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“Opinião”.

“Opinião”.

| Sally | | 2 comentários em “Opinião”.

Ultimamente percebo uma enorme confusão de conceitos que desdobra em uma enorme desarmonia que, frequentemente, desemboca em briga, injustiça e muito mal-entendido. Vamos falar de “opinião”?

Pode parecer uma obviedade falas sobre isso, mas não é. A imagem que ilustra este texto é de um youtuber que eu gosto muito, Anderson Gaveta (recomendo, melhor canal sobre filmes e edição de vídeo) e ele a usa frequentemente aos berros para relembrar às pessoas que, naquele momento, está falando da opinião dele.

Isso me levou a pensar e constatar o triste que é que o cidadão não saiba discernir em quais momentos ele está fazendo afirmações sobre edição de vídeo, assunto técnico no qual ele é autoridade, e em qual momento ele está dando uma opinião pessoal. Passei a reparar que o problema realmente existe e está presente não só em redes sociais, mas na vida real também. Então, vamos lá. Vamos falar de opinião.

Opinião é uma maneira de pensar, de ver, de julgar de cada um de nós. Uma opinião se forma através de um somatório de fatores que podem envolver dezenas de ferramentas, como nossa vivência, nosso conhecimento técnico, nossos valores e muito mais.

E opinião é apenas isso: uma opinião. Cada um tem a sua e uma opinião não expressa de forma alguma a verdade. É um ponto de vista. É um ato ou um fato visto através das lentes desse conjunto de fatores que citamos no parágrafo anterior. Portanto, não faz o menor sentido brigar com alguém por causa de uma opinião, que, por seu conceito, nasceu para ser diferente para cada pessoa.

Algo muito diferente de opinião é uma afirmação. Afirmar algo pressupõe conhecimento não apenas na área, mas também em todas as áreas correlatas sobre o assunto. Só pode ser afirmado aquilo que é consenso, que é pacificamente provado e explicado por algum método científico, por um conjunto de regras básicas dos procedimentos que são capazes de provar a afirmação.

Qualquer pessoa pode opinar sobre qualquer coisa, afinal, opinião é a sua visão, à luz das suas crenças, sobre aquele assunto. Porém, nem todo mundo pode afirmar. Para afirmar é preciso dedicação, estudo, conhecimento. E nada disso se consegue usando opinião como fonte. Opinião não é fonte de conhecimento para fazer afirmações.

É preciso entender a diferença entre opinião e afirmação, primeiro, para saber em quem confiar e quando, segundo, para parar de passar vergonha.

Um exemplo: uma pessoa está sentindo fortes dores de cabeça e, na sua opinião, ela pode ter um tumor cerebral, baseado nas dores de cabeça e no que viu no Google, já que para o Google, tudo é sempre câncer.

Porém, um tumor não é algo passível de opinião, é algo constatável, concreto, cuja ocorrência pode ser aferida por exames que obedeçam a critérios científicos. A humanidade, a medicina e a ciência evoluíram por séculos para chegar nesses medidores, que são extremamente eficientes, e afirmar quando alguém tem um tumor na cabeça.

Então, mesmo que a pessoa tenha essa opinião, mesmo que o Google indique isso e mesmo que outras 500 pessoas que ela conhece tenham essa mesma opinião, só um médico pode fazer uma afirmação sobre ser um tumor, depois de: 1) fazer faculdade de medicina e se especializar nessa área para saber interpretar exames e 2) realizar exames de imagem e quaisquer outros necessários para o diagnóstico. Não será uma opinião, será uma avaliação profissional escorada em um método científico já avalizado, que funciona.

Um exemplo aqui no Desfavor: temos colunas baseadas em opinião (Desfavor da Semana ou Ele Disse/Ela Disse, por exemplo) e temos colunas baseadas em afirmação (como todas as colunas FAQ sobre Covid-19 ou Desfavor Explica). Nas primeiras damos nossa opinião, que de forma alguma é tratada como uma verdade inquestionável, inclusive divergimos entre nós. Na segunda fazemos pesquisas, conversamos com profissionais da área, lemos artigos científicos confiáveis (duplo cego, revisão dos pares, vocês sabem…) e outras fontes que sigam a mesma linha de credibilidade.

Não é à toa que as colunas opinativas são muito mais comuns e frequentes. Fazer uma afirmação dá muito mais trabalho do que dar uma opinião. Às vezes, um texto desse tipo demora meses para ser escrito. Inclusive eu mesma tenho vários textos de afirmação abortados, na caixa de rascunho, por não ter conseguido material suficiente ou por não ter sido capaz de interpretar o material que tenho, de forma a jogar no mundo uma afirmação.

