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Armadilha Malthusiana

Armadilha Malthusiana

| Somir | | 2 comentários em Armadilha Malthusiana

A teoria malthusiana pregava que dado aumento suficiente da população, a nossa capacidade de produzir comida ficaria para trás, criando caos social. Ou seja, nossa prosperidade eventualmente levaria a uma armadilha. A teoria assustou gente por muitas décadas… até que percebemos um erro fundamental: prosperidade continuada reduz o crescimento populacional. A armadilha era outra.

Thomas Malthus, o responsável pela teoria, nasceu em 1776 na Inglaterra. Do seu ponto de vista histórico, não era uma má ideia. As pessoas realmente tinham muitos filhos, e o cidadão médio estava muito mais exposto a ficar sem comida do dia para a noite. A presunção era baseada na natureza, porque animais realmente se multiplicam até o colapso da fonte de alimento. É uma ferramenta de equilíbrio populacional que simplesmente funciona.

Agora parece óbvio que não é bem assim que funciona com humanos, mas tinha sua lógica. O lado feio dessa história é que a partir da teoria malthusiana, muita gente enxergou a necessidade de tratar os mais pobres como gado. E com uma preocupação nobre sobre sustentabilidade da espécie e da sociedade para proteger o pensamento. Precisávamos controlar o número de pobres numa sociedade porque eventualmente eles morreriam de forma horrível quando acabasse a comida.

E desde que essa ideia se popularizou, passamos quase dois séculos acreditando que havia algo realmente justo em tentativas de controle populacional. Precisávamos pensar na armadilha malthusiana e evitar excessos de pessoas pouco produtivas. E chame de pessoas pouco produtivas ou parasitas todos que você não gostar, porque o ser humano não perde uma chance de pintar de ouro seus preconceitos pessoais.

Hoje, em 2025, aposto que se você falar sobre a ideia da teoria malthusiana para a maioria das pessoas desse mundo, a tendência é concordarem. É intuitivo assim. Já é algo que ficou para trás na imensa maioria dos pesquisadores e especialistas nas áreas humanitárias, mas nunca deixou o imaginário popular. Até porque não precisou de Malthus para essa ideia surgir na nossa mente, ele só formalizou a teoria.

O primeiro ponto deste texto é falar sobre a teoria e porque é tão fácil acreditar nela. Se o seu pasto alimenta 100 vacas, colocar 200 vai fazer todas ficarem com fome. No segundo que você fica sabendo ou é relembrado sobre a teoria malthusiana, a tendência é que você concorde na hora. Faz sentido.

O segundo ponto é falar sobre como estamos vendo na prática que a armadilha não era essa, não com seres humanos. O aumento da população humana funciona de forma diferente, porque conseguimos aumentar nossa produtividade por pessoa. O gado no pasto costuma manter sua média de consumo e retorno geração por geração, o ser humano consegue retornar cada vez mais pelo consumo a cada avanço geracional. Isso vale para o norueguês rico e para o indiano pobre.

Então, mesmo que nossa população dobre a cada cinquenta anos, se a nossa produtividade for duas vezes e meia maior nesse mesmo tempo, ainda estamos no positivo com espaço para mais gente. E do começo da Era Industrial até agora, nossa produtividade está ganhando de goleada do nosso aumento populacional. Malthus não previu (e provavelmente nem tinha como prever) esse salto espetacular de retorno sobre investimento do ser humano em tão pouco tempo.

O que aconteceu ainda mais fora da previsão foi que populações que aumentaram sua produtividade começaram a se reproduzir menos. Não importa o país: aumenta qualidade de vida, as pessoas começam a ter menos filhos. Aumenta a educação, esse valor fica ainda menor. Depois que taxas de natalidade começaram a desabar em todos os países ricos e logo depois naqueles considerados em desenvolvimento, ficou óbvio.

A produtividade do pobre era o filho. É assim que se gera valor na sua vida quando outras fontes estão limitadas. Aumenta a sua família para gerar mais poder e capacidade de geração de recursos. E faz ainda mais considerando a terrível taxa de perda de crianças em locais subdesenvolvidos.

Um aparte: sempre quando você vê que a expectativa de vida no passado era de 30 ou 40 anos, é importante lembrar que esses números são baseados em mortalidade infantil altíssima. Quem chegava à vida adulta vivia bem mais que isso, nunca faltou velho da humanidade, é que da média das pessoas que nasciam, 1 chegava aos 60 para cada 10 que morriam antes dos 5. Isso que joga a média para baixo: mortalidade infantil.

O aumento de qualidade de vida primeiro impacta a quantidade de crianças que sobrevivem, tirando o incentivo dos pais de ficar adicionando mais e mais pessoas na família. E considerando o quanto o ser humano atual é produtivo, uma pessoa a mais na família hoje já entrega valor suficiente para compensar umas três ou quatro de séculos anteriores.

