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Desfavor Explica: Voyagers

| Somir | | 25 comentários em Desfavor Explica: Voyagers

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A foto que ilustra a postagem de hoje é o selfie mais extremo da história da humanidade. Com os braços esticados a 6,4 bilhões de quilômetros de distância, vimo-nos pelas lentes da Voyager 1 como um pálido ponto azul. A imagem icônica tirada em 1990 que virou discurso e livro nas mãos do brilhante Carl Sagan exemplifica muito bem o significado dessa fascinante missão espacial: uma nova perspectiva sobre o universo que nos cerca.

Voyager 1 e 2 são naves gêmeas lançadas pela Nasa em 1977. E atualmente, os dois objetos feitos pelo homem mais distantes da Terra. Em Agosto de 2012, a Voyager 1 deixou para trás nosso Sistema Solar e entrou em espaço interestelar. Quase 20 bilhões de quilômetros de distância e quase 40 anos de serviço… e elas ainda telefonam para casa. Se você for do tipo de pessoa que não acha nada demais nisso, duas opções: tentar entender melhor por que você está errado(a) ou procurar algo diferente para fazer.

Para quem está entendendo o tamanho do feito, sorria! Fica ainda mais impressionante.

1977

Não deixa de passar pela minha cabeça o que pessoas mais velhas sempre falam sobre os produtos do passado… eles realmente eram feitos para durar!

Não custa relembrar: As naves foram lançadas em 1977! Boa parte de nós sequer tinha nascido e computadores ainda pareciam conceitos de ficção científica para a maior parte da população mundial. Aposto que você tem um desses telefones “espertos” próximos de você, certo? Então provavelmente você tem o dobro ou mais de capacidade de armazenamento nele do que nas duas Voyagers juntas. E eu estou falando só do chip da operadora.

O cartão de memória de um celular moderno tem milhares ou milhões de vezes mais capacidade. Cada Voyager saiu de fábrica com assombrosos 70 kbytes de memória para lidar com 10 instrumentos diferentes. Se o seu iCrap ganha de goleada no quesito armazenamento, passaria MUITA vergonha na hora de comparar duração de bateria. Ambas são dotadas de um gerador termoelétrico alimentado por plutônio que se não segurou tudo funcionando até agora, pelo menos consegue fazer ligações depois de várias décadas. Quero ver o seu fazer isso!

E ainda tão longe da torre… A Voyager 1 está neste momento a mais de 19 bilhões de quilômetros de distância, transmitindo seus achados via rádio a 160 bits por segundo, um fração microscópica da velocidade média até mesmo de desgraças como internet 3G que temos aqui no Sistema Solar. A força desse sinal também não é grandes coisas… a lâmpada sobre a sua cabeça deve ser umas cinco vezes mais forte. O sinal sai das Voyagers com mais ou menos 20 Watts de potência, mas chega aqui com uma fração desse poder… para vocês terem uma noção a calculadora mostra erro quanto tenta-se calcular quantos zeros depois da vírgula isso seria. O sinal viaja na velocidade da luz e mesmo assim precisa de algo em torno de 16 horas para chegar!

E essa coisa toda foi planejada para funcionar em 1977. Ambas as naves são idênticas; sendo lançadas com câmeras, sensores infravermelhos e ultravioletas além de uma série de instrumentos utilizados para detectar campos magnéticos, plasma, raios cósmicos e partículas carregadas!

A própria.
A própria.

Hoje em dia a maioria desses sistemas está desligado para economizar energia, afinal, as Voyagers nem precisavam ter chegado tão longe.

VIAJANDO

A missão saiu com um timing preciso. Tão preciso que fizeram a Voyager 2 sair antes da Voyager 1! Tudo por causa do cálculo das rotas. Para aproveitar um alinhamento raro entre órbitas que só acontece a cada 176 anos (e se abrir o bico para falar algo sobre astrologia, eu vou banir o IP). A ideia era economizar combustível e usar a própria órbita dos planetas para acelerar as naves rumo aos seus próximos destinos. Como a janela de oportunidade da 2 chegou antes da 1, lá ela se foi para confundir a cabeça de todo mundo! E mesmo tendo saído antes, a 1 está bem mais longe neste momento, o caminho dela tinha “empurrões” mais fortes dos planetas e um ângulo mais leve de escape do Sistema Solar.

O objetivo principal da missão era visitar Júpiter, Saturno, Urano e Netuno com uma possibilidade de escapar para Plutão se desse na telha. Fica fácil saber se isso aconteceu: não temos fotos próximas do ex-planeta até hoje. Foram as Voyagers que trouxeram até nós muitas das fotos mais espetaculares dos planetas e luas “distantes” do Sistema Solar até hoje. Principalmente as de Urano e Netuno. Você provavelmente cresceu com um conceito visual desses planetas e luas muito diferente de seus pais por causa das Voyagers.

A mancha/tempestade de Júpiter, os anéis de Saturno, o azulado dos gigantes gelados… Todas imagens que encantaram e mexeram demais com nosso senso de escala do universo. Tão perto, tão longe. Como os quatro planetas na rota calhavam de ser gasosos, nada de fotos espetaculares de suas superfícies (e não esperemos nada do tipo por muitos e muitos anos). Mas as naves gêmeas tinham mais objetivos em suas rotas: as luas. Só em Júpiter, passaram por 8 e descobriram mais 3! Tem coisa que precisa ver de perto.