Então, opinião é o que você acha, com base na sua vivência, nas informações que você dispõe e na sua capacidade de interpretar as informações que você dispõe. Afirmação é algo muito mais sério, é uma conclusão à luz da ciência, do método científico, de conhecimento profissional e de excelência em uma área, interpretadas por profissionais que tenham background para compreender e forma uma opinião sobre aquilo.

Pois bem, agora que a diferença está estabelecida, vamos levar isso para a prática: em um mundo sensato, de pessoas responsáveis, no qual o semancol abunda, todo mundo pode opinar sobre tudo, porém quase ninguém pode afirmar nada. E, em determinados assuntos, ninguém, absolutamente ninguém pode afirmar nada.

E, ao opinar, a pessoa se porta de acordo, falando com tom, linguagem e postura de quem não é dono da verdade, de quem está trazendo um ponto de vista que pode ou não ser válido, que pode ou não ser verdadeiro e que pode ou não levar em conta todas as informações corretas e necessárias.

Eu posso opinar sobre o resgate da brasileira que caiu em um vulcão na Indonésia, mas apenas isso, opinar, ciente de que me faltam elementos para afirmar, pois eu não estava lá, não vi como aconteceu, não tenho conhecimento de resgatista e não sei quais eram as condições externas (climáticas, de segurança, etc.).

Então, se eu estou emitindo uma opinião, não posso falar como se aquilo correspondesse necessariamente a uma verdade inquestionável, pois é apenas a minha leitura através dos meus filtros, meu gosto, minhas crenças. Tentar impor sua opinião como uma verdade absoluta chega a ser até uma forma de burrice.

O que não significa que, por ser uma opinião, você tenha que tolerar tudo. Podem existir opiniões que, para sua formação, usam crenças, filtros ou premissas que você considere abomináveis e não queira ter contato com quem emite esse tipo de opinião. Não por considerá-la falsa, mas por considerar que, para chegar nessa conclusão, a pessoa tem valores ou uma saúde mental que não condizem com o que você quer por perto.

Por isso, quando falamos de opinião, todo mundo tem direito à sua, mas ninguém é obrigado a escutar a opinião de ninguém. Quem não quiser ou não gostar, que se afaste, mas pelos motivos certos.

Frequentemente vejo pessoas debochando em redes sociais (e talvez eu mesma tenha cometido esse erro antes de organizar estes pensamentos na minha cabeça): “as pessoas acham que podem opinar sobre tudo”, em tom reprovável. Sim, as pessoas podem opinar sobre tudo.

Não só podem dar opinião sobre tudo, como também podem opinar sobre aquilo que elas desconhecem profundamente, como eu faço aqui com os textos da Bíblia. O que eu sei da Bíblia? Nada, absolutamente nada. Ainda assim me propus a fazer uma coluna com uma visão completamente leiga, ciente da minha ignorância e explorando-a para fins cômicos.

E é aí que está o grande divisor de águas: todo mundo pode opinar sobre tudo, mas o ideal é que se faça ciente de que, por ser uma opinião, nunca será uma certeza e sim algo pessoal, limitado, com base na sua visão de mundo. Opinar desde esse lugar não é errado, por sinal, é bem legal.

E em um mundo mais saudável, as pessoas saberiam opinar desde esse lugar e as outras saberiam escutar a opinião desde esse lugar, trocando ideias e, quem sabe, somando opiniões para criar novas opiniões melhores, acrescidas das melhores partes de todas as opiniões que escutaram.

É o mundo no qual vivemos? Absolutamente não. No mundo atual, uma opinião diferente da sua cria, praticamente um inimigo na média das pessoas. Querer que todo mundo opine da mesma forma que você é pretender que todos tenham a mesma leitura de mundo que você. É burro ou ingênuo pensar que todo mundo tem as mesmas experiências de vida, a mesma educação, os mesmos inputs que você.

É impossível que dois seres humanos tenham um mesmo sistema de crenças. Não acontece nem com gêmeos univitelinos. Cada ser humano tem sua própria percepção de mundo, seus valores, sua interpretação, seus gostos… enfim, sua opinião. O fato de que pessoas tenham uma opinião diferente da sua não significa nada além da mais absoluta normalidade.

Porém, em momentos de polarização extrema, tentam enfiar todas as pessoas em caixinhas: pensa isso é bom, pensa aquilo é ruim. Esse terrorismo social faz com que muita gente tenda a aderir a discursos prontos do lado com o qual se identifica mais, por achar que aquilo é sinônimo de ser bom e ter outra opinião é sinônimo de ser ruim. Muitas vezes a pessoa nem pensa aquilo, ou sequer não pensa, nunca parou para ponderar o assunto, apenas adere.

