabou ganhando muito respeito e admiração por tal postura. O bisturi não atua se ele perceber essa busca doentia da paciente pelo impossível.
Obs.: Acompanho o Desfavor basicamente de seu nascimento, quando eu contava com meus 19 anos, dá para fazer uma conta e perceber que passei dos 30. Sempre tive bochechas bem salientes, e as adorava, pois achava que me davam um ar de saúde. Esteticistas conhecidas me indicavam reduzi-las. Eu preferia minha cara de bolacha. Infelizmente, em face de uma doença, acabei emagrecendo muito e naturalmente elas foram embora. Como me sinto muito estranha e com a face magra demais, procurei por uma clínica para melhorar o aspecto. A recomendação: harmonização facial. Saí correndo. Não há nada que vale a pena modificar tanto seu corpo, o preço pode ser (e costuma ser) alto demais – e não me refiro ao valor do procedimento, e sim ao ar artificial ou possível deformidade que costumam ficar gritantes.
Eu não coloco meu rosto nas mãos de ninguém, se der errado, é para o resto da vida e irreparável.
Lendo esse texto lembrei da Donatella Versace…
Um horror. Uma mulher que deveria ser a cara da elegância, pela marca que ela representa, e tem cara de funkeira da terceira idade
Outro exemplo de pessoa que estragou a cara (e a carreira) com plásticas: Mickey Rourke. De galã sex symbol e sonho molhado de muita mulher nos anos 80, ele passou a ser uma monstruosidade ambulante decadente e que agora só consegue papel de vilão feioso…
Procurei por fotos dela no Google Imagens e até me assustei. Credo, que coisa horrível…
Bem bacana essa comparação que tu fez, Sally! Por aí se vê que dinheiro não é tudo, aquela frase clichê de sempre, mas… É aquela coisa: para além do dinheiro, ou da falta dele, precisa ter também aprendizado, informação de qualidade, pra daí a pessoa ter um mínimo de noção das coisas e não sair fazendo essas bizarrices estéticas por aí.
Já vi chovinistas dizendo por aí que “o homem envelhece e a mulher apodrece”. Pode uma coisa dessas?
Eu parei de ir a uma esteticista uns dois anos atrás porque ela disse que eu estava “muito bem conservada, nem parecia ter minha idade” sabendo que eu tinha 25 anos. O que ela queria, que eu estivesse me tornando o Princípe Phillip depois de ter saído da adolescência? Previ uma tentativa de empurrar um “botox preventivo” na próxima limpeza de pele. Extremo, não é? Ainda mais com esteticistas se me metendo em coisas que só médicos deveriam ser autorizados a fazer.
Conheço uma moça que tem um marido extremamente agressivo, já apontou arma pra cabeça dela duas vezes. Em 2022, ela me contou que estava juntando dinheiro e achei que era pra fugir dele. Era pra colocar silicone e fazer mais uma outra plástica, continua casada com ele. Ficou bonita, mas achei meio irresponsável da parte dela.
Eu acho legal quando a pessoa, principalmente quem ganha a vida com a aparência, é aberta sobre os procedimentos que faz. Tem gente que alcança um resultado natural mesmo depois do que eu consideraria exagerado em termos de tempo de recuperação e dinheiro gasto, mas é feio demais a pessoa se encher de procedimentos e dar uma de natural depois.
Eu fui na dentista fazer uma simples limpeza e ela me ofereceu não somente aquelas lentes escabrosas mas disse que eu me beneficiaria de uma demonização…..digo, harmonização facial. Complicado.
Mais um texto muito lúcido da Sally que nos deixa pasmos porque se fazia mesmo necessário escrevê-lo. E talvez essa maluquice de endinheiradas se submeterem a mais e mais plásticas tentando se parecer com suas versões de filtros de Instagram só acabe no dia em que os espelhos tiverem alguma tecnologia embutida que aplique esses mesmos filtros nas imagens que refletem à simples aproximação de suas proprietárias.
“chegará um dia em que mulheres pobres acabarão sendo mais bonitas do que mulheres ricas”
Não sei se a Sally conhece aquele meme da random cashier, mas é exatamente essa premissa.
São dois extremos, não é? Riqueza demais e pobreza demais enfeiam a pessoa.
Eu diria que se o brasileiro médio não fosse tão mal nutrido e estressado, seria muito mais bonito. Não concordo com teorias racistas que miscigenação = feiura, tem muitos exemplos provando o contrário…