Inutilidade Performática.
| Sally | Flertando com o desastre | 8 comentários em Inutilidade Performática.
Vamos conversar sobre Inutilidade Performática?
Sabe aquela piada que sugere que você faça tudo muito malfeito ou que simplesmente não faça, para virar uma pessoa com a qual não se pode contar e, assim, ninguém te pedir mais nada? Pois é, isso é a Inutilidade Performática: quando a pessoa, consciente ou inconscientemente torna a execução de algo tão sofrida, ruim ou trabalhosa que os demais preferem fazê-lo ou delegar para outros em vez de pedir para que a pessoa o faça.
Curioso como, no Brasil, isso ainda pode ter, dependendo da pessoa, uma aura de se dar bem, de esperteza, de sensação de vantagem. É tão vergonhoso fazer isso, ser a pessoa com a qual não se pode contar, não dar conta do que te pedem… É tão decepcionante e, ainda assim, ainda tem tanta gente faz.
Eu entendo que existem exceções nas quais, talvez, isso pareça legítimo. Por exemplo, quando o empregador pune o bom empregado entulhando ele de trabalhos que seriam de competência de seus colegas. Pode ser sim um mecanismo de defesa, apesar de que, o correto seria não ficar em um ambiente de trabalho que te trata assim.
Porém, a maior parte dos casos de Inutilidade Performática não é justificado. É claro, na cabeça de quem faz, é sempre justificado, mas, justificativa de cabeça torta não conta. Não importa se há uma injustiça ocorrendo ou não, não é essa a forma adulta e decente de se lidar com o problema. Mas as pessoas fazem os caminhos mais tortos na suas cabeças para justificar seus comportamentos errados.
O marido que executa uma tarefa de casa de forma tosca pois “estou cansado trabalhei o dia todo” acha que está coberto de razão. O empregado que faz um trabalho porco pois “ganho pouco” também acha que está coberto de razão. A mulher que faz corpo mole para executar uma tarefa braçal da qual dá conta com tranquilidade pois “ele é mais forte do que eu” acha que está coberta de razão. E não estão.
Vale o combinado. Se o combinado for dividir as tarefas da casa, faça sua parte, mesmo cansado. Se o combinado foi trabalhar por aquele salário (e cada dia que você comparece ao seu trabalho você está dizendo que aceita isso), faça sua parte. Se o combinado foi dividir as tarefas braçais, faça sua parte.
Não há nenhum problema em combinar uma coisa e, com o passar do tempo e das mudanças da sua realidade e da sua cabeça aquele combinado não servir mais para você. Combinados não são eternos. O problema é, em vez de sentar e conversar feito adulto mentalmente são, fazer essa babaquice para demonstrar que você não quer mais aquele combinado. Não quer mais? Renegocia.
Não tem renegociação? Hora de desfazer o combinado e procurar outras pessoas que sejam compatíveis com o combinado que você quer fazer. Mas isso as pessoas não querem, elas querem que o outro queira o combinado delas, nem que para isso precisem enganar ou manipular o outro, usando, entre outras coisas, a Inutilidade Performática. Percebem a desonestidade?
“Não quero abrir mão do _______ (casamento, emprego, etc.) mas também não quero cumprir o combinado para que essa relação esteja boa para a outra pessoa”. É feio demais. É uma forma de calote.
E, nessas horas sempre vem um argumento muito delicado: “Eu fiz o combinado, a pessoa é reclamou porque eu não fiz do jeito dela, ela que quer tudo do jeito dela”. Vou ser bem sincera aqui… quase nunca isso é verdade. Aposto que os autores dessas pérolas das fotos usaram esse argumento.
Não é tão difícil de solucionar esse impasse. Basta pensar em qual era o propósito do pedido da pessoa e se ele foi atendido. Se o objetivo foi cumprido de uma forma racional, sensata, coerente. Se, aos olhos de qualquer ser humano com discernimento o caminho tomado foi aceitável.
Quando você pede para alguém guardar o feijão no congelador, nenhum ser humano normal vai achar coerente botar a panela elétrica junto. “Ain mas foi guardado!”. Desculpa, ou você é mau caráter ou é débil mental. Quando te pedem para pintar listras nas ruas, nenhum ser humano normal vai achar aceitável pintar os carros junto. “Ain mas rua foi pintada”. Sinceramente, vai tomar no cu essa pessoa e quem mantém essa pessoa em sua vida.
Um exemplo seria um combinado no qual uma das pessoas da casa tem que regar a grama. Se a pessoa aceitou essa tarefa, pra executá-la de forma correta não basta o gesto mecânico de jogar água na terra e dizer “regar eu reguei”.