Os vulcões de Io cuspindo fumaça e detritos a 300 quilômetros de altura, os sinais de que Europa abrigava um mega-oceano por debaixo de sua crosta de gelo, as dimensões superlativas de Ganimede… Em Saturno, além de nos ajudar a compreender melhor o anel girando ao seu redor, muito influenciado pelas suas luas, as Voyagers ainda descobriram quatro novas delas. A maior lua – Titã – quase do tamanho de um planeta, mostrava de perto que estava cheia de lagos e oceanos… de metano. Aliás, foi por causa desta lua que a Voyager não foi para Plutão, tinham que fazer uma escolha entre Titã e Plutão por causa da rota e até que acabaram fazendo a certa, considerando que plutão acabou perdendo o status de planeta.

Em Urano, 11 novas luas encontradas. Muito pequenas para ser vistas, e algumas muito interessantes como Miranda: fotos de sua superfície mostram provavelmente o terrenos mais acidentado do Sistema Solar. Alguns desfiladeiros chegavam a ter 12 quilômetros de profundidade. Em Netuno, cinco novas luas. Entre elas, Tritão, que inclusive tinha uma atmosfera.

Em 1990, a última foto. A foto do começo do texto. Depois disso, começava a missão “bônus”. A de ser nossa embaixadora mais distante no Universo.

DISCO DOURADO

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As duas navezinhas não mais potentes que um relógio de pulso moderno já tinham mudado nossa compreensão sobre o Sistema Solar, mas podiam ir além. E isso já fazia parte do plano. Um grupo de especialistas comandado por Carl Sagan decidiu colocar um bônus nas naves: um disco de cobre banhado a ouro com informações sobre nós para quem quer que colocasse as mãos nele.

No disco, um guia básico de sons e imagens do nosso planeta e algumas indicações sobre nossos conhecimentos científicos na época. Analógico, tem que ser “tocado” com uma agulha para exibir o conteúdo, tipo disco de vinil mesmo. Fiquem tranquilos, colocaram uma agulha junto no pacote para garantir. Imagens e sons funcionam bem para qualquer ser que consiga enxergar e ouvir (direta ou indiretamente), mas toda a parte da escrita teve que ser adaptada.

Não chegamos num acordo sobre como escrever as coisas nem aqui nesse pálido ponto azul, imagine só com alienígenas na jogada! Engraçado como nosso cartão de visita da era espacial acabou parecendo demais com pinturas rupestres. Menor denominador comum, creio eu. Na “caixa” do disco, instruções sobre como tocá-lo, alguns conceitos básicos e algo que de vez em quando gera alguma polêmica: um mapa para chegar no Sol, com sua posição relativa às estrelas mais brilhantes nas imediações.

Até mesmo Steven Hawking já mencionou o risco potencial de quem quer que receba o mapa não estar interessado em paz e amor. Aqui mesmo na Terra temos um péssimo histórico de encontro entre civilizações em estágios tecnológicos muito diferentes. Podemos ser os índios entregando o mapa da mina para os espanhóis, por exemplo. Mas, claro, isso é muito mais “alimento para o pensamento” (da série expressões em inglês que traduzem muito mal para o português) do que preocupação legítima.

Dentro do disco temos saudações em várias línguas (55), algumas até mortas! Várias faixas musicais desde música clássica e étnica até mesmo um bom e velho rock’n roll (Chuck Berry). Claro que tem um pouco de sardinha puxada para os ianques, mas convenhamos: eles gastaram quase um bilhão de dólares com a missão até hoje. Entende-se. Umas das coisas que eu acho mais fascinantes sobre o disco são as imagens. Algumas são simples como uma sequência de números, mas outras mostram cenas e pessoas daqui.

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Esse homem da Guatemala que provavelmente nem deve ter entendido o que aconteceu direito na época tem sua imagem num disco que neste momento está fora do Sistema Solar! Um Zé Ruela qualquer, embaixador de toda a humanidade. Podem até me chamar de tendencioso, mas só a Ciência para mandar a foto desse cabra no lugar de um político ou sacerdote qualquer para nos representar no espaço. O pálido ponto azul coloca tudo em perspectiva.

JORNADA

O disco é uma ideia muito bacana, mas com certeza é um investimento de longo prazo. E bota longo nisso. Serão mais quarenta mil anos até pelo menos uma das Voyagers estar mais perto de outra estrela do que do Sol. As baterias das valentes naves cederão bem antes disso. Provavelmente daremos adeus a elas nos próximos dez anos. E daí para frente, só o Universo. As Voyagers estarão passeando pelo espaço sideral muito depois da última de nossas estruturas finalmente ruir.

Podem tirar sarro, mas eu garanto que no dia que vier a confirmação da última mensagem de uma delas eu vou sair na rua de noite, olhar para cima e acenar um adeus. Crédito para quem merece.

Para dizer que acha tudo isso uma chatice (que pena, de verdade!), para dizer que fica feliz por não terem mandado o disco hoje em dia, ou mesmo para falar que às vezes quer mandar seu telefone para ainda mais longe: somir@desfavor.com

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