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Adultização (de verdade).

Adultização (de verdade).

| Sally | | 14 comentários em Adultização (de verdade).

Oi. Meu nome é Sally, e você não vai gostar deste texto. Prossiga, mas não diga que eu não avisei.

O tema é tão complexo, que vamos continuar nele hoje: o que fazer para proteger crianças que são exploradas e sexualizadas, conscientemente ou por ignorância, online?

No grosso, a discussão parece ter dois lados: 1) Tem que regular internet não pode ser terra sem lei e se você é contra significa que você é extrema-direita, conservador e defende pedofilia e 2) não precisa regular, o Estado quer é censurar, tudo tanto é que já puniram um influenciador sem precisar de nova lei.

Ambos estão certos. E ambos estão errados. Vamos aprofundar?

Comecemos com essa mania que algumas pessoas têm de fazer uma coação moral moendo reputações: se você não concorda com algo de sua cartilha, você só pode ser bolsonarista, extrema-direita, conservador, moralista e a favor do crime que a pessoa diz tentar combater.

Isso afasta os outros. Isso empurra os outros a votarem no Bolsonaro. Isso é uma das coisas mais contraproducentes que eu já vi. Discordar de uma medida apresentada pode ter uma infinidade de motivos que não um político de estimação ou ser a favor da impunidade e me causa espanto que a suposta elite intelectual do país não saiba disso. Fico me perguntando se são burros ou sem caráter.

“Internet não pode ser terra sem lei”. E você não pode ser um ser humano sem cérebro. Existe Marco Civil da Internet, existe Código Penal, existe Estatuto da Criança e do Adolescente, existem infinidades de leis protetivas. E, cá entre nós, se criar lei adiantasse, não tinha mais homicídio no Brasil, país que, segundo a ONU, é recordista mundial em homicídios. Se criar lei adiantasse, mulher não apanhava mais, por causa da Lei Maria da Penha.

Apenas criar lei não resolve. Já falamos sobre isso em outro texto, lei é última tentativa para quanto tudo mais falhou, se não tem o “tudo mais”, a lei não vai dar conta de coibir um comportamento, como bem podemos ver pelos casos de violência e crimes patrimoniais no Brasil. Sem educação, sem acesso a uma vida digna, sem campanhas de conscientização, não tem lei ou punição que resolva.

Mas, quando pensamos na tarefa hercúlea que é esse “tudo mais” que deve anteceder à lei, dá uma depressão instantânea. É muita coisa. É trabalho de décadas. E é um trabalho invisível que não dá voto, consome recurso e não será sequer sentido nos primeiros dez anos, então, nem que fosse possível, iriam querer fazer. Mas não é. Os burros e corruptos, que estão no Congresso, encarregados de criar as leis que regem o país, não tem nem capacidade de pensar e gerir um plano desse tamanho nem se quiserem. Não vai acontecer tão cedo.

Mas, o Poder Público tem que dar alguma resposta ao clamor popular que esse caso causou. A mesma mãe que bota a filha para rebolar funk no aniversário de sete anos, filma e joga no Instagram, está indignada e exige providências. Então o que o Poder Público faz? Cria lei, pois já vendeu à população que essa é a resposta. E a população, inacreditavelmente, ainda compra, mesmo vendo toda a diarreia legislativa sem impacto na vida real, mesmo vendo que o tempo todo criam lei para tudo e nada nunca melhora.

Mas tem outra sutileza aqui. O Congresso se move por dinheiro. Além do salário alto e benefícios que recebem, cada pauta, cada votação, cada passo precisa de dinheiro por baixo dos panos. Governo quer aprovar uma lei rápido, furando fila, para inglês ver, para mostrar ao povo que estão fazendo alguma coisa? Beleza, isso vai custar dinheiro. Cada degrau escalado para aprovar essa lei vai custar dinheiro, que vai entrar por debaixo dos panos no bolso de cada congressista.

Por isso, ninguém se opõe a essa diarreia legislativa. É bom para o Executivo, pois cala a boca do povo e mostra que estão fazendo alguma coisa (ainda que seja inútil), o Congresso ganha mais dinheiro para acelerar ou apenas para não travar o trâmite e o povo fica com uma falsa sensação de que algo está sendo feito e não colapsa em uma crise mista de depressão com síndrome do pânico por viver em uma sociedade tão bosta.

Mas, na real, o povo é o único que sai perdendo. Sobretudo quando um governo canalha se utiliza de uma questão séria e grave para empurrar uma lei que não vai resolver o problema e ainda tem embutido em seus artigos mecanismos que permitem calar a boca de quem 1) critica o governo; 2) faz denúncias de corrupção contra o governo e 3) cobra mais transparência do governo. Não é ser contra regulação, é ser contra regulação nos termos propostos, pois é um cavalo de Tróia para aprovar regras que impedem de fiscalizar o governo.