O executor é encarregado de decidir o que fazer, como fazer, quando fazer e onde fazer. E para isso ele precisa estudar, ou perguntar a quem saiba. Não é fazer da sua cabeça o que você acha. Fazer da sua cabeça o que você acha, quando você não tem conhecimento sobre o assunto também é Inutilidade Performática.
A grama se rega nas primeiras horas da manhã ou no final do dia, trecho por trecho, em determinada quantidade por metro quadrado, com água fresca. Qualquer pesquisa de cinco minutos no Google te dirá isso. Provavelmente, a pessoa que te delegou a tarefa te explicará isso.
“Ain então além de tudo eu vou ter que estudar e pesquisar? Inviável viver assim”. Adoro vagabundo argumentando. Se eu fazia, quando nem internet tinha, você pode fazer agora, que o ChatGPT te responde em menos de dez segundos.
Para o que a pessoa gosta ou acha interessante, ela pesquisa exaustivamente, mas para cumprir tarefas do jeito certo, repentinamente, pesquisa se tornou exaustivo. Muito mais fácil fazer o que acha da sua cabeça e, se a outra pessoa reclamar, dizer que “ela quer tudo do jeito dela”. Manipulação não é tolerada neste blog.
Não é querer tudo do jeito dela, é o que é necessário para que aquele ser vivo sobreviva, portanto, para que a tarefa cumpra seu objetivo. Se a pessoa, da cabeça dela, acha aquilo “querer tudo do seu jeito” e rega a grama em pleno verão uma hora da tarde, vai matar a planta. Se coloca menos água do que precisa para acabar a tarefa logo, vai matar a planta. Se faz qualquer coisa que não devia, por não seguir as instruções e o gramado não continua vivo e saudável, não é que o outro queria tudo do seu jeito, é que isso é o necessário para executar a tarefa com sucesso.
“Mas a minha execução é racional, coerente, sensata e o objetivo é plenamente alcançado e, mesmo assim, a pessoa não aceita que eu faça de outro jeito”. Bom, aí é questão de conversa. Talvez se ela te explicar as razões pelas quais não aceita vocês consigam chegar a um denominador comum. Talvez possam distribuir as tarefas de outra forma, de modo a que essa, com execução problemática, não fique com você. Talvez seja um caso de incompatibilidade mesmo e tenham que seguir caminhos separados. Qualquer coisa, menos essa babaquice de Inutilidade Performática.
Sempre se pergunte: se você fizer do seu jeito, o resultado pretendido com aquela tarefa será alcançado? E na maior parte das vezes, a resposta é “sei lá”,, o que equivale a um “não”. A pessoa acha que vai alcançar o resultado fazendo de outro jeito, mas quase nunca alcança.
O que nos leva a um segundo momento: quando flagrada com o seu resultado bosta na mão, a pessoa começa a desmerecer o resultado esperado, como se ele fosse um exagero ou um preciosismo do outro. “Tem que tirar o lixo para manter a casa limpa” ou “Tem que fazer ligação pós-venda para ver se o cliente está satisfeito”. A pessoa diz que sim e não faz. É advertida e tenta te convencer de que é frescura, de que a casa está limpa mesmo com o lixo dentro e de que o cliente está satisfeito mesmo sem o pós-venda. Complicado.
Repito: o combinado não custa caro. Dialoguem, conversem sobre a meta, sobre o que se pretende alcançar e, se o outro topou aquela meta, não há espaço para depois vir reclamar dela, dizer que ela é desnecessária.
Se não concorda com a meta, discuta a meta. “Ain mas não adianta falar a pessoa nunca cede em nada”. Então, meu anjo, é hora de se perguntar o que diabos você está fazendo com uma pessoa que nunca cede em nada, com uma pessoa que te impõe tudo do jeito dela. Francamente, que inferno conviver com alguém assim. Não seria que as pessoas topam por um enorme ganho secundário de não ter que decidir coisas na vida, pois tem sempre alguém dizendo o que fazer?
“Mas Sally, é meu empregador, não posso fazer nada”. Pode sim. Pode fazer networking e procurar outro trabalho. Pode se capacitar para ficar acima da média no mercado (de forma gratuita) para ser mais contratável por outras empresas. Pode empreender. Pode monetizar algo que você já faz de graça. Pode tentar todo tipo de coisa para sair dessa situação. Só não pode cobrir seu próprio nome de bosta praticando a Inutilidade Performática e achar que com isso está causando dano ao seu empregador, pois não está. Só está causando dano a você mesmo. Se o seu empregador ainda te mantém, é porque você ainda dá lucro para ele, não se iluda.
