Desfavor Explica: Falsos Positivos.

Desfavor Explica: Falsos Positivos

ATENÇÃO: ESTE TEXTO NÃO É FALSO, POSITIVO?
Começo hoje uma série de textos cujo objetivo é analisar de uma forma racional a irracionalidade. Mais precisamente a irracionalidade do nosso dia-a-dia. Não há o menor propósito de se criar um tratado sobre psicologia ou algo que o valha, a idéia é demonstrar como algumas “áreas escuras” da mente humana podem ser facilmente exploradas por outras pessoas, independentemente de seus motivos.

E nada melhor para começar esta série do que falar sobre os falsos positivos. Trataremos “falsos positivos” aqui como: Qualquer relação entre causa e efeito inferida a partir de premissas ou métodos errôneos.

Mes esse tipo de definição é algo meio chato por si só. Vamos partir para uma linha mais simples de pensamento: Pensemos num “amuleto da sorte”.

Digamos que eu te ofereça uma moeda da sorte contra estouro de manada de elefantes. Eu te garanto que enquanto você mantiver a moeda em seus bolsos, você NUNCA será uma vítima de uma turba de paquidermes enfurecidos. Digamos então que você me permita o benefício da dúvida e mantenha a moeda.

Anos depois, caso nos encontrássemos, você teria que dar o braço a torcer. Desde que você começou a andar com a moeda da sorte, não ouviu nem falar de um estouro de manada de elefantes. A lógica é simples no caso: A moeda realmente funciona com o propósito devido. Causa e efeito.

Mas esse é um exemplo absurdo, é claro. Existem outros elementos nesse sistema que podem explicar com facilidade por que o detentor da moeda nunca foi atacado por uma manada de elefantes. No Brasil, elefantes só podem ser vistos em zoológicos e circos. E nunca numa quantidade suficiente para se considerar uma manada. Ataques de elefantes são raros, principalmente para quem nunca teve contato com um…

Um adulto em suas faculdades mentais normais nem consideraria a possibilidade da existência de um amuleto desse tipo. Mas vários adultos em em suas faculdades mentais presumidamente normais utilizam símbolos religiosos para se proteger do mal no dia-a-dia. Qual a diferença entre os dois casos?

É mais simples do que parece. É uma questão de tamanho da “equação”. Enquanto no caso obviamente absurdo da moeda anti-estouro de manada de elefantes são apenas duas variáveis facilmente explicáveis por lógica simples, no caso do “santinho” entra uma quantidade de informações e possibilidades tão grande que torna trabalhoso demais quebrar o raciocínio em pedaços menores (“proteger do mal” é uma expressão muito complexa) até se entender que a idéia geral é um conglomerado de amuletos da sorte.

Para que o símbolo religioso se torne efetivamente apenas mais um amuleto cujo resultado prático é apenas mais um falso positivo, é necessário lidar com a maior e mais poderosa ferramenta de controle que existe, estou falando do MEDO.

Vamos voltar para o caso da moeda. O portador desse amuleto (que nem acredita muito no objeto, mas o levou por “precaução”) finalmente se encontra na situação que desprova o funcionamento dele. Durante um safári na África, depara-se com dezenas de elefantes furiosos correndo em sua direção. A situação é tal que ele está encurralado e sem nenhuma expectativa racional de escapar do perigo iminente.

O medo é um dos sentimentos mais básicos possíveis. Quando ele assume o controle da mente, não permite que nada mais complexo possa combatê-lo. O medo desliga a racionalidade e traz à tona toda a carga de instintos que carregamos conosco. Reações químicas muito mais poderosas que as habituais nos tornam máquinas de auto-preservação. A busca pela segurança é a única prioridade. A quantidade de variáveis DESABA.

Os falsos positivos ficam irresistíveis. O portador do amuleto anti-estouro de manada de elefantes tende a segurá-lo com força e manter sua esperança que no último segundo, ele vai funcionar e salvá-lo. E agora, a parte interessante: Se ele por algum acaso escapar, a lógica simples de causa e efeito vai ganhar o apoio de um exemplo empírico. Não foi apenas coincidência! Na hora que ele mais precisou, a moeda o salvou! É verdade, ele vivenciou!

Você, que está lendo, ainda sim pode imaginar outras possibilidades mais plausíveis para a sobrevivência do homem que acreditava em seu amuleto. Uma árvore no caminho pode ter desviado a manada. O homem pode ter se beneficiado por ter ficado parado e não colidido com nenhum dos animais por pura chance. Muita coisa pode fazer sentido, mas não existe nenhuma razão lógica para uma moeda, um pedaço de metal, ter qualquer função que interfira com o funcionamento da mente de elefantes, os obrigando a mudar de direção e não machucar o dono do amuleto. Dono esse que agora tem CERTEZA que o amuleto funciona. Certeza que você, observando de fora, não tem.

E vejam só, o fato de que o amuleto NÃO impediu o estouro da manada é convenientemente ignorado. A conclusão se apóia na parte mais sólida da idéia. A base, descreditada pela realidade, continua intacta com a ajuda do resultado. Isto é um falso positivo reforçado.

