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PEC da Blindagem

PEC da Blindagem

| Sally | | 6 comentários em PEC da Blindagem

Este final de semana o Brasil viu pessoas indo às ruas se opor à PEC da Blindagem (ou PEC da Prerrogativa, como queiram), mas, será que todo mundo entende sobre o que se está falando?

É cada vez mais comum pegar um tema, um assunto, um projeto e rotulá-lo como “de direita” ou “de esquerda” e ver pessoas aderindo ou repudiando sem sequer entender o conteúdo, apenas por ter simpatia ou antipatia com o rótulo que colaram naquilo. Não é assim que se adota um posicionamento informado.

Por isso, apesar de acharmos que não vai passar, decidimos fazer um resumo dessa PEC, com o nosso posicionamento incluído, para que todos saibam exatamente o que está acontecendo, mastigadinho, sem politização e para ficar bem registrado que nós avisamos.

“Mas Sally, se não vai passar, por qual motivo você vai perder seu tempo fazendo um texto sobre isso?”. Porque é Brasil. A Taxa das Blusinhas também não passou, até que tentaram novamente, e novamente, até passar. Brasil é assim: aproveita um feriado, um carnaval, uma mudança de foco e aprovam as coisas na calada da noite e tentam passar aquilo novamente, meses depois. Natal tá chegando. Ano novo tá chegando. Carnaval tá chegando. É importante que todos entendam o que está em jogo.

O nome oficial é PEC 3/21 e você pode encontrar o texto completo no próprio site oficial do governo. PEC significa uma Proposta de Emenda Constitucional, ou seja, ela serve para alterar a Constituição, que é a lei mais importante do Brasil. Todas as demais leis devem estar de acordo com a Constituição, se não, perdem sua validade.

Pela sua importância no ordenamento jurídico, mexer na Constituição Federal deveria ser algo muito raro e bem pensado, pois impacta inúmeras leis inferiores. Bagunça tudo. Centenas de artigos terão que ser revistos e reinterpretados. Não é algo que deveria ser feito com a frequência que o Brasil faz, muito menos sobre assuntos que não sejam urgentes, importantes e fundamentais.

O objetivo oficial dessa PEC é dar mais segurança, independência e proteção aos parlamentares brasileiros (Deputados Federais e Senadores, que, juntos, compõe o Congresso Nacional), em função das muitas interferências e abusos que vem ocorrendo no país nos últimos anos, especialmente por parte do STF. Isso é a explicação em tese. A explicação prática eu te dou: “estão sacaneando a gente? Vamos aproveitar para enfiar uma baita impunidade com apoio popular”.

O STF comete abusos? Sim. Muitos. Todo santo dia. Precisa de um freio, pois esse desequilíbrio entre os três poderes compromete uma democracia. Porém, essa PEC não é a via adequada, pois não vai impedir abusos do STF, vai é permitir abusos do Congresso.

Percebam que o fato do STF cometer abusos não faz com que, automaticamente, uma medida para cessas esses abusos seja boa. Lei Felca tá aí para mostrar que não basta criar lei, é preciso que a lei seja adequada para combater aquilo a que se propõe.

E a PEC3/21 não é adequada. Ela não foi pensada para restaurar o equilíbrio entre os três poderes e preservar a estrutura democrática. Ela foi pensada para salvar a pele de político e torná-los inalcançáveis pelo Judiciário.

Veja bem, se já temos problemas com um Judiciário sem predador, a situação ficaria bem pior se, além disso, tivéssemos um Congresso sem predador. Não se iludam, esse projeto não foi pensado no povo, foi pensado em salvar a eles mesmos às custas de um monte de efeitos colaterais extremamente nocivos para o povo, para o país e para a democracia. E nós vamos apontar todos eles agora.

O primeiro ponto que preocupa é a chamada Imunidade Ampliada: para abrir um processo criminal contra um parlamentar será necessária a autorização do Congresso. Isso significa que se um Deputado ou Senador comete um crime, o Judiciário não pode apurar e punir se o Congresso não permitir.