Inutilidade Performática nunca é uma resposta ou reação saudável a nada. E ainda te faz mal. Pode até dar uma sensação de “hihi levei vantagem”, mas, no longo prazo, te acostuma com um modus operando medíocre, patético, incompetente e você tende a reproduzir isso sem sequer perceber.
Isso transparece, mesmo que a pessoa ache que não. Em um encontro, em uma entrevista de emprego, em um café, eu sei dizer quando uma pessoa é adepta de Inutilidade Performática e muitas outras pessoas também sabem. Fecha portas sem que você sequer entenda o motivo.
Se alguém está sendo injusto com você em matéria de metas ou cobranças, saiba que você é o maior prejudicado ao responder assim. Primeiro pelo comportamento vergonhoso, infantil e inepto. Segundo por questões práticas mesmo: agir assim envenena o relacionamento, seja ele familiar, profissional, afetivo ou amoroso. A pessoa que faz isso começa a ser vista como uma idiota, e, é questão de tempo para que as pessoas desgostem de idiotas.
Toda relação, para uma manutenção saudável, depende, entre outras coisas de admiração. Se colocar como imbecil, idiota, incompetente, talvez te salve de uma ou outra tarefa por um tempo, mas no logo prazo, e um veneno e é bem possível que, quando você menos esperar, venha uma demissão, um fora ou qualquer outro tipo de corte, justamente por ter acabado a admiração.
E, para a pessoa que recebe o corte, fica parecendo que foi “do nada, que loucura”, mas, para a pessoa que lidou por anos com Inutilidade Performática é o copo da paciência mega transbordado. Nunca é do nada, meus amigos. O fato da pessoa não conseguir perceber o motivo não faz com que seja do nada.
“Mas Sally, eu não escolho fazer isso, é sem perceber”. Então se posicione de modo a corrigir o problema. Se, quando te delegam algo o resultado é tão cagado que, frequentemente a pessoa que delegou diz “Deixa… deixa que eu faço” ou pede para outra pessoa, intervenha e peça para que ela te ensine, te ajude a fazer, assim, da próxima vez você dá conta da missão.
“Não posso fazer nada se eu não consigo” não existe. Você pode pedir ajuda para aprender ou, se for algo extremamente difícil para você, pode explicar que realmente tentou e não consegue e trocar essa tarefa por outra pela qual você tenha mais aptidão, para que ninguém saia sobrecarregado, em vez de deitar em berço esplêndido quando a obrigação é retirada das suas costas.
Que fique claro, homens e mulheres (e todas as outras classificações que vocês queiram dar ao ser humano) fazem isso. Não é exclusividade de homens. Mas, nos próximo parágrafos eu vou falar com as mulheres, não por achar que só os homens fazem e sim por ser mulher, portanto, conhecer melhor o que mulheres passam.
Vejo muita gente, muita gente mesmo, dizendo que em relacionamentos amorosos: “Não pode! Você não pode deixar ele se safar! Ele tem que fazer!”. Amiga… não, ele não tem que nada. E ninguém deveria obrigar ninguém a nada, pois isso nunca dá certo. Não se desgaste tentando fazer com que ninguém faça nada (a menos que seja seu filho, pois nesse caso, é educar). Apenas pense se vale à pena ficar com alguém assim (spoiler: não vale). Se vale, aceita essa tua realidade sem se chatear e sem brigar, se não, procura quem não se valha da Inutilidade Performática.
“Mas Sally, não adianta trocar, todo homem faz”. Não. Não. Não. Mil vezes não. Talvez todo homem pelo qual você se sinta atraída faça, e, nesse caso temos um sintoma que você tem que trabalhar. Mas pode ter certeza de que não é todo homem que faz não.
“Mas Sally, é uma estratégia de dominação, para obrigar as mulheres a fazerem tudo”. Não. Não é estratégia nenhuma, é um projeto de sofrimento casado, no qual dá match quem está com a saúde mental ruim. Nenhum homem faria um projeto que consiste em levar esporro e ter o saco enchido o tempo todo. Não é projeto, é sintoma. E você ficar nessa dinâmica é sintoma também. Abraça a pessoa assim e faz tudo sozinha ou parte para outra.
“Ain machista está dizendo que a mulher tem que fazer tudo sozinha”. NÃO. Estou colocando com uma das opções. Ou será que mulher pode ser o que ela quiser desde que atenda a determinada cartilha? Se a pessoa é feliz fazendo tudo sozinha, pois que faça, pau no cu da sociedade se achar isso ruim. Cada qual sabe o quanto pode ceder sem causar infelicidade e sobrecarga a si mesmo e querer escolher pelos outros no que eles devem ceder é tratá-los como retardados. Só tem que ter cuidado e ver se é realmente escolha ou sintoma.