A armadilha então é outra: você aumenta tanto o valor produzido por cada ser humano que precisamos de menos para chegar nos mesmos resultados. Mas se tivermos menos, a demanda por produtividade cai. Sim, eu sei que parece absurdo falar de pouca gente num mundo com mais de 8 bilhões previsto para bater 10 em poucas décadas, mas mesmo os países mais populosos já estão chegando ou passando da fase de crescimento.

Imaginamos um mundo de dezenas de bilhões pedindo por mais e mais eficiência para gerar mais e bilhões. Esse mundo não faz sentido. Não porque os recursos vão acabar, porque estamos vendo na prática como a sociedade não se importa de verdade em conservação ambiental, mas porque estamos chegando num auge de produtividade também.

Cada um de nós poderia entregar mais no trabalho, é claro, mas me parece que não estamos precisando tanto assim. Tenha em vista como uma das profissões mais desejadas por jovens é ser influencer. Existe algo maior por trás da profusão de profissões que pouco produzem na vida prática: redução de demanda. Vai começar devagar, porque o grupo elevado de idosos ainda vai consumir bastante, mas eventualmente o número de pessoas diminui, e com IA e automatização comendo soltas, a produtividade por cabeça vai subir de novo.

E aí a armadilha malthusiana reversa: se continuarmos tão produtivos, o valor do grupo humano diminui. Você simplesmente precisa de menos pessoas para fazerem as mesmas coisas. Eu argumento que estamos tendo menos filhos também porque filhos valem mais individualmente. Você vai fazendo as mesmas coisas com menos gente, e com menos gente você não precisa mais fazer tantas coisas… um ciclo que pode se repetir seguidas vezes até a própria ideia de economia de escala começar a ruir.

Muitas das coisas das quais gostamos ou mesmo dependemos só funciona por causa de uma demanda imensa. Produzir em escala baixa preços e coloca diversos produtos e serviços dentro do poder aquisitivo do cidadão. Se existe um equilíbrio entre número de pessoas consumindo e o custo desses produtos, uma humanidade que encolhe e se sente menos pressionada por produtividade pode quebrar todos eles.

E se você começou a pensar na “preguiça” do zoomer como um sintoma dessa armadilha, somos dois. É bem possível que mesmo que inconscientemente, a profusão de influencers e diversos outros empregos menos presos numa realidade produtiva já estejam mostrando um mundo que depende menos do trabalho deles. Especialmente em sociedades mais bem resolvidas como as de países ricos e médios (como o Brasil).

Menos emprego em fábrica e em fazenda mexe com a percepção das pessoas sobre a urgência da sua contribuição para a sociedade. Se estamos entrando na armadilha de resolver tanto a questão dos recursos para o cidadão médio (temos comida para o mundo todo não passar fome, os problemas são logísticos e sociopolíticos, não de produção) que ele mesmo deixa de se importar com escassez.

E aí, o ímpeto de gerar valor com esforço e com filhos fica menor. Eu sei que pode parecer uma visão reducionista fazendo as forças de mercado definirem tudo, mas eu estou falando sobre algo que está no fundo da mente de todo mundo que não está literalmente passando fome. Em poucas décadas, a oferta cresceu tanto que não tem como não se sentir um pouco perdido sobre o que fazer dessa vida. Parece que já tem gente em todos os lugares que pensamos da economia, que o mercado está resolvido.

Essa ideia de estarmos acima da linha necessária de produtividade pode não ser bem articulada pela maioria das pessoas, mas eu acho que ela é sentida. De alguma forma, as pessoas sabem que podem produzir muito mais que em qualquer outra era da nossa história, mas que ao mesmo tempo sua contribuição individual é menos importante.

Ao invés de um colapso baseado em excesso de gente disputando os mesmos recursos, temos um excesso de recursos que não consegue ser utilizado por essa gente. Igualdade ajudaria muito nessa parte, tem recursos demais presos na mão de pouca gente. Mas isso é óbvio, todo país que premia esforço com recursos tende a se dar muito bem. O que não é óbvio é que podemos estar vendo gerações sabotarem a produtividade mundial por pura necessidade de propósito.

Porque para escapar da armadilha malthusiana, o ser humano produziu muito mais recursos do que produziu pessoas. Mas ao escapar dela, o recurso humano se desvalorizou. Em tese, bastaria ser meio incompetente por um tempo para deixar a população voltar a nos pressionar, mas o movimento de trabalhar menos (produzindo muito) e ter menos filhos já está acontecendo, e de forma irreversível em vários países. Menos humanos que se consideram menos importantes.

Como escapar dessa nova armadilha? Bom, a minha expectativa é que seja que nem a malthusiana: uma previsão furada de alguém que não está enxergando algo óbvio do ser humano. Dedos cruzados, porque colapso populacional já começa a acontecer durante nossas vidas em vários lugares do mundo.

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