Efeito colateral mental.
| Somir | Flertando com o desastre | 6 comentários em Efeito colateral mental.
Já perceberam que toda vez que estoura alguma notícia de uma pessoa tendo um comportamento antissocial daqueles mais histéricos, logo aparece a explicação que a pessoa na verdade tem algum transtorno mental? Eu já vou quebrar sua expectativa agora: não vou dizer que é tudo inventado. Meu ângulo é outro, talvez tão ou mais incorreto.
Vamos olhar para o lado positivo: durante milênios o ser humano sofreu com todo tipo de problema psicológico que impacta negativamente a vida. E durante milênios tínhamos no máximo a estratégia de espancar, drogar ou isolar essas pessoas se estivessem dando muito problema. É um avanço que tenhamos reconhecido a necessidade de tratamento humanizado para essas condições e reduzido o estigma de “maluco”.
Na média o mundo melhora se mais gente for aceita e tratada. Mas como o título sugere, existe um efeito colateral mental: nem todo transtorno mental é sério o suficiente para te colocar na categoria de pessoa diferente. Diferente no sentido de exigir tratamento e consideração muito acima das outras pessoas. Não estou aqui dizendo que o sofrimento de quem tem distúrbios de concentração e comportamento não é real, pois é.
Estou dizendo que junto com uma maior compreensão dessas questões mentais, estamos esticando demais a corda do que poderia ser mitigado com autocontrole e repressão social básica. Nem tudo precisa de medicação e tratamento especiais. Durante milênios, o ser humano encarou casos mais leves de problemas mentais com alguma restrições simples baseadas em autoconhecimento ou atenção de terceiros.
Lembro de conversar uma vez com um psiquiatra e ele me dizer que se for ser estrito de verdade com sintomas, talvez nenhum ser humano escape de ser diagnosticado com uma dos tantos transtornos mentais já conhecidos. Profissionais da área prestam muito mais atenção no impacto dessas questões na vida da pessoa. E aí precisam ser realistas: não é uma questão de “ser feliz e realizado”, porque ninguém é feliz e realizado o tempo todo. É normal e esperado ter momentos ruins e derrotas numa vida.
O problema é se você não consegue fazer coisas mais básicas como se cuidar minimamente, se sustentar ou manter relacionamentos com outras pessoas. Está te fazendo ficar para trás no mínimo necessário para ser uma pessoa funcional da sua idade? Precisa de intervenção urgente. Está te causando incômodos pontuais, mas na média você ainda consegue tocar sua vida? É parte do jogo que todo mundo joga. Você pode ter dificuldades mais específicas, mas novamente, é o padrão mesmo. Somos bons em algumas coisas, ruins em outras, e de tempos em tempos o emocional fica desequilibrado e você faz bobagens.
A introdução é para dizer que existem níveis razoáveis de problemas mentais. A pessoa “normal” não é uma sem problemas, é apenas uma que está conseguindo seguir em frente com eles. Você pode ter diagnósticos de transtornos mentais e ainda sim mirar nessa normalidade. Da mesma forma como talvez sua fisiologia te facilite engordar, mas continua sendo necessário controlar o quanto se come e continua sendo importante fazer exercícios físicos. Infelizmente nem tudo o que você precisa fazer na vida vai ser fácil.
E eu puxo o exemplo de engordar porque mais ou menos como vimos com a obesidade nos últimos, estamos vendo uma mistura muito errada de aceitação com apologia nas questões de saúde mental. Não precisa ficar infernizando o gordo por ele ser gordo, mas também não precisa dizer que é algo positivo. Não é. Nunca foi. Acontece, tem mil motivos para ser a realidade de algumas pessoas, mas não é a parte funcional da vida delas acumular gordura sem parar.
Você pode aceitar sem glorificar. Problemas mentais acontecem, tem mil motivos para ser a realidade de algumas pessoas, mas não é a parte funcional da vida delas! Tolerar o erro da pessoa que tem esses problemas é completamente diferente de justificar o erro. O comportamento antissocial ainda é baseado no contexto da pessoa: ninguém vira racista ou homofóbico por causa de bipolaridade, por exemplo. Não é como baixasse o Hitler aleatoriamente nela. Ainda é algo que estava dentro da cabeça dela, nem que como a compreensão que é um comportamento que pode doer no outro.
