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Gororoba de IA.

Gororoba de IA.

| Somir | | 8 comentários em Gororoba de IA.

Em inglês, a expressão AI Slop se popularizou para definir aquele conteúdo tosco feito por inteligências artificiais que começou a lotar redes sociais e a internet em geral nos últimos anos. A melhor tradução que eu encontrei foi “gororoba de IA”, porque é o que mais funciona para manter o sentido original. Embora a tecnologia seja essencial para esse tipo de material, não é como se esse tipo de gororoba fosse uma novidade na nossa produção cultural…

Nota do tradutor: sim, eu sei que “slop” é uma palavra muito mais complexa que gororoba, ela não só representa a imagem de uma porcaria misturada, como também vai para o conceitual de desleixo, preguiça… e até vai para lados de algo fisicamente molhado ou até babado (quem sabe, sabe). É uma palavra coringa da bagunça. A gente em português usa dez palavras diferentes para os conceitos de “slop” na língua inglesa, então não existe tradução perfeita. Em resumo, no contexto do texto de hoje, é algo de baixa qualidade feito de qualquer jeito, nas coxas, para usar uma expressão idiomática nossa de volta.

Toda vez que eu tenho que lidar com influencers no meu trabalho, eu sou lembrado de como o ser humano médio tem dificuldade de produzir conteúdo de qualidade, ou mesmo coerente. E isso vem bem antes da popularização das ferramentas de IA. Quando você começa a procurar gente para divulgar uma marca, vai sendo exposto a diversos perfis de redes sociais que produzem seus próprios conteúdos.

E para cada perfil bacana, cem bizarros. Sim, sempre tem aquele povo que “quer ser influencer” e não faz nada com nada; mas até mesmo os que tentam seguir um nicho costumam bater numa parede de qualidade básica. E não estou falando de filmar com um celular caríssimo, estou falando da ideia de qualidade “por que outro ser humano veria isso?”. São fotos e vídeos que nada dizem, é a ideia geral de um post de rede social, mas sem nenhum motivo aparente para existir.

E isso tem a ver com a pessoa, o que ela tem de referências e capacidades. Eu, por exemplo, se fosse obrigado a produzir vídeos sobre maquiagem na internet: a primeira coisa que eu pensaria é que eu não sei nada sobre maquiagem para competir no mercado. Eu teria que estudar muito sobre o tema, ou… eu poderia subverter a ideia para se adequar a talentos que eu tenho. Eu não sei fazer a coisa real, mas sou bom de pensar no que é obviamente errado, poderia ir para um caminho de humor nonsense explicando tudo errado.

Ou, poderia ser mais malandro e fazer tutorial de maquiagem digital, algo que embora não seja especialista, tenho o conhecimento técnico e as ferramentas para dar boas dicas. Te ensino a tirar marcas no Photoshop, a acertar o tom de pele para ficar mais natural, posso até explicar como compressão de vídeo pode estragar uma maquiagem, porque se você tiver muitas texturas juntas numa imagem, o algoritmo da rede social estraga a qualidade do vídeo…

O ponto aqui é que mesmo que eu não saiba falar sobre o ponto central de maquiagem, eu ainda estou pensando em coisas que fariam valer o tempo do outro e trazendo conhecimentos reais meus para o projeto. É isso que costuma dar errado nesses aspirantes a influencer: eles parecem não entender que é feito para outras pessoas. O foco é produzir algo e “ficar rico”. Não sei se é só um comportamento narcisista ou se realmente não entendem como as coisas funcionam.

E é aqui que eu conecto o ponto da gororoba de IA: o que as ferramentas de inteligência artificial trazem para o mercado de produção de conteúdo são coisas que combinam mais com o público “mamãe quero ser influencer” do que quem realmente se importa com o que está produzindo. Ainda são as pessoas produzindo porcaria, só mudou a forma de ser uma porcaria. A pessoa que não se importava com quem está vendo seu conteúdo vai continuar não se importando.

Você pode achar as nossas opiniões horríveis aqui no Desfavor, mas ainda sim conseguimos passar a ideia de que nos importamos. É mais do que a mecânica de escrever os textos de verdade, é uma intenção que passa pelo material dos autores para os leitores. Tanto que até nossos odiadores contumazes continuam aqui dia sim, dia também. É tão de verdade que até quem detesta as ideias se sente compelido a acompanhar.

