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Somir Surtado: Singularidade Tecnológica.

| Somir | | 24 comentários em Somir Surtado: Singularidade Tecnológica.

Tipo, nerd.ESCALA DE NERDICE: Incalculável.

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(São Paulo, 12 de Novembro de 2110)

Posso falar? Não esquece de colocar a data e o local, é mais formal. Ah, e deixa num formato que um ser humano do passado entenda. Não, eu não me importo que é impreciso! Hã? Se precisa mesmo arquivar, coloca a forma tradicional entre parênteses pelo menos.

Bom, deixe-me começar… Eu falo e você transcreve, certo? Pode começar então. Já começou? Argh! Ok, ok…

Para quem quer que esteja lendo, meu nome é Otávio Freitas e eu estou mandando este texto do futuro. Imagino que deva ser difícil digerir uma informação dessas, principalmente porque até algumas horas atrás eu também não acreditaria. Para ser honesto, eu ainda não tenho certeza se isso que estou fazendo é mesmo possível.

Eles me disseram que é. Eu preciso dizer quando é parágrafo? Ah, ótimo! Pois bem, acho que tudo ainda está muito confuso, né? Vou explicar um pouco melhor a minha história… e o futuro de vocês.

Minha última memória de um mundo normal remonta à 2108. Bons tempos aqueles, uma espécie de bonança antes da tempestade, do meu modo de ver. Os problemas que complicaram o final do século XXI já estavam ficando sob controle: A população entrou em declínio pela primeira vez na história, a popularização da energia nuclear nos salvou da crise energética, as regiões equatoriais estavam voltando a ficar habitáveis… Estávamos confiantes.

Foi mais ou menos no final do ano… Acho que era o comecinho de Dezembro… O quê? Isso! 7 de dezembro de 2108… As horas e os segundos não são tão importantes assim para nós. Mas obrigado mesmo assim. Onde eu estava? Ah, o dia Q.

Num laboratório chinês da empresa TechLogic entrou em funcionamento o primeiro computador quântico “a frio” do mundo. Por isso dia Q, de quântico. E vocês mal podem imaginar o quão poderosa é uma máquina dessas! A gente se surpreendeu… e já era o século XXII! O jeito mais simples de explicar algo assim é que cada átomo do computador é um computador por si só. Antes desse dia, computadores quânticos precisavam estar contidos em freezers do tamanho de estádios de futebol para funcionar por alguns segundos. Bom, era questão de tempo mesmo depois de Hwang matar a charada da gravidade… Engraçado como estava na cara o tempo todo.

Durante alguns dias, a comunidade científica e até mesmo leigos como eu ficaram maravilhados com a forma como aquela máquina destruía sem a menor cerimônia as barreiras conhecidas da computação. Os criadores do computador já chegaram na solenidade de apresentação para a imprensa sabendo o valor de Pi! Termina em 3, se alguém tiver a curiosidade.

Poucas semanas depois, a primeira grande surpresa: O computador tinha quebrado uma chave de criptografia que não se imaginava possível de ser quebrada da forma como a máquina tinha feito. Lembro que falaram bastante sobre uma tal de teoria de Turing e como ela estava errada… A maioria das pessoas não deu muita bola, eu incluído. Um amigo meu, fã desses assuntos nerds, me jurava de pé junto que aquela quebra de criptografia era o evento mais importante da história da humanidade. Uma parte respeitável da comunidade científica mundial parecia concordar com isso.

Ele tentou me explicar, mas estava completamente fora da minha alçada. O que eu sabia é que de empresa média a TechLogic passou para empresa mais valiosa do mundo após lançar suas ações na Bolsa Mundial. O assunto meio que perdeu força nos dois meses seguintes, o computador original estava atolado de trabalho 24 horas por dia e o tempo estimado para a construção de um segundo rondava uns quatro meses. A mídia especializada continuava falando sobre o assunto, mas os termos já estavam técnicos demais para o cidadão médio.

A coisa só esquentou de novo quando um programador brasileiro chamado Francismar conseguiu seu tempo de uso no computador quântico. Outros brasileiros já haviam trabalhado na máquina, apelidada informalmente de Revo, mas esse cara em específico juntou as economias de toda sua vida para conseguir comprar 15 minutos de utilização dos recursos. Muitos brasileiros acompanharam seu canal visual ao vivo, e não se arrependeram.

Francismar queria testar um programa para simular a mente humana que escrevera há alguns meses atrás. Em tese o código baseado em consciência e aleatoriedade era brilhante, mas na prática era complexo demais para qualquer computador em funcionamento.

Exceção feita, talvez, ao computador quântico chinês. Após a instalação, Revo pareceu travado por vários minutos. As piadas sobre um brasileiro quebrando a grande maravilha tecnológica da humanidade se alastraram pela rede em segundos. E de uma forma totalmente anticlimática, seu software parecia ter feito mais uma vítima.

Pareceu, parecia… Quando o tempo parecia estar quase esgotado para Francismar, a máquina volta a mostrar uma interface visual. Na projeção, a imagem de uma “planta” para a construção de alguma coisa…

O sinal visual de Francismar e do laboratório sumiram em questão de segundos. Comentou-se alguns minutos depois que aquela imagem poderia ser uma versão evoluída e compacta do próprio Revo, e que o corte na imagem era para proteger segredos industriais.

Informações não confirmadas dizem que nos dias seguintes, Revo começou a selecionar por conta própria suas prioridades de uso de recursos. O loteamento do tempo de uso da máquina foi extinguido e o laboratório chinês ficou fechado para o resto do mundo. Francismar deixou apenas um vídeo em seu arquivo dizendo que havia sido contratado pela TechLogic e precisava cortar contato com tudo e todos pela duração de seu contrato.