Em uma simplificação muito grosseira, eu diria que temos o combo da direita, no qual você tem que ser contra aborto, a favor de pena de morte, contra CLT, a favor de armas e defender o Bolsonaro, não importa a bosta que ele fale ou faça. Temos também o combo da esquerda, no qual você tem que ser a favor do aborto, contra a pena de morte, a achar a CLT e o SUS a oitava maravilha do mundo, contra o porte de armas e defender o Lula não importa a bosta que ele fale ou faça.

Eu aposto que muitas dessas pessoas, de ambos os lados, apenas estão aderindo à opinião que aquele grupo convencionou ser a boa, a correta, a digna de aplausos. Não sei se algum dia efetivamente pararam para refletir de verdade sobre todos esses assuntos. Mas, como já foi dito, todo mundo tem direito a uma opinião. Só não tem direito de impor essa opinião a você, pois opinião é (ou deveria ser) algo individual.

Todo mundo pode opinar sobre tudo, mas afirmar, poucos podem. Uma afirmação requer um grau de embasamento, de conhecimento, um background que poucas pessoas têm. E conhecimento não é sair lendo sobre o assunto. Primeiro tem que saber filtrar o que se lê, e segundo, tem que ter um vasto conhecimento prévio sobre o assunto para conseguir interpretar da forma correta o que se lê.

É por isso que nós passamos a pandemia inteira caindo de pau em quem dizia que queria “ler mais sobre as vacinas para tomar uma decisão informada”. Não tem como um leigo, por mais esperto e inteligente que seja, ter o background para ler e entender estudos científicos sérios (duplo grau, revisado pelos pares, etc.). É como dizer que vai aprender a dirigir lendo o manual de instruções de um carro. É muito mais complexo. Ou, na pegada impaciente que eu adotei na pandemia: se ciência fosse fácil, se chamaria “sua mãe”.

É preciso ser extremamente cauteloso, zeloso e responsável na hora de fazer uma afirmação. Uma afirmação falsa tira sua credibilidade e gera uma enorme antipatia, até raiva, eu diria, que se torna muito difícil de reverter. Uma afirmação falsa pode gerar danos para a humanidade, como foi o caso do estelionatário que afirmou que vacinas podem aumentar a propensão a autismo. Apesar dele mesmo ter se desmentido e dito que fez aquilo por dinheiro, essa afirmação falsa continua real para muitas pessoas e acaba com a vida de muitas crianças.

Existem assuntos tão complexos, tão abstratos, tão difíceis que ninguém, eu disse ninguém no mundo pode afirmar. Só opinar. Existe vida após a morte? A única resposta sensata é: não sabemos. Você pode ter uma opinião, com base em tudo que já viu, leu ou sentiu, mas não pode afirmar. Percebem? É nessas horas que se filtra vagabundo possuído pelo efeito Dunning-Kruger: cerquem-se de pessoas que sabem que não sabem, são as únicas sãs. O resto dificilmente será capaz de uma interação saudável.

Eu sou terminantemente contra ir no perfil de alguém que está opinando em redes sociais e ficar refutando. Acho escroto, babaca, arrogante. As pessoas têm o sagrado direito às suas opiniões. Dizer que a minha opinião vale mais do que a do outro é apenas um delírio megalomaníaco e não pretendo passar essa vergonha. Não gosto da opinião? Não consumo. Refutar jamais. Só se a pessoa vem na minha casa me dar opinião, ou me procura e pede expressamente minha opinião. Em ambiente público, jamais.

Mas, quando a pessoa faz afirmações falsas, eu acho que tem que se posicionar, pois, como dito, pode fazer estragos em um nível global. Aqui no Desfavor nossa decisão foi puxar o plug do microfone: os comentários simplesmente não serão aprovados. Aqui, a pessoa não será ouvida, pois, por mais que refutemos, essa afirmação falsa pode, por algum motivo, tocar o coração de alguém e causar um estrago, então, aqui, afirmação falsa nunca será publicada. Opinião contrária à nossa? Todo dia. Afirmação falsa jamais. É assim que se faxina conteúdo online.

Mas, na vida não tem moderador. Então, vocês têm que ficar espertos e exercitar a percepção de quando é opinião, quando é afirmação. E quando a pessoa fizer uma afirmação falsa, cheia de certezas, sem qualquer formação ou sem as informações necessárias para isso, apenas fujam. Geralmente quem faz esse tipo de coisa traz consigo um pacote muito complicado que, pela burrice ou pela arrogância, torna as relações muito sofridas.

Não dá para mudar o mundo, mas podemos mudar e melhorar a nós mesmos. Sugiro que todos se eduquem a discernir opinião de afirmação e passem a se comportar de acordo, tanto na hora de falar, como na hora de escutar. É um belo filtro, eu recomendo.

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