Por exemplo, tem pessoas que são tão controladoras que encontram um enorme ganho secundário em se cercar de Inúteis Performáticos, assim é uma forma que a pessoa encontra de que seja tudo do seu jeito sem precisar impor uma tirania… Aí é sintoma. E você vê que é sintoma pois a pessoa não está feliz, ela reclama, sai de vítima, de raladora, de sobrecarregada. É por isso que eu digo: não existem vítimas, existem apenas consequências das nossas escolhas.
Falando com todos agora: é muito fácil detectar a Inutilidade Performática nos outros e muito difícil de percebê-la em nós mesmos, pois nós sempre temos ótimas desculpas para não fazer ou para fazer de um jeito meio cagado. Por isso, em vez de apontar nos outros, o melhor que fazemos é tentar observar isso em nós mesmos. No outro só vai ferrar o outro, se você quiser, você vai embora e o problema fico com o outro. Em você, vai te afetar o resto da vida.
Procurem se observar e identificar essas duas coisas: 1) se você realmente executa sua parte nas tarefas dos diferentes setores da vida de forma adequada, pontual e eficiente e 2) se você se cercou de inúteis performáticos, é escolha sua, não pode viver reclamando, se vitimizando ou sofrendo, ou abraça, mata no peito e faz tudo você, ou reconfigura as pessoas da sua vida.
Eu sempre fiz isso mas não sabia que tinha nome. Obrigado por enriquecer o meu dia!
Não faça mais. O maior prejudicado é você.
Obrigada por me apresentar o termo em português, Sally. Só conhecia como weaponized incompetence, não sabia que já tínhamos um equivalente. Mas reconheço o comportamento, foi uma das poucas razões pelas quais já demiti alguém. Não é aceitável. Acho ainda pior quando funcionários públicos que performam inutilidade, e infelizmente não costuma dar em nada nesse caso.
Meu parceiro não faz isso, acho que nenhum deles fez, mas também eduquei parentes para não fazer. Tempos atrás, dividindo tarefas domésticas com meu irmão, pedi que ele levasse o lixo para fora de casa e ele não levou. Deu a desculpa de que não sabia qual lixo era pra levar. Peguei na mão dele e comecei a explicar como colocar o lixo pra fora, como se estivesse explicando para uma criança de cinco anos de idade. Ele me interrompeu muito bravo, tirou todo o lixo e nunca mais tentou fazer isso com ninguém. Nem com esposa, nem com nossos pais, nem com colegas de apartamento. Não é filho, mas pelo menos fui útil às pessoas que convivem com ele hoje!
Pois é, se a pessoa não sabe como fazer, conversa e pergunta. E se, mesmo com as explicações, ela não se acha apta a fazer, conversa e pede para trocar essa tarefa por outra. Qualquer coisa é melhor do que essa atitude horrorosa, malandra e desleal.
É o tal daquele posicionamento “salário mínimo, esforço mínimo”, né Sally?
Ultimamente tenho visto tanta gente agindo assim, que olha… Não sei bem o que dizer, triste ver os rumos que a sociedade tem tomado.
De toda forma, penso que a coisa tende a se autorregular também, no sentido de que, pelo menos num ambiente profissional, esse tipo de pessoa tende a ser facilmente substituída, é só questão de tempo.
Sim, isso é muito complicado, pois quem se comporta assim não vai crescer na vida.
O salário é baixo? Dê o seu melhor e espere por reconhecimento. Se o reconhecimento não vier, tente outras oportunidades.
Já estou farto de conviver com gente que tem esse “pensamento” tacanho de “salário mínimo, esforço mínimo”! Depois,a pessoa só se fode na vida e não sabe o porquê…
A pessoa não ajuda porque não aprende a fazer ou não aprende a fazer porque não ajuda? E tenho visto muitos xófens por aí que chegam a idade adulta inaceitavelmente ineptos pra coisas bem básicas da vida, como tarefas domésticas, porque jamais ajudaram os pais em casa e também jamais demonstraram qualquer interesse em aprender. Passam vergonhas que poderiam ser evitadas e a vida é quem acaba se encarregando de lhes ensinar a importância de se ter certas habilidades de “sobrevivência”. E, como já dizia o Seu Madruga “Não há nada mais trabalhoso… Do que viver sem trabalhar!”