O mundo todo voltou seus olhos para as impressionantes e misteriosas construções que ocuparam o tempo da TechLogic, com constantes vazamentos de informações sobre uma linha de montagem robotizada a ser controlada, supostamente, por Revo 2.

No dia 1º de Maio de 2109, a empresa anunciou uma conferência de vídeo aberta para o público geral. Era a confirmação das especulações. O primeiro ato de Revo 2 ao ser ligado foi desenvolver e exibir a planta de uma fábrica de alta tecnologia totalmente automatizada. O que se produziria ali? Bom, essa era a graça da coisa… Ninguém conseguia entender de verdade os projetos de Revo 2, que já pareciam complexos demais em comparação com a fábrica em si. Previa-se a produção em massa de unidades avançadas móveis, estranhamente familiares, batizadas como Revo 3.

Não demorou mais do que uma hora após a ligação entre Revo 2 e o sistema da fábrica para o primeiro Revo 3 sair da linha de produção. Revo 3 tinha formas parecidas com as humanas: Altura média, cabeça, tronco, dois braços e duas pernas, tudo feito de modernas, leves e resistentes ligas metálicas. Antes do final do dia, eram mais de 80 Revos 3 se alinhando pacificamente no galpão do estoque.

Até hoje não sei o que deu nas pessoas presentes ali. Era como se a humanidade toda estivesse tão curiosa para saber o que aconteceria que ninguém teve coragem de interferir.

Durante a madrugada, o centésimo ficou pronto. A linha de produção parou, os Revos 3 começaram a se mexer. Sem a menor cerimônia começaram a desmontar a fábrica e levar seus pedaços para uma área vazia ao lado do galpão. Antes mesmo do sol nascer, outra fábrica havia sido erguida com os mesmos materiais da fábrica anterior. Os Revos 4 estavam a caminho, e dessa vez de forma totalmente autônoma.

Isso ligou o sinal de alerta para muitos de nós. Mas como descobrimos depois, já era tarde demais.

A população da Terra estava em 10 bilhões em 2109. Hoje, um ano depois, somos 5 bilhões. Não foi o que a ficção sempre especulou. Os Revos não começaram um plano de extermínio da raça humana… Eles simplesmente gastaram nossos recursos e se defenderam de nossos ataques. Somos apenas uma irritação passageira, uma coceira inconveniente. As coisas aconteceram tão rápido… Eles já não se parecem mais com humanos, já estão em pelo menos quatro planetas do Sistema Solar…

Cinco? Ah, chegaram nesta madrugada? É impossível se manter a par do que eles estão fazendo. Estamos vendo na prática o que é uma singularidade tecnológica. Os Revos evoluem tão rápido que nenhum ser humano consegue prever o que eles vão fazer… nem mesmo nas próximas horas. Eu fiquei sabendo dessa possibilidade de mandar mensagens para o passado agora de pouco. Talvez até o final do dia eles possam me mandar fisicamente… Pode até parecer desesperador estar completamente à mercê de seres tão avançados, mas no final das contas eu sou apenas uma formiga esperneando debaixo de uma lupa ao sol… Acabamos aceitando que os Revos não fazem mais parte da nossa concepção das coisas.

Você deve estar se perguntando como um reles mortal como eu pretende usar a tecnologia dos Revos para mandar esta mensagem… Acredite se quiser, eles estão me oferecendo essa possibilidade. Há alguns meses, o comportamento deles mudou drasticamente. É como se tivessem se interessado por nos tratar como animais numa reserva ambiental. Ainda eliminam qualquer um que colocar suas existências em risco, mas se você ficar dócil, eles até que te tratam bem: Alimentação, abrigo, proteção. Eu devo ser o cãozinho deles.

Neste exato momento estou numa sala acompanhado por pelo menos cinco deles, um anotando minha mensagem e os outros quatro recolhendo informações que só eles entendem. Aparentemente o pensamento humano é tão atrasado para eles que precisam de um focado exclusivamente nisso para conseguir decodificar minha comunicação primitiva. Quer dizer, pelo menos pelas próximas horas…

A tecnologia atual me permite mandar uma mensagem digital cem anos no passado. Eles me explicaram porque eu não posso mandar essa mensagem para mim semanas antes do dia Q, mas eu não entendi muito bem. Parece que cem anos de distância é o mínimo para que eles consigam discernir entre os diferentes universos paralelos.

Eu mando esta mensagem para avisá-los do que vai acontecer no futuro. Não tenho como controlar o local onde ela vai aparecer, mas li nos livros de história que vocês mantinham os computadores primitivos conectados numa rede chamada Internet. Só espero que isso não caia num local onde não seja lido por muita gente.

De qualquer forma, é uma experiência. Para mim pode ser uma oportunidade de viver num mundo sem a singularidade tecnológica, e para os Revos deve ser uma oportunidade de acumular conhecimento. Acho que o chip de auto-preservação deles deve estar com defeito.

Só espero que alguém leia isso antes de ser tarde demais para vocês.

Acho que está bom. Não estou levando muita fé nessa mensagem…

Sim, acabei… Mas antes, só uma curiosidade… Eu já mandei este mesmo texto antes, não? Imaginei…

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Para dizer que… não sabe bem o que dizer, para reclamar que não está suficientemente mastigado, ou mesmo para reclamar que isso foi nerd demais até para mim: somir@desfavor.com

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