Calma que piora: o Congresso decidirá se o parlamentar pode ou não ser processado através de uma votação secreta, ou seja, o povo nem ao menos ficará sabendo quem foi a favor da impunidade. Não terão qualquer constrangimento ou consequência em salvar uns aos outros, não importa quão bizarro seja o crime cometido, pois o povo nunca saberá quem votou como.

É muito complicado colocar funcionários do povo acima da lei. Se eles cometerem crime, podem não ser processados por esse crime se seus colegas livrarem sua cara. Imagina um mundo no qual seu vizinho não pode ser processado criminalmente a menos que a família dele aprove. Te parece um bom mundo? Pois é. E essas pessoas têm muito mais poder de estrago que o seu vizinho.

Não dá. Cada macaco no seu galho: crime é competência do Judiciário, é uma aberração impedir o Judiciário de atuar em caso de crime. É uma abominação que político possa dizer “Nosso colega cometeu um crime sim, para nós não permitimos que você, Judiciário, puna ele”. Não dá, ainda mais no Brasil.

Repito: eu sei que o STF comete abusos dia sim, dia também. Mas se parlamentar se tornar intocável, improcessável, se criará uma nova fonte de abusos. Vocês já se perguntaram o que político brasileiro faria se tivesse a certeza da impunidade? Não se combate abuso de um dando ferramentas para que o outro abuse também, tudo que se consegue com isso é um duplo abuso.

E nesse ponto pode ter um romântico que diga que se foi eleito pelo povo tem que ter sim essa blindagem pois é a única forma de se combater a tirania do STF. Primeiro, não é a única forma. Segundo, não seria apenas para eleitos pelo povo. A PEC prevê que Presidentes de Partido usufruam de foro privilegiado, o que os blinda também, quando esse partido tenha ao menos um representante no Congresso.

Um Presidente de Partido não é eleito pelo povo, é escolhido pelo partido. E sabemos que no Brasil as pessoas podem criar quantos partidos quiserem. Também sabemos que com dinheiro é fácil criar um partido para chamar de seu e conseguir uma das mais de 500 cadeiras no Congresso. Com dinheiro e no estado certo, a pessoa talvez consiga se eleger.

Isso significa que qualquer pessoa com muito dinheiro que queira imunidade para cometer crimes pode fundar um partido, se tornar Presidente desse partido e ganhar liberdade para cometer crimes. Qualquer pessoa que queira dedicar uma vida ao crime pode distorcer as regras, fazer um malabarismo, criar um partido e se tornar Presidente desse partido para tentar fugir de punição.

Ou, ainda mais fácil, bater à porta de um partido pequeno, oferecer uma fortuna para que esse partido que já existe o coloque como Presidente e garantir sua imunidade. Eu consigo ver todo tipo de criminoso explorando essa brecha, desde traficantes até alto empresariado que aplica golpes financeiros. É comprar um Green Card para o crime.

E mesmo que a pessoa não vire Deputado, Senador ou Presidente de Partido para cometer crimes, conhecemos o brasileiro. Se chegar lá e tiver total certeza da impunidade, provavelmente não vai se comportar 100% dentro da lei como deveria. Não se colocam pessoas em um ambiente que é historicamente problemático em matéria de honestidade, cumprimento da lei e civilidade afrouxando ainda mais as amarras. Político vai ficar ainda mais bandido e desonesto.

Talvez nem seja essa a intenção da PEC, mas sempre que a gente fala sobre qualquer regra, é preciso levar em conta o Fator Brasil. Infelizmente, é assim que as coisas são.

“Mas Sally, antigamente a Constituição Federal tinha essa previsão de não poder processar sem autorização do Congresso, se é tão ilegal, por qual motivo estava na lei antes?”. Outro contexto histórico: era um país recém-saído da ditadura, que queria assegurar que seus parlamentares não fossem perseguidos por um resquício de autoritarismo. E, ainda assim, falhou miseravelmente e deu margem a abusos, por isso essa norma foi removida.