Por isso que eu argumento que o problema da gororoba de IA não é a IA, são as pessoas usando a IA. Quando a pessoa percebe que nem quem fez se importa, não tem onde se conectar. Repito: nem quer dizer que seja sobre o padrão técnico de qualidade, tem muita coisa tosca que é divertida nesse mundo. O seu gosto é rei nessas horas: entre duas horas de nerd numa oficina escura consertando videogame dos anos 90 e dois minutos de influencer falando de iPhone com produção profissional, eu fico fácil com as duas horas toscas.

O ser humano médio só é sensível à qualidade de produção depois dos seus interesses. Eu sei que quase ninguém percebe roteiro ruim ou falhas nas imagens feitas na IA, mas percebe a diferença entre quem se importa e quem não. Gororoba de IA pode render cliques por um tempo, mas se a pessoa começar a ter contato com conteúdo feito de verdade por gente que gosta daquilo e se importa com o que está produzindo, a fonte começa a secar.

Vamos ter que aguentar muita gente ainda começando a produzir conteúdo com IA achando que é atalho para ficar rica, o mercado de vender curso para esses desesperados está bombando, e até chegar à realização que não vai dar “dinheiro infinito” produzir toneladas de conteúdo ruim, vamos todos sofrer com isso. Só não queria que a IA fosse a culpada por isso. Porque são as pessoas querendo pegar atalhos, achando que todo mundo é otário, menos elas.

O que talvez seja um papo difícil para termos: embora eu sempre diga que todo mundo é criativo, não quer dizer que todo mundo consegue produzir material de qualidade. Inspiração é uma pequena parte do processo. A IA ganha muita popularidade pela ideia de que vai permitir que a maioria das pessoas consiga expressar sua criatividade, mas não é bem assim que funciona: o uso de ferramentas de geração de textos, sons e vídeos não significa que você esteja transformando a sua criatividade em algo.

Produzir o conteúdo é muito mais importante do que bolar o conteúdo. É na hora de fazer que você coloca sua intenção e consegue fazer com que outros humanos se conectem com você. A pessoa que não queria gastar a energia e o tempo de produzir antes continua não fazendo a coisa principal mesmo com a IA fazendo materiais teoricamente profissionais.

Quem está falhando na “crise da gororoba de IA” é o ser humano escrevendo o prompt. Tem gente usando essas tecnologias para fazer coisas muito interessantes, e nenhuma delas está simplesmente pedindo para o ChatGPT fazer um post sobre um tema. Estão usando a IA como ferramenta de produção para realizar sua imaginação.

Se a sua mentalidade de produção de conteúdo é uma gororoba, só vai sair gororoba, com ou sem IA. Se é um projeto de vaidade ou puramente para tirar vantagem dos tontos que não vão perceber que é IA, vai ser gororoba. Você vai ter seus cliques por um tempo, mas vai começar a falhar eventualmente, porque mesmo o mais tosco de nós tem faro para algo que não tem intenção e interesse verdadeiro por trás.

E sim, mesmo os conteúdos que você mais detesta, das maiores futilidades ao humor mais “berrando na rua” que o povão gosta, quem se dá bem na maioria das vezes é quem gosta de verdade de fazer aquilo. Os seres das trevas que ficam famosos sem lógica nenhuma existem, mas basta você conhecer o mercado de influenciadores para entender: é um em um milhão, vencedores de loteria de atenção.

A maioria não dá certo nem em nichos muito específicos. E normalmente é por falta de noção básica sobre fazer algo para outras pessoas consumirem. É claro que esse povo vai pular de cabeça na IA e infestar a internet de imagens amareladas com os mesmos dois ou três estilos que o ChatGPT faz se você não pedir nada específico.

A pessoa não produz nem para ela, nem para os outros. É uma ideia etérea de fama online como algo que simplesmente cai no colo, aquela babaquice de “fazer um vídeo para viralizar” que todo mundo achava que era possível poucos anos atrás. E isso me chama atenção aqui porque estou notando que a rejeição está caindo inteira nas costas da inteligência artificial, como se o computador tivesse colocado uma arma na cabeça desse povo desleixado e forçado eles a produzir essa gororoba toda.

Não, são as pessoas. A IA é uma máquina que não quer nada. Quem faz esses conteúdos terríveis está escolhendo desperdiçar o seu tempo. No final das contas, não é gororoba de IA, é gororoba humana. Podemos falar sobre como o capitalismo incentiva esse tipo de comportamento, como falta educação e como essas porcarias são feitas majoritariamente por pessoas pobres… mas seja como for, é coisa nossa.

A IA não é capaz de fazer algo que não tenhamos pedido de alguma forma.

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