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Overdose de heroínas.

Overdose de heroínas.

| Somir | | 4 comentários em Overdose de heroínas.

A indústria do entretenimento ficou viciada em criar filmes e séries com mulheres fortes fazendo coisas que normalmente eram feitas por homens. Não deu certo. Fracasso atrás de fracasso, bilhões jogados no ralo. Será que as pessoas não gostam de mulheres como protagonistas?

Este texto poderia ser uma análise da influência da interseccionalidade e da teoria crítica no ambiente cultural pós-verdade e o crescimento de movimentos reacionários… mas não precisa. A gente pode ser muito mais simples aqui. Mulher é um bicho meio mole.

Quem convive com mulher sabe que a maioria tem medo de barata, chora por pouco, toma chá lendo romance e acha honestamente bacana ter um poster com uma frase motivacional na parede. Mulher tem fase espiritual, segura a mão de outros quando fica com medo, dança sozinha, faz tatuagem de borboleta, fica chateada quando esquecem seu aniversário.

Mulher dobra toda roupa que tira, reclama de carne rosada, fica com a mão mole na hora do aperto, grita quando vê briga. Mulher desenha coraçãozinho, conversa com planta, coloca agasalho em cachorro, fala oi para todo o bebê que chega perto.

Quando eu estou vendo um filme de ação, não é o tipo de pessoa que combina com a situação. Não quer dizer que seja impossível acreditar numa heroína, tem muito filme e série com mulheres que me venderam bem a ideia. O que eu já vi funcionar normalmente não estabelece a mulher como protagonista natural do filme de ação, mas faz com que ela acabe nessa posição por completa falta de alternativas.

Porque normalmente a mulher só entra nessa posição de risco se for obrigada. É uma característica de gênero que vemos há milênios, uma que é facilmente comprovável pelo número desproporcional de mulheres que vivem até a velhice. Pode ser uma pessoa normal ou uma alien com poderes mágicos, simplesmente não dá para vender a imagem da mulher como esse agente descartável necessário para alguns filmes e séries.

O protagonista de ação se arrisca além do necessário porque ele é um homem, portanto, menos necessário individualmente. É por isso que eu falo de agente descartável: está na base da nossa relação social proteger mulheres de riscos desnecessários. É mais do que convenção, é instinto. Falta de homem diminui variação genérica, falta de mulher cria colapso populacional. Um problema é discutível, o outro é fundamental para nossa existência.

E isso impacta até a forma como consumimos fantasia. A brincadeira que eu fiz com exemplos de mulheres sendo “meio moles” não vem um de um lugar de desprezo, é parte da graça da mulher. Porque o que muita gente não parece perceber nessas discussões sobre fantasias de poder feminino em Hollywood é que homens e mulheres preferem situações em que a vida da mulher corre menos risco.

O mundo está “certo” se a mulher estiver muito bem protegida de predadores e puder usar seu tempo para decorar a caverna. A mulher colocada na posição de lutar pela sua vida ou da sua família já está num ambiente errado, pelo menos para o homem médio. Você vê a heroína de ação e sente que tem algo fora ali.

“Mas a mulher pode querer ver outra mulher sendo fodona e batendo em bandido!”

Em tese pode, na prática elas estão pouco se lixando para esses filmes e séries. Me falta o sentimento real de ver algo do tipo como se fosse uma mulher, mas eu também desconfio que no caso delas não tenha aspiração em precisar sair brigando com meio mundo e arriscar a própria vida para conquistar um objetivo. Os grandes produtores americanos cismaram que existia um mercado gigantes de mulheres querendo se ver em filmes de ação, fantasia e ficção… e esse público não apareceu. Por isso tantos fracassos.

Homem pode reclamar o quanto quiser de algum conteúdo feito para mulheres, se elas realmente gostarem vira sucesso. O truque da vez para disfarçar esse erro estratégico é dizer que a reação negativa dos homens às personagens fortes femininas acabou com as chances de sucesso do material. Oras, se a outra metade do mundo estivesse interessada, faria bilhões do mesmo jeito.

Então realmente volta para o público masculino: não é que eu tenha raiva de mulheres fortes, é que não cola como fantasia. Dá para ter mulheres muito fortes em diversos outros conteúdos e nenhum homem ligaria tanto, mas se o seu filme envolve cenas de ação violentas e riscos absurdos, não é a base da fantasia masculina. Mulher precisando se defender de predador é fracasso dos homens.

É incômodo para o nosso sentido mais primal. Mulher precisando brigar só pode ser falha do sistema de proteção masculino. Tem todos os elementos de histórias mal escritas e personalidades horrorosas dessas heroínas criadas por gente que só quer lacrar, mas muita história mal escrita fez sucesso nesse mundo. Não precisa ser genial. Gladiador (o original) é um filme com a profundidade de um pires, e não nasceu homem nesse mundo que não gostou dele.

