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Nova vida.

Nova vida.

| Sally | | 4 comentários em Nova vida.

Tem uma frase de um personagem do seriado La Casa de Papel que ilustra muito bem o texto de hoje: “É possível ter várias vidas dentro de uma vida”. Isso significa que às vezes nossa vida muda tanto, que acaba se transformando em uma nova vida, completamente diferente da anterior. E ter a consciência disso pode te ajudar muito.

Pode ser uma doença, um divórcio, um casamento, o nascimento de um filho ou uma infinidade de coisas, fato é que em alguns momentos das nossas vidas, as coisas mudam tanto que ela se torna completamente diferente do que já foi um dia. Às vezes são fatores que escolhemos, como mudar de profissão, às vezes são fatores que acontecem e não podemos evitar, como a morte de alguém.

Não importa qual seja a causa, entender quando algo dá o start para uma nova vida e se portar de acordo pode te ajudar muito nesse processo. E agora que já colocamos um “nome” para isso, você vai ter mais facilidade em reconhecer quando acontecer.

É um esforço enorme para qualquer um começar uma nova vida, ainda que seja para melhor. Se você não tiver consciência disso e continuar agindo como se tudo estivesse dentro da mais perfeita normalidade, pode acabar exaurido, estressado ou até em depressão sem nem entender o motivo. Adaptação é uma das coisas que mais cansam nossos cérebros, então, vamos jogar a favor dele, não contra.

Então, a primeira grande regra é entender quando algo, por escolha sua ou não, está te levando para uma nova vida e ser gentil com você mesmo nesse processo, ajudando, em vez de atrapalhar o processo de adaptação.

Tudo que é novo consome muita energia do cérebro: aprender, se adaptar, transformar a novidade em uma rotina funcional. Por isso, ainda que seja uma nova vida melhor ainda que ela decorra de acontecimentos positivos, saiba que você deve respeitar esse período e se observar, fazendo os ajustes necessários para que a transição para a nova vida seja o mais suave possível.

Agora, mais do que nunca, é importante respeitar o tripé da saúde: sono, alimentação, atividade física. Faça cada um desses três o melhor que conseguir. O melhor sono possível dentro da sua realidade, a melhor alimentação possível dentro da sua realidade e a prática de atividade física possível dentro da sua realidade. Se essa base estiver firme, todo o resto será mais fácil. “Mas Sally não consigo fazer direito”. Faça o melhor possível dentro da sua realidade.

A primeira coisa que quero te dizer é que é normal ficar triste de alguma forma ou sentir uma perda, ainda que estejamos falando de uma mudança muito positiva na sua vida.

O exemplo clássico é um filho. Supomos que é o evento mais feliz da vida de uma mulher, mas é uma enorme adaptação. Sua vida anterior “morre” e começa uma vida nova, que provavelmente vai ser bem melhor, mas, ainda assim, a perda da vida anterior gera um luto. Não deixa de ser uma perda. E tá tudo bem sentir essa perda, ficar triste, ter algum tipo de luto. Isso não quer dizer não gostar da nova vida. Isso quer dizer que somos humanos.

Então, se permita vivenciar um luto, se ele vier. E não depreenda desse luto uma rejeição à nova vida. Uma coisa não se diz da outra. Uma perda é sempre uma perda, não importa quão maravilhosos sejam os ganhos. É ok ficar triste. O que não é ok é se afundar em tristeza, a ponto dela dificultar sua vida. Aí é hora de pedir ajuda. E é ok pedir ajuda. Pergunte-se: a tristeza está atrapalhando a minha vida? Esse é seu guia para buscar ajuda.

Para que algo novo entre, algo velho tem que sair. O que mais derruba as pessoas é a falta de previsão do que vai realmente acontecer. Por exemplo, se você tem um filho e acha que sua vida vai ficar exatamente como está só que com um filho de plus, suas expectativas estão erradas. Muita coisa vai mudar para que essa adaptação à nova vida funcione.

Entenda que nós, humanos, somos seres com recursos limitados. Algo como The Sims da vida real: se você que turbinar um aspecto da sua vida, essa energia tem que sair de outro. Se impor atividades novas apenas como um acréscimo é uma violência contra você mesmo. Pense em um armário cheio: para que uma roupa nova possa entrar, é preciso jogar fora uma roupa antiga. Assim é com a disponibilidade emocional: para que algo novo possa entrar, é preciso retirar essa energia de outros setores.

Um exemplo bobo, mas que ganhou fama é o das roupas. Você vai ver muito CEO bem-sucedido (Mark Zuckerberg, Elon Musk e outros) sempre com a mesma roupa. Essas pessoas fizeram essa escolha de sacrificar a diversidade nas roupas para poupar energia: o tempo e energia gastos com escolha de roupa é canalizado para outras atividades.

