Skip to main content

Colunas

Arquivos

Desfavor Explica: Serial Killers.

| Sally | | 184 comentários em Desfavor Explica: Serial Killers.

Nossa semana comemorativa prossegue. E já que é para falar de mundo cão, falemos de sua face mais difícil e problemática. Bonitos, sedutores, bem articulados, convincentes, manipuladores e socialmente admirados, porém, nas horas vagas, matam. Desfavor explica: serial killers.

Serial Killer, ou Assassino em série, é um criminoso que comete homicídios de forma regular observando determinado padrão, compelidos por motivos pessoais. Na maior parte das vezes são classificados como psicopatas ou portadores de alguma patologia, como por exemplo uma psicose. Mas isso não quer dizer que eles necessariamente aparentem estes desvios, frequentemente se escondem entre nós e ninguém percebe do que são capazes. Pior: frequentemente eles se destacam entre nós e algumas vezes exercem até cargos de chefia.

Geralmente se dividem em serial killer psicótico, aquele que escuta vozes, tem alucinações e mata no meio de um delírio sem muita noção da realidade ou do alcance daquilo que está fazendo e serial killer psicopata, que sabe muito bem o que está fazendo, agindo por maldade, crueldade. Este tipo psicopata costuma ter uma habilidade social muito grande, pois passou a vida toda tentando perceber o comportamento esperado pelos outros para simulá-lo. Costumam ser pessoas muito sedutoras à primeira vista, bem articuladas e inteligentes. É muito fácil distingui-los em ação: o psicótico não tem a menor preocupação em acobertar o que faz, ele está transtornado pelas alucinações. O psicopata costuma planejar e acobertar seus atos. Como os psicopatas são a regra geral, focarei neles.

As escolhas dos serial killes sempre tem um denominador comum, seja a vítima, seja o local do crime, o motivo ou o modo como o crime é cometido. Os assassinatos seguem um padrão, que nem sempre é detectável com facilidade, principalmente quando o criminoso é inteligente (e a polícia não…). E, vamos combinar, se ele conseguiu matar quatro ou cinco vezes sem ser pego, deve ser inteligente. Como eu disse, a grande maioria são psicopatas, ou seja, pessoas incapazes de sentimentos morais como culpa, remorso e compaixão, o que facilita seu trabalho, pois lhes permite uma frieza e um distanciamento peculiares. Vejam bem, nem todo psicopata mata, mas quase todos os assassinos em série são psicopatas.

Essa propensão a se tornar um psicopata e assassino em série pode se manifestar desde a infância, razão pela qual muitos concluem que exista um componente genético que, quando combinado de forma desfavorável com a questão social, pode fazer aflorar esse comportamento. Os psicólogos gostam desse termo: combinação de fatores. Aparentemente ninguém nasce “condenado” a ser um serial killer por causa de sua genética assim como nem todos os que sofrem traumas e abusos acabam obrigatoriamente virando assassinos em série. Ocorre basicamente quando neguinho já nasceu meio transtornado e alguém vai e sacaneia forte chutando o pau de uma barraca que nunca foi muito estável. Junta a fome com a vontade de comer e algo se desequilibra, se quebra, se caga. E depois que esse algo se caga, grandes chances da pessoa estar cagada para sempre.

Alguns comportamentos podem indicar uma tendência para futuros problemas, como por exemplo a chamada “Tríade de MacDonald”. Não, comer hambúrguer não vai te tornar um assassino, o nome veio do estudioso que primeiro catalogou os denominadores comuns aos psicopatas em sua infância: John Marshall MacDonald. Esta tríade consiste na coexistência de três comportamentos na infância: fazer xixi na cama em idade onde isso já não é mais considerado normal, incendiar ou destruir coisas alheias e maltratar animais de estimação. Estes comportamentos não são uma sentença de sociopatia, são apenas um denominador comum que costuma estar presente na vida dos assassinos em série. Digamos que seja uma placa de atenção que todos os pais deveriam saber ler. Em tese, os primeiros sete anos de vida seriam os mais cruciais para estar atento a este tipo de comportamento e à formação da personalidade da criança.

O serial killer normalmente atua sozinho e seus assassinatos costumam ter algum tipo de “assinatura”, alguma marca em comum que deixa em todos os seus crimes. Pode ser a escolha da arma, pode ser um objeto que deixa no local, pode ser qualquer coisa que ligue o crime a ele. Normalmente eles sentem algum prazer ou compulsão por planejar meticulosamente seus atos, de modo a cometer o crime e ainda dar uma trolladinha na polícia deixando um easter egg, uma informação indireta. Um deboche: ele assina a merda que fez e fica feliz da vida que ainda assim não conseguiram prendê-lo. Isso eleva sua auto-estima e lhe dá sensação de poder.