Acredite em mim, eu leio de cabo a rabo todos os projetos de lei sobre o assunto e eu tenho formação jurídica. Nada do que foi apresentado até agora em matéria de regulação de redes sociais é capaz de coibir os problemas atuais. E é esperado que não seja, quando a gente olha para quem são os encarregados de criar lei no Brasil entende isso: desde Carla Zambelli a Guilherme Boulos. Desde Eduardo Bolsonaro a Gleisi Hoffmann. Desde Ricardo Salles a Erika Hilton. Não tem como sair algo que preste. Não tem.

Mas, ao mesmo tempo, achar que está tudo ótimo como está e não precisa de nenhuma regulação também é de uma imbecilidade tenebrosa. “Não tem que regular, minha liberdade mimimi”. Calma aí, amigão. Se tem criança sendo explorada, sexualizada, exposta, tem que fazer alguma coisa sim.

“Mas você mesma disse que já tem lei!”. Tem sim. E não funciona. Pode até funcionar para punir um caso individual (e, spoiler, só quando ele tem muita repercussão), mas não funciona na sua principal missão: coibir, impedir, desencorajar. Punir é importante, mas se conformar com punição depois que a criança já foi explorada? Não te parece um pouco escroto não?

Da mesma forma que sim, tem que punir homicídio, mais importante é criar mecanismo para tentar evitar que ele aconteça, pois depois que matarem alguém da sua família, levar o criminoso para a cadeia não ressuscita quem morreu. Então, sim, algo tem que ser feito para que as pessoas tenham medo de explorar crianças assim e, para que, caso aconteça, isso possa ser imediatamente removido.

Eu não sei se alguém aqui já tentou remover algum conteúdo do Facebook, por exemplo. É praticamente impossível sem conhecer alguém de dentro ou sem entrar com um processo judicial que pode ser caro e demorado. E se cada caso for levado de forma individual, o Judiciário trava, pelo número de demandas.

Não dá para tutelar uma questão que é um problema recorrente de forma individual, simplesmente se torna inviável por diferentes motivos: o Judiciário não tem material humano para dar conta de tanto julgamento, muita gente não tem condição de judicializar e o brasileiro que pode judicializar, judicializa tudo, qualquer besteira, como arma, desde o que o ofende até o que ele não gosta, gerando uma avalanche de ações e muitos outros.

Já vi gente sugerindo reunião com representantes de rede sociais para resolver a questão. Gente… as redes sociais não vão parar. Se tem muita gente consumindo criança sexualizada, a rede social vai dar isso às pessoas, pois é do interesse delas que o usuário fique ali o máximo de tempo possível. Nenhuma big tech tem ética, sensibilidade ou preocupação com o bem-estar das pessoas. Não é demonizar, é o que é necessário para que esse modelo de operação tenha lucro e se mantenha vida. Sejamos realistas, daí não vem solução.

“Já sei, temos que controlar o usuário então! Tem que pedir CPF para entrar em rede social”. Por algum motivo a pílula anticoncepcional é o método contraceptivo mais usado: é muito mais fácil neutralizar um óvulo do que 150 milhões de espermatozoides. Vou repetir: hoje, o Judiciário não vai dar conta de avaliar a quantidade de ações que seriam propostas, então, não adianta saber quem essas pessoas são. Eu adoraria que essa fosse a solução, e se fosse, eu estaria aplaudindo de pé e defendendo, mas eu afirmo para vocês: é inexequível.

E ainda tem o fator “vocês, que são brasileiros, conhecem tão pouco o próprio país?” Tem gente recebendo aposentadoria com documento falso e olha que isso requer biometria. Não existe a menor possibilidade do brasileiro não burlar isso. Meus amigos, o povo dá jeitinho para tudo, daria nesse caso também. Não faz sentido controlar 220 milhões de pessoas e resolver cada infração de forma individual. Não tem como.

Para coroar, dar o seu documento seria mais uma forma de ajudar big techs a ter ainda mais informação sobre você, te rastrear, te “ler”. As pessoas precisam ser protegidas disso, não estimuladas a fazê-lo. Não só não vai causar nenhum bem, como ainda vai causar mal.

“Mas Sally, então faz o que?”. Sendo bem sincera aqui com vocês, se me pagar salário de congressista, em seis meses eu te apresento um plano exequível, eficaz e pronto para ser implementado. Como autora de um texto gratuito de 4 páginas com apenas poucas horas para pesquisa e reflexão seria insanidade ter a pretensão de resolver o problema. Dá para discutir direções, mas não dá para apresentar soluções.