Porém, e se ele não escapasse? E se terminasse sua vida com uma moeda esmagada junto com o que restou da sua mão? Já que nesse exemplo fui eu que entreguei a moeda para o pobre coitado, um amigo dele vem me confrontar sobre a moeda que eu garanti ser verdadeira, um amuleto que pode ter diminuído drasticamente a chance de sobrevivência de seu dono naquela situação. Eu posso escapar de várias maneiras mantendo a presunção de poder anti-estouro de manadas de elefante:

“Eu disse que a moeda tinha que estar no bolso para funcionar. Ele morreu segurando ela.”;

“Ele não acreditava de verdade no poder dela. Isso era condição para ela funcionar.”;

“A moeda só funciona no Brasil.”;

“Elefantes africanos? Não! A moeda era para os asiáticos.”.

Para escapar de qualquer confrontamento sobre um falso positivo, aumente o número de variáveis. Uma pessoa que não tem capacidade ou coragem de questioná-lo num primeiro momento VAI continuar sendo levada ao erro de acordo com a escalabilidade da complexidade da idéia.

Repito: Estou usando um exemplo absurdo. A chance de alguém acreditar num amuleto desses, mesmo ouvindo sobre ele por intermédio de uma testemunha de seu funcionamento, é praticamente nula. Praticamente. Apenas o medo é capaz de enfraquecer sua lógica a ponto de aceitar um falso positivo simples. Lembram que o portador do amuleto no exemplo o levou apenas por “precaução”?

“No creo en las brujas, pero que las hay, las hay.”

Essa é uma relação muito comum entre a mente humana e o medo do desconhecido. Mesmo que a racionalidade não permita que alguém se entregue totalmente a uma superstição, existe uma parte de nós que não quer ser pega de surpresa no improvável caso dela ser real. Medo. O medo está lá na base, nos fazendo aceitar, pelo menos parcialmente, uma quantidade de bobagens impressionante em nossas vidas. O medo nos faz aceitar as relações lógicas simplistas entre causa e consequência sem nenhuma preocupação com a reprodutibilidade do comportamento. (A idéia é buscar padrões, e mesmo assim abandonamos essa necessidade assim que ele bate de frente com o que QUEREMOS acreditar para nos sentirmos mais seguros.) Somos muito mais permissivos nas “profundezas” de nossa consciência.

Falsos positivos são o resultado de falhas na nossa lógica causadas pelo medo do que não conhecemos. Todo mundo tem esse ponto fraco. Muita gente lucra com isso. Muita gente sofre com isso. Mas ninguém deixa de ser esmagado por elefantes por causa disso.

Os falsos positivos são uma espécie de pirâmide invertida. Basta prestar atenção na base para perceber a sua fragilidade estrutural. Nunca tente derrubar um argumento aparentemente insano pelas conclusões. O número de variáveis aumenta exponencialmente, inclusive com várias delas parecendo muito racionais.

Derrube a base. Acenda a luz.

Para me perguntar o quanto eu cobro pelo amuleto anti-estouro de manadas de elefantes, para dizer que eu abordei o assunto de forma surpreendemente não-ofensiva, ou mesmo para expor as falhas básicas na minha explicação: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Agora, uma pergunta: Somir, vocÊ acredita na chamada "Teoria da Atração"?

    Ela funcionaria mais ou menos como um Efeito Placebo: VocÊ acredita, vocÊ manifesta as mudanças, mesmo sem influências externas. Mesmo que as mudanças sejam mínimas.

    Lógico que não é do jeito idiota mostrado no filme, e eu não li o livro, mas fica a minha curiosidade em favor da sua opinião sobre o assunto. Afinal, por mais que você possa negar 100% que exista veracidade na Teoria, é uma coisa que não tem muitos furos, por ser literalmente algo abstrato demais. Sem contar que É ciência SIM, já que é estudado pela física quântica como uma explicação plausível para vários fatos.

    Pergunta: Não poderia o falso, definitivamente falso, "amuleto da sorte", de certa forma ser um foco para os pensamentos positivos de "vai dar tudo certo" e no final, dar certo mesmo? Afinl, o que são coincidências, Somir? Eu acredito fielmente que nós temos uma mãozinha inconsciente nas coincidências do mundo. Você não?

  • "Nunca tente derrubar um argumento aparentemente insano pelas conclusões."

    Verdade, o maior arrependimento até aqui foi dizer a um crente que a Bíblia era uma ficção (até) bem escrita.

    Suellen

  • Todas as vezes que me acidentei, estava com um cordão de uma cruz. Da última vez a cruz até ficou destruída. Depois troquei por um pentagrama e falhou também. Não sou descrente total, mas quando tem que acontecer, não adianta rezar e nem usar amuletos. Acredito em Carma/destino, etc

  • Vc abordou o assunto de forma surpreendemente não-ofensiva, mas deu sempre a impressão que ia chegar num ponto que não usasse o 'exemplo absurdo' e relacionar sua idéia com algo como mais plausivel, religião, etc.

    Ficou gostinho de "to be continued", pra dizer o mínimo.

    No mais, 'eu acredito piamente que se eu me afastar de blogs de humor tradicionais por medo de me alienar e só ler 'desfavor' vou me tornar uma pessoa melhor'.

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