A maior parte dos assassinos em série aprende a conviver socialmente, muitas vezes simulando sentimentos como compaixão e empatia, por perceberem que é isso que se espera deles. Observam a reação dos outros ao longo dos anos e emulam uma condizente com a situação, mais ou menos o que homem faz com mulher no primeiro encontro: enganam fingindo serem bacanas e só depois de um tempo é que você percebe que aquela gentileza toda era só encenação. Ao longo dos anos podem ficar muito bons nisso. Justamente por fingir sua vida toda, são excelentes mentirosos. Enganam pessoas próximas como esposa e mãe, porque não enganariam a gente?

Uma curiosidade: Os EUA, que são responsáveis por pouco mais de 5% da população mundial, são os maiores produtores de serial killer de todo o mundo. É dos EUA que saem 84% dos assassinos seriais. Parece uma sociedade saudável para você? Parece um bom lugar para mandar seu filho fazer “intercâmbio cultural”? Já que eles são os maiores produtores e autores do termo “serial killer”, nada como beber da fonte e ouvir a definição deles. Segundo o FBI, tecnicamente, são necessários três requisitos para que alguém possa ser chamado de serial killer: 1) quantidade de assassinatos (devem ser mais de três) 2) diversidade de cenário (os assassinatos devem ocorrer em locais diversos) 3) tempo entre eles (que pode ser de horas, dias ou anos – é o chamado “colling-off period”)

Por mais subjetivo que isso seja, após muito estudo conseguiu-se traçar algumas tendências dos assassinos em série. Claro que em matéria de ser humano, tudo é possível, nada é matemático. A existência de tendências não excluí a possibilidade de exceções. Mas a regra geral é um bom ponto de partida. Por exemplo, um serial killer tende a matar pessoas de sua etnia. Se for branco, mata branco. Seus motivos geralmente são de cunho psicológico e na cena do crime quase sempre há manifestações ligadas a sadismo e/ou questões sexuais. Um exemplo clássico, que virou referência de livro didático, foi o caso de um serial killer que sofreu sérios maus tratos na infância e depois de adulto matava mulheres cuja feição lhes lembrasse à sua mãe. É um exemplo bem básico, normalmente são mais sofisticados do que isso.

Ao que tudo indica, nos estudos feitos com assassinos em série, o assassinato em não costuma ser o desejo principal do criminoso e sim um meio para alcançá-lo. O que eles buscam, direta ou indiretamente é poder, é ter o poder de cruzar a linha do proibido. A sujeição de outra pessoa, o medo que lhe causam. De alguma forma torta isso lhes dá um reforço na auto-estima, lhes dá uma falsa sensação de autoridade, de estar no controle, no comando. Frequentemente a morte das vítimas está mais associada a um desejo de humilhá-las do que propriamente de tirar suas vidas. A recompensa não é financeira, é emocional. É como se, de uma forma muito torta, ele “virasse a mesa”. Durante a infância ele estava no papel de vítima, agora é ele quem dá as cartas. Redenção na forma de crime. Não é bem uma escolha, é um mecanismo doentio de uma mente abusada combinado com um destrambelhamento genético qualquer.

Por favor, não me decepcionem. Saibam interpretar o que vou dizer. A análise criminológica indica que assassinos em série costumam estar inseridos em um determinado padrão. Evidente que existem exceções, porém também existe um perfil que costuma ser mais recorrente entre serial killers: a maior parte são homens, jovens, brancos, com inteligência acima da média, costumam atacar mulheres e cometem seus crimes antes dos 30 anos. Não estou dizendo que todos são assim ou que todos os que tenham esta característica sejam assassinos. Estou dizendo que, dentro os assassinos em série, estas são as características mais recorrentes.

Os mecanismos psicológicos que fazem uma pessoa meio borderline com uma infância difícil virar serial killer são complexos demais para serem tratados em poucas linhas, ainda mais por uma leiga como eu. A grosso modo, como eu disse, são mecanismos onde ele revive os abusos sofridos, só que desta vez na condição de agressor. Porém nem sempre se trata de mera repetição: se apanhou bate, se foi estuprado estupra. Muitas vezes é bem mais complexo.

O numero de mulheres como serial killers é muito inferior ao de homens. Aproximadamente 10% dos assassinos em série são mulheres e seus métodos geralmente são menos violentos, como por exemplo o uso de veneno. São mais discretas, por isso mais difíceis de apanhar. Há uma teoria que defende ser proporção se serial killers homens e mulheres a mesma, com a diferença de que as mulheres dificilmente são incriminadas. Dizem ainda que a “assinatura” (a marca que a identifica no crime) da mulher serial killer é a mesma a vida toda, não muda, enquanto que a do homem poderia sofrer pequenas mudanças ao longo dos anos. Não gosto muito dessas generalizações, mas, em todo caso, até no crime mulher é mas fiel do que homem.