E aí, é importante considerar uma certa agência da pessoa diagnosticada com transtornos mentais. Não para punir de forma mais dura que o necessário, você pode compreender que é alguém que não conseguiu se controlar; mas é para reestabelecer a capacidade dessa pessoa de combater o problema. Junto com a ideia de que todo mundo pode sofrer com isso e que temos que tratar, começa a vir uma certa desistência de lidar com esse sofrimento como se trataria em outras pessoas.
“Ah, não tem jeito, a pessoa é bipolar.” – tem jeito sim. Não é o mesmo jeito que alguém que não tem esse transtorno, temos que adaptar a expectativa de quanto é possível controlar os excessos, mas não é alguém perdido! Porque se formos mudar a forma de tratar essas pessoas, não pode ser só a diferença entre abandonar dentro ou fora do hospício.
Compreensão excessiva é abandono. Pais que não controlam o comportamento dos filhos não são bons pais. Sociedade que glorifica o transtorno mental e se condiciona a ignorar os problemas que essas pessoas criam está agindo de forma negativa também. Melhor que dar choques e fazer lobotomias, mas ainda está errado.
E aqui, a pior parte do texto: podemos entender que esses transtornos são reais e ao mesmo tempo analisar caso a caso para saber se ele é tão limitante assim. Não é crueldade considerar se a pessoa que fez algo errado dizendo que foi por causa das suas questões de saúde mental realmente merece compreensão extra. Porque mesmo na punição, podemos dar mais agência para o ser humano. Responsabilizar é dizer que a pessoa pode ter responsabilidade.
E que assim como todos nós, pode fazer melhor. Normalmente a pessoa completamente incapaz de viver como uma adulta na nossa sociedade não consegue se esconder até a hora que algo dá muito errado. Psicopatas e sociopatas são conhecidos por serem excelentes em fingir, mas o resto é bem perceptível se a pessoa está num nível extremo de problema mental. O que eu quero dizer aqui é que se você precisa explicar que o comportamento incorreto é causado por um transtorno mental, provavelmente ele não era incapacitante.
Provavelmente a pessoa tinha opções. Como eu disse, caso a caso: pode acontecer de alguém ter um episódio seríssimo de algo que nunca a impediu de viver em sociedade antes, mas não é a média. Se fosse a média você não passaria uma hora sem lidar com alguém sendo incrivelmente antissocial. Não folgado, não meio babaca, mas antissocial ao ponto de parar todo mundo ao seu redor pelo excesso ou perigo.
Podemos aceitar que tinha algo psicológico ali desequilibrando a pessoa e tratá-la como adulta responsável ao mesmo tempo. Atenuantes diminuem a pena, justificativas inocentam. Pode e deve atenuar a consequência de atos influenciados por esses problemas, mas não fingir que não aconteceram e não tiveram consequências. A mensagem que se passa para a pessoa é que ela não tem jeito. Compreensão maliciosa.
E ainda vem com outro problema clássico da humanidade: pessoas usando tolerância para abusar. Temos que considerar essa possibilidade em toda iniciativa de aceitação. Se você disser para o obeso que ele não é uma pessoa horrível por isso, tudo bem, faz sentido. Mas se ele usar essa tolerância para dizer que mais pessoas deveriam se entupir de gordura porque é uma coisa boa, é um abuso da boa vontade social.
Aceitar que pessoas tem problemas mentais não pode significar que é bacana ter problemas mentais e não tratar. Porque se o que é problema se transforma em traço de personalidade único, acaba o incentivo para se controlar e viver melhor em sociedade. Não, não queremos gente dando chilique em público, agindo de forma agressiva, evitando relações ou jogando fora sua produtividade se elas podem fazer diferente.
A pessoa pode ter motivos para ser um problema na vida das pessoas ao seu redor, mas se ela escolher não fazer nada para mitigar esses problemas, ela não está justificada em nada. Pessoas com Síndrome de Down tem um monte de dificuldades na vida que justificariam de verdade comportamentos horríveis, mas muitos deles acham funções sociais e formam relações positivas. Se eles conseguem, quem não tem isso consegue também.