Assim como tem muito conteúdo besta e mal escrito para mulheres, tem para homens. E tudo bem, pode ter. É que se vai fazer conteúdo raso e besta, que faça algo que combine com nossa fantasia. A mulher idealizada da maioria do público-alvo desses filmes e séries corre quando uma mariposa voa na sua direção.

Nem quer dizer que homem só goste de mulher bem mulherzinha, até porque ninguém é só uma coisa ou só outra. Muitas das leitoras aqui viram aquela lista sem se identificar com tudo, talvez algumas com nenhuma coisa. Na vida real isso é muito mais relativo, a gente gosta de quem a gente gosta. Mas, se você vai sair do seu caminho para criar um mundo fantástico, não tem graça para mim ver uma mulher super fodona que bate em todos os bandidos e resolve todos os problemas.

Porque inconscientemente, num mundo onde uma mulher é heroína nesse sentido, eu sou obsoleto. Se quiserem bater nos homens por não assistirem os infinitos reboots com mulheres, que batam por isso. Não queremos nos tornar inúteis cercados por mulheres que conseguem fazer tudo o que conseguimos. Uma sociedade que não incute esses valores no fundo da mente masculina ainda está muito longe de existir.

E talvez por homens serem tão ruins para expressarem sentimentos como esses, eu por exemplo só consigo debaixo desse verniz de intelectualidade, fica parecendo que o incel médio dizendo que odeia mulher protagonista passar como opinião média. Não é. Em conversas privadas entre homens sem ninguém para denunciar a opinião incorreta, você não ouve ninguém dizendo que achou ofensivo ver uma super heroína no filme, e sim que foi meio… chato. Que tinha uns papos sem graça, que faltava os elementos básicos de um filme divertido.

E por incrível que pareça, se você pegar essas histórias onde enfiaram mulheres como protagonistas e reverter o gênero de volta para homem, eu tenho quase certeza que funcionaria melhor. Mesmo sendo filmes e séries ruins. O simples fato de ser mulher impede que a gente ache graça numa coisa tosca e malfeita, porque não tem onde a fantasia se prender.

A fantasia masculina funciona se for masculina. Tanto que mulheres continuam assistindo os conteúdos que gostam, pouco se importando com o último lançamento de mulher fodona em filme de ação. Elas têm as bobagens delas, feitas na medida para fantasias femininas.

Eu aceito mulher como protagonista de ação se o filme ou série forem muito bons. Funciona no Alien porque Alien é um filmaço. Eu sei que sou meio fora da curva nisso, mas das séries da Marvel, Jessica Jones é minha preferida. Não porque tem uma mulher protagonista, mas porque a história era muito bacana e o vilão é o tipo da coisa que uma mulher é mais capacitada para enfrentar (era um homem com o poder de fazer qualquer pessoa obedecer ao que ele mandava, simples, mas perfeito para gerar tensão psicológica constante).

Eu provavelmente falo pela maioria dos homens: você não vai me vender um filme, série ou jogo de ação mais ou menos com protagonista feminina. É um problema da história para resolver, é começar sem a proteção da fantasia masculina. Um filme de guerreiro com uma espada grande e uma princesa para salvar pode ser uma porcaria, mas eu sei onde me prender na história e curtir a jornada.

E eu duvido que esse sentimento em relação à fantasia masculina seja mero hábito de consumo de mídia. É algo baseado na forma como enxergamos o mundo, na percepção de não ter valor intrínseco que fatalmente chega em qualquer homem com a idade. É um instinto de manter mulheres protegidas que ainda é da maioria (se não fosse, não tinha mais mulher viva nesse mundo).

E o sucesso do homem passa muito por mulheres longe do perigo. Secundárias em qualquer situação de ação. Isso é muito mais profundo do que uma história ou outra, é a diferença entre você sentir atração por um conteúdo ou não. Sem atração, é só uma mulher de 50 quilos batendo em lutador do UFC numa cena. Tirou a graça de ser homem e ainda escreveu uma história ruim.

A mulher ideal é meio mole mesmo. Não porque queremos ver elas fracas, mas porque fomos fortes o suficiente para elas poderem se dar ao luxo. Não é complicado: no próximo filme ou série com roteiro preguiçoso, coloca um homem salvando uma mulher pelo menos. Pronto. Não é complicado.

Caguei para mulher forte na minha fantasia de ação. E o mais engraçado é que as mulheres também. Sobraram lacradores confusos com seus fracassos sequenciais. Eu quero mulher forte na minha vida real quando eu precisar de ajuda, não no meu escapismo, suas antas!

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