“Mas Sally o STF também promove perseguição hoje em dia”. Ok. Mas esse remédio o país já testou e sabe que não funciona. Os abusos do STF podem continuar de muitas outras formas (o Judiciário é o mais forte dos três poderes no Brasil) e o Legislativo vai ficar com 600 filhos da puta com certeza da impunidade.

Nada como um caso concreto para te relembrar onde o Brasil pode chegar. Vamos falar de Hildebrando Pascoal.

Se você tem um pouco mais de idade, deve se lembrar de Hildebrando Pascoal, mais conhecido como “Deputado da Motosserra”. Se você não sabe quem é esta pessoa querida, eu vou te dar um breve resumo: foi condenado criminalmente por liderar um grupo de extermínio e integrar um esquema de crime organizado para tráfico de drogas e roubo de cargas. Ele foi condenado judicialmente por tráfico, tentativa de homicídio e corrupção eleitoral.

Atuava como parlamentar enquanto chefiava o crime organizado no seu estado, praticando crimes com requintes de crueldade. Sem entrar em detalhes, mas vocês podem imaginar as coisas que ele fazia, com base no apelido “Motosserra”. Somadas, suas penas totalizavam mais de 100 anos de prisão. E durante muito tempo, essa pessoa querida, ficou intocável, pois o Congresso não autorizava que encostassem nele.

Resumo: não se corrige abuso cometido por um filho da puta dando total blindagem a outro filho da puta.

Se o Brasil fosse um país sério, com políticos sérios que zelam pelos interesses do povo, a conversa seria outra. Mas não é. O Brasil é um país que elege bandido sem qualquer escrúpulo de usar o cargo em benefício próprio ou para cometer crime. Não há qualquer condição de manter essas pessoas blindadas ou seguras. Eu vou além, eu acho que essas pessoas têm que ter é medo. Medo do povo.

Se essa PEC passar, nunca mais veremos um político ser punido no Brasil, pois, para punir político, será preciso autorização de político. Esse jamais pode ser o caminho e é muita canalhice politizar esse posicionamento, inclusive pelo fato de políticos do PT também terem votado a favor dessa desgraça. Os lados não são “esquerda x direita”, pois boa parte da esquerda votou de mãos dadas com a direita. Os lados são Políticos x Povo. E você é bem otário se ficar ao lado de político.

Não dá para tomar decisões importantes com base na raiva que você sente do outro. Se sua mãe está sendo escrota com você e te impondo restrições injustas é apenas estúpido você cortar uma perna pois isso vai deixá-la chateada. É hora de usar o cérebro, não raivinha passional. Não é um namorico, é a condução de um país.

No Brasil, qualquer medida que afrouxe controle e punição de gente que detém o poder é um tiro no pé. Tanto político como juiz tem que ter medo do povo, tem que andar na linha sabendo que se fizer besteira, o bicho vai pegar. A via correta seria impor restrições ao STF e não blindar o legislativo. “Ain mas não vai acontecer”. Não mesmo, pois vocês não lutam por isso, mas, de qualquer forma, o fato de não acontecer não justifica piorar ainda mais as coisas.

Com poderoso é sempre na base da restrição, punição, limitação, nunca da proteção. Quem precisa de proteção é o povo, que, no final das contas está bastante esquecido no meio desse fogo cruzado. Não perca seu tempo tentando proteger político, você está apenas passando vergonha.

Eu sei que dói estar do mesmo lado que uns hediondos que estão se posicionando contra essa PEC, mas, lembrem-se: não é sobre lados de ideologia. Não é torcida de futebol. É sobre analisar circunstancialmente, caso a caso, o que é melhor para o Brasil naquele assunto específico. Se você fica de birra querendo se posicionar sempre contra X ou Y, se torna uma criatura não pensante, que apenas corre para o lado oposto do que alguém faz. Até relógio parado acerta duas vezes por dia.

Parem de querer proteger político. O caminho é justamente o oposto: lutar para quem tem muitos poder não tenha tanto poder e não possa cometer abusos.

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