Pode dar errado, a mente pode te trair, mas sem esforço fica impossível viver melhor. Então, por mais que pareça insensível, quando alguém é pego fazendo algo reprovável e se justifica dizendo que tem um problema de saúde mental, a primeira pergunta tem que ser “e o que você está fazendo para lidar com isso?”. Porque se a pessoa sabe que tem e diz para os outros, tem que ter algum plano para tratar ou no mínimo reduzir os danos. A pessoa e a família próxima.
Saúde mental debilitada não é justificativa para comportamentos antissociais. Atenuante para as consequências eu acho justo. Mas tem que ter consequência: a pessoa que tem algum problema e não se trata, pior ainda, a pessoa que tem algum problema e entrou nessa insanidade moderna de glorificar transtornos mentais, tem que lidar com isso.
Deveria ser socialmente aceito cobrar quem tem esses ataques públicos ou faz coisas incorretas com terceiros. Cobrar responsabilidade com o seu tratamento ou realismo com suas incapacidades. Se a pessoa não consegue fazer sozinha e não tem ninguém por perto que assuma a responsabilidade, a pior ideia possível é abandonar a pessoa. Claramente algo deu errado com o planejamento atual, e se não tem jeito na vida privada da pessoa, o Estado tem que arcar com o problema.
Não é personalidade, é transtorno. Com o lado bonito da aceitação vem o lado feio do “abandono gratiluz”: dizem para a pessoa que ela é linda e perfeita como é. É muito mais fácil falar algo positivo e não se meter. Não, se está fazendo besteira e incomodando terceiros com seu transtorno, não pode ser ignorado. Até porque é uma mensagem terrível para a pessoa, tirar a responsabilidade e dar a impressão que seus problemas são eternos.
Gera um incentivo perverso de não se tratar e não tentar se adaptar ao ambiente. A vida é chata nessa parte mesmo: não vai ser tudo do seu jeito e você vai ter que se esforçar para parecer mais agradável para terceiros. Quem não consegue internalizar esse sacrifício pelo grupo acaba vivendo uma vida muito pior do que poderia. Quando a gente melhora o mundo ao nosso redor melhora: você começa a fazer escolhas diferentes e atrair gente que soma.
Nem sempre o transtorno mental pode ser curado, mas sempre tem algumas atitudes que tornam a vida mais agradável para a pessoa e seus próximos. Atitudes antissociais devem ser tratadas como tal e gerar críticas construtivas. Dizer que a pessoa não tem culpa de nada ou mesmo que é perfeita como ela é parece o contrário: elogio destrutivo. Depois a pessoa vai ficando cada vez mais isolada e sofrida sem entender que a permissividade não é integração: é só uma forma socialmente agradável de “isolar o maluco”.
Eu não contrato mais gente “com TDAH”. Não tenho nem saco nem tempo pra isso.
Gente que se declara assim é gente que valoriza a condição.
Quem tem TDAH e não quer tirar vantagem disso, se trata e leva uma vida normal, com ótima capacidade de concentração e sequer comunica no trabalho.
De tanto falarem a respeito, TDAH ficou banalizado e o usam como desculpinha esfarrapada pra justificar de tudo: incompetência, falta de foco, desorganização, insubordinação, desleixo, indisciplina, descontrole emocional… Mas a realidade é bem como você disse, Sally: quem realmente tem TDAH – e que, suponho, nem seja tanta gente assim – não quer tirar vantagem disso e trabalha muito bem.
Quem tem TDAH aprende a compensar os pontos fracos com ferramentas que o ajudem, por exemplo, um despertador para regular o tempo das tarefas. Ou, se não consegue, procura ajuda e toma medicação que o deixa zero bala, totalmente apto para o mercado de trabalho.
E, spoiler, a maior parte que diz ter TDAH não tem (geralmente apenas fumaram muita maconha), a maior parte que diz ter Síndrome do Pânico não tem (é histeria), a maior parte que diz ter depressão não tem (é só dificuldade em encarar a vida) e a maior parte que se diz TEA não é (é apenas uma pessoa altamente mimada, desagradável ou na defensiva que quer que o mundo se adapte a ela)
Faço minhas as suas palavras, Anônimo e Sally.
Eu também não…