Não estou dizendo que você tenha que usar sempre as mesmas roupas, estou explicando o mecanismo: quando estamos construindo uma nova vida, gastamos mais tempo e energia nisso, portanto, o ideal é conseguir poupar tempo e energia de outros setores da nossa vida. Onde você vai poupar tempo e energia é com você, mas é preciso fazer esse ajuste.

Achar que dá para fazer algo grandioso como construir uma nova vida sem abrir mão de nada é uma utopia. Você pode até conseguir, mas vai pagar com a alma e com a sua saúde física e mental. E não vai ficar tão bem-feito como poderia se você tivesse feito uma gestão adequada de tempo, disponibilidade emocional e energia.

Então, está começando uma nova fase? Uma nova vida? Pensa aí no que pode ser otimizado para ter mais tempo e energia até se adaptar a essa nova vida. O que você vai gastar construindo essa nova fase precisa ser tirado de algum lugar. Provavelmente de vários, provavelmente você vai precisar racionar em vários setores.

Você pode comprar quentinhas em vez de cozinhar. Você pode delegar algumas tarefas suas para outras pessoas (de forma remunerada ou não). Você pode apenas cortar tarefas que não são tão importantes (como o escolher a roupa diariamente). Você pode botar no papel uma estimativa realista de gestão de tempo de tudo que faz para ter uma visão clara do que toma seu tempo na atualidade e decidir de onde que tirar para colocar tempo no esforço de construção e adaptação para essa nova vida.

Eu também recomendo colocar no papel exatamente quais tarefas você deve investir para realizar essa transição para esse novo momento de vida. Por exemplo, se você vai mudar de país, seria indicado que, ao menos uma hora por dia, você estuda o idioma do novo país, sua cultura, suas leis. Se você vai ter um filho, que faça o mesmo com o universo infantil: aprender sobre, tornar sua casa segura para um bebê, estimar o tempo que a maternidade/paternidade vai te consumir e pensar de onde você vai cortar esse tempo e essa energia, de modo a que sobre para essa nova vida.

Planejamento é bom. Botar no papel ajuda a entender o quanto de tempo, energia e disponibilidade emocional você tem e como vai distribuí-los durante o dia. Quando a gente faz esse cálculo de cabeça, tende a errar, sempre superestimando o que somos capazes. Na nossa cabeça, sempre dá. Na prática, costuma ficar muito pesado.

Além disso, na nossa cabeça o tempo é relativo. Coisas que a gente gosta passam voando, coisas que a gente não gosta, parecem uma eternidade. Se a gente pegar o somatório de tempo que uma pessoa gasta em redes sociais por dia (Whatsapp incluído), descobre que quase ninguém que está começando uma nova vida pode se dar ao luxo de consumir frequentemente redes sociais por lazer.

Muitas pessoas acham que o único limite do corpo é a energia, ou seja, o quanto você consegue ficar acordado e funcional. Mas os limites mais importantes são sua capacidade de concentração, sua disponibilidade emocional e sua capacidade de aprendizado. Não adianta ficar acordado se esses três já não estão funcionando direito. O que nos leva à próxima dica.

Guarde as horas do dia nas quais você está na sua melhor forma para as tarefas que envolvem a vida nova. Geralmente é pela manhã, não necessariamente pela manhã cedo, mas pela manhã, quando estamos fresquinhos, não cansamos nossa mente nem nosso corpo com tudo que um dia demanda. Mas, se for em outra hora, reserve essa outra hora para isso. Assim como programas de TV tinham horário nobre, seu corpo também tem. Reserve o que é realmente importante para o horário nobre.

Converse com as pessoas próximas a você e exponha o quadro: você está entrando em uma nova vida, precisa se preparar para isso e esse preparo não é fácil. Peça ajuda, no sentido das pessoas te pouparem de tudo aquilo que possam te poupar, que entendam uma menor disponibilidade sua, que colaborem com esse projeto. Quem realmente gostar de você, vai colaborar. As pessoas não têm bola de cristal ou sequer conseguem elaborar tudo isso que estamos falando, é importante que escutem da sua boca esse pedido de ajuda.

Depois, escolha suas batalhas. Brigar, argumentar, antagonizar e similares são um dreno de energia física e emocional. Tente se poupar disso até estar adaptado à sua nova vida. Pode ser em redes sociais, pode ser com a caixa do supermercado que falou um desaforo, pode ser nos mais diferentes contextos: não compre nenhuma briga que não seja absolutamente fundamental.

Crie mecanismo para evitar distrações, interrupções ou qualquer estímulo que sabote essa adaptação. Acredite, quando você mais precisa de concentração, silêncio e consideração é quando mais imprevistos vão acontecer. Se puder, tenha uma pessoa perto de você que funcione como filtro, que filtre as demandas e só leve até você as que forem realmente urgentes.