O ponto forte do serial killer é sua aproximação. Na maior parte dos crimes não se constata qualquer sinal de luta nas vítimas, mesmo quando elas não conheciam o assassino. Daí se depreende que o serial killer tem um abordagem pacífica e inspira confiança. As habilidades sociais dos assassinos em série são tão impressionantes que durante seu julgamento família, amigos, cônjuges, vizinhos e conhecidos sempre depõe a seu favor atestando que nunca houve qualquer indício de que ele poderia fazer algo assim. Dificilmente agem em grupo, no máximo contam com eventual ajuda de uma namorada ou namorado, mas como regra agem sozinhos mesmo.

A primeira vítima de um serial killer abre uma porta que não se fecha mais. Não há relatos de alguém com esta tendência que tenha conseguido parar após de seu primeiro assassinato. Depois que matam uma vez é como se disparasse um gatilho e é praticamente certo que ele voltará a matar novamente, provavelmente para o resto da vida. Mesmo sabendo que em algum momento serão pegos, eles simplesmente não conseguem parar. Param quando morrem ou quando as circunstâncias os obrigam, como por exemplo, quando são presos. Mas a compulsão fica latente e é possível que se ele sair de lá vinte anos depois volte a matar caso se depare com seu perfil de vítima.

Quando um assassino em série pratica diversos homicídios sem ser pego, é comum que comece a deixar cada vez mais pistas, para tornar o jogo cada vez mais perigoso (ou porque no fundo querem ser pegos, não sei). Com o tempo, o intervalo entre as mortes tende a diminuir, a medida em que o assassino vai pegando a prática. Após cometer o assassinato, ele volta automaticamente à sua rotina normal. Não esboça qualquer reação perceptível, é capaz de aparentar total normalidade. É o que chamam de “slip back”. A vida segue como se nada.

Se você está se relacionando de alguma forma com alguém que acredita ser um serial killer, saiba que ele não vai parar. Está fora de seu alcance escolher parar. Quando a pessoa se deparar com uma nova vítima que se encaixe no seu perfil, ele vai voltar a matar. Afaste-se e se possível denuncie. que o assassino vai pegando prática.

Para piorar a situação, eles geralmente tem uma vertente meio subcelebridade, que deseja se afirmar por fama ou algum tipo de notoriedade, alimentado pela industria cinematográfica e da mídia que insiste em dar uma aura de glamour a serial killers. Não tem que dar espaço para esse tipo de criminoso. Não quero dizer que não se deva noticiar, quero dizer que não se deva noticiar O criminoso. Atualmente a criminologia discute se a exaltação da mídia poderia ser um terceiro fator desencadeante desta psicopatia, além de alguma questão genética ou abusos na infância. Em conjunto ou de forma separada, a glamurização pode ser passível de desencadear um processo que desperta o desejo de promover assassinatos em série. Tudo aponta para o sim. O que seria uma doença comportamental ou genética caminha para ser também uma doença social. Depois ficam dizendo que mídia não prejudica ninguém, que “lê quem quer” ou “Vê quem quer”. Negativo. A mídia afeta e adoece a sociedade.

Na década de 70 o FBI criou um setor específico para estudos comportamentais voltados a desvendar serial killers. Desde então vem desenvolvendo estudos com assassinos em série tentando encontrar denominadores comuns entre todos e entender seu modus operandi. Hoje, esta pesquisa é o que há de mais sólido sobre serial killer e é muito interessante, quem puder ler, recomendo. Foi graças a ela que conseguiram capturar o que teria sido o maior serial killer americano, Henry Lee Lucas, que matou cerca de uma pessoa por semana de 1975 e 1983. Sim, ele passou oito anos matando uma pessoa por semana sem ser pego. *penando no que Alborghetti diria ao ler isto

Segundo estudos realizados não apenas nos EUA mas também na Europa, o número de assassinos em série vem crescendo vertiginosamente desde a década de 70. Porém, há quem conteste dizendo que não cresceu nada, que apenas tem mais gente no mundo, então tem mais assassinatos também, sem contar que hoje com a tecnologia disponível é mais viável relacionar assassinatos entre si que antigamente não seriam relacionados. Quando você consegue identificar o DNA da cena do crime tudo fica mais fácil. Entretanto, o entendimento majoritário é que sim, o número de serial killers vem crescendo.

O serial killer mais famoso da história talvez tenha sido Jack o Estripador. Não matou muito, pouco mais de dez mulheres, mas nunca foi preso, e olha que tinha bastante gente caçando ele e ele próprio chegou a mandar cartinha para a polícia. O serial killer que mais matou foi o indiano Thug Behram, estrangulou 931 pessoas, entre 1790 e 1830. Ele usava uma faixa amarela e branca para quebrar o pescoço das vítimas (teoria: o vizinho dele ouvia Zeca Pagodinho no volume máximo e essa música maldita o inspirou). Na categoria feminina a recordista é Erzsébet Báthory, uma nobre polonesa do