“Ain mas que merda, eu li esse texto até aqui e ela não vai dar a solução?”. Aí, no caso, o problema está em você, não em mim, de esperar uma solução em quatro páginas para um assunto dessa complexidade. Efeito Dunning-Kruger acreditar que em um post, em um texto, em apenas uma ideia a solução vem. São pessoas assim que ficam se digladiando achando que não tem que regular nada ou que criar lei resolve.

O que de forma alguma autoriza censura. Autoriza medida radical e parcialmente injusta, mas apenas no tocante ao problema. Em bom português: por ter criança explorada não é legítimo que ninguém possa falar mais nada sobre o governo, mas é legítimo que postagens envolvendo esse problema específico, crianças, sejam tratadas com um rigor que ninguém gostaria que fosse necessário.

Quando um ferido leva um tiro, os médicos não atuam com finesse e precisão, ao menos não em um primeiro momento. Você soca gaze e panos lá dentro, como quem recheia um bicho de pelúcia, para conter o sangramento. Depois, quando a grande hemorragia está contida, aí sim se procedem os reparos cirúrgicos localizados necessários, para aquelas feridas específicas.

Minha solução imediatista, minha gaze no tiro, seria proibir imagem de criança em redes sociais.

Nem precisa argumentar comigo como é escroto, injusto, bla bla bla. EU SEI. É uma escolha trágica, para um problema enorme, gigante, avassalador que está nos soterrando. Problemas assim não tem soluções bonitas, justas ou agradáveis. Entre sacrificar o direito das pessoas de postarem foto de criança e o direito das crianças de serem exploradas, eu sacrifico o primeiro.

E hoje toda rede social tem robozinho para identificar criança em foto e impedir que seja postada. Talvez uma ou duas pessoas com nanismo sejam prejudicadas, mas esses casos individuais podem ser resolvidos. Essa é a direção para estancar um sangramento, sem depender de judicialização de cada caso.

Um plano maior, menos agressivo, mais estratégico, demanda um tempo, um estudo e uma dedicação que eu não posso ter sem comprometer minha renda. Se alguém quiser me pagar, estamos aí.

“Mas Sally tem que ter outro jeito”. NÃO TEM. Se você acha que tem, escreve um texto para a gente, que a gente publica como Desfavor Convidado e, nos comentários, eu vou te mostrar como essa solução não resolve.

O que tem é formas mais ou menos traumáticas de se implementar e gerir medidas drásticas. O que tem é uma fronteira clara de até onde é preciso apertar. Precisa proibir de criticar o governo para combater a exploração infantil? Claro que não. Mas precisa proibir criança de participar, nem que seja em imagem postada pelos pais, pois os pais já mostraram que não tem discernimento. Nem que seja em uma imagem inocente com zero sexualização, tem que ser vetada. Infelizmente, a situação é tão crítica que não permite subjetivismos.

E, cá entre nós, isso deveria partir dos próprios pais. Vamos agora ao ponto delicado que traz xingamentos aos comentários. Se você sabe que tem predador que vai se masturbar com a foto da sua filha pequena, mesmo que seja a foto mais inocente do mundo, quantas toneladas de merda você tem que ter na cabeça para postar foto dela mesmo assim?

Sim, isso é uma parte enorme do problema não conversada: por qual motivo pais têm essa necessidade de postar seus filhos em redes sociais? Francamente, tem um enorme componente de ego e futilidade aí, muito bem camuflado de amor, que todo mundo normalizou. Não tem que postar imagem de criança em rede social, independente de lei que proíba.

“Ain mas não dá para viver assim, se preocupando com isso, se privando de postar foto dos filhos”. DÁ SIM FILHA DA PUTA. DÁ SIM. A vida real é aqui fora, não é em redes sociais. Manda a foto por whatsapp para os avós. Que porra é essa de dar tanta importância a rede social? Que porra de sintoma é esse de querer mostrar sua vida para todo mundo? Vão pro inferno, vocês também, pois achar que é tão fundamental e importante postar foto de filho em rede social não é estar com razão, é sintoma. Malucos do caralho.

Eu sei que estou conversando com as paredes, mas, aqui vai: a sociedade acha que o problema são os pedófilos. Eu acho que os problema são os pais. Assim como nos sujeitamos a milhões de restrições na vida real para evitar o crime, o mesmo tem que ser feito no mundo virtual. É legal? Não é. É horrível. É injusto. É escroto. Porém é necessário.

Se eu fosse Presidente do Mundo, postou foto de filho em rede social perdeu a guarda (“poder familiar”) da criança. Mas medida dura ninguém quer, ninguém gosta, ninguém acha necessário. “Ain radical”. Como projeto de vida? Não. Para estancar a hemorragia? Com orgulho.

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