Aprenda a olhar para você e entender depois de quanto tempo do seu dia você está exausto e sem render bem, para saber quanto dura sua “bateria cognitiva”. Observe o que você fez naquele dia que pode ser cortado, substituído ou delegado para que sua bateria dure mais. Aprenda a encaixar suas demandas dentro do período de vida da sua bateria cognitiva.

E, muito importante: não pegue nenhum projeto novo nessa fase, se puder evitá-lo. Não me refiro apenas de trabalho, nenhum projeto mesmo: começar dieta, abri um perfil em uma rede social nova, arrumar o armário… Toda sua disponibilidade emocional tem que ir para a transição para a nova vida. Muitas vezes nos sabotamos pegando várias coisas novas ao mesmo tempo, o que nos leva a não conseguir terminá-las.

Se puder, converse com pessoas que já passaram por essa mudança de vida que você está passando. Isso vai te dar uma visão mais realista do tempo e do esforço que ela vai demandar. É difícil calcular algo que nunca vivenciamos. E, se você for ruim no cálculo, se você for daquelas pessoas que sempre atrasa prazos, que sempre acha que dá e nunca dá, dobre todos os tempos estimados: se acha que uma tarefa vai durar uma hora, compute como duas.

E nada disso é um processo fechado, um cronograma estático. São mecanismos, ferramentas, que você vai aprender a adaptar. Está chegando ao final do dia exausto a ponto e não render bem no dia seguinte? Hora de cortar mais coisas. Dormiu mal, está sem disposição naquele dia? Hora de rever as prioridades. Aprenda a acomodar sua vida para um modo de redirecionamento de recursos (tempo, energia e disponibilidade emocional) flutuante, que mantenha o projeto sempre em andamento.

Tem uma infinidade de setores na vida de cada pessoa que podem precisar de ajustes: socialização, bebida, cursos paralelos, viagens, hobbies e muito mais. Só a pessoa envolvida nessa transição de vidas vai poder avaliar o que precisa ser ajustado e onde. O único cuidado que eu recomendo é tomar uma decisão adulta e racional: em vez de priorizar o que você gosta, priorize o que é realmente importante.

Provavelmente, neste ponto do texto, já tem alguém apavorado com o que está lendo. Percebam que isso não é um projeto de vida, não é assim que você vai viver para sempre. É um plano de poucos meses, até que você esteja adaptado à sua nova vida. Uma vez adaptado, o cérebro executa essa nova rotina no modo automático e ela deixa de ser um gasto enorme de energia, sobrando energia para todas as outras coisas que você quer fazer.

Assim como dedicamos uma hora do nosso dia à fisioterapia quando nos machucamos e deixamos de fazer diversas atividades por estar machucados e ter a necessidade de descanso, temos que fazer o mesmo com o cérebro, quando ele é excessivamente exigido. Tem que tirar de algum lugar para por na nova rotina. Mas passa. E normalmente passa rápido. Em média, a gente costuma se adaptar a quase tudo em três meses.

Você vai saber que está adaptado à nova vida quando as coisas começarem a fluir sem esforço, quando o que antes demorava mais tempo e consumia mais energia puder ser feito com mais facilidade. Só que não é algo de uma hora para a outra.

Por isso, à medida que as coisas forem retornando à normalidade, à medida que seu cérebro conseguir automatizar os novos processos sem gastar tanta energia com eles, você pode voltar a reintroduzir aquilo que cortou. Mas de forma gradual.

Tá tranquilo na nova rotina? Insere uma coisa nova. Espera umas duas semanas. Continua tranquilo? Insere outra. Você está construindo uma estrutura nova, cuidado para não botar peso demais, se não ela pode colapsar.

Parece fácil em tese, certo? Então por qual motivo é tão difícil de executar? Provavelmente porque somos ruins em admitir limites, em abrir mão de coisas e com perdas no geral. Perdas imediatas, ainda que impliquem em um bom ganho no longo prazo, não são o ponto forte do ser humano.

Então, suas chances de perseverar são maiores se você sempre relembrar da meta final: você está se adaptando a uma nova vida e todas as restrições serão temporárias e serão para o bem, para que você entre nessa nova vida o mais preparado possível.

Para fechar, vale lembrar que não é vergonha nem fraqueza precisar de ajuda para entrar em uma nova vida. Conversar com um profissional, eventualmente usar algum remédio que te ajude nessa transição (com prescrição médica, claro), obter informações técnicas com pessoas que tem mais experiência, etc. Não é fácil mudar de vida dentro de uma mesma vida. Não é fácil para ninguém, nem mesmo para quem faz parecer ser fácil. É normal que não seja fácil. É esperado que não seja fácil. É totalmente aceitável receber ajuda.

Acreditem, toda pessoa vive várias vidas dentro de uma vida. É inevitável. Então, salvem este texto, pois se hoje ele parece algo distante, um dia ele pode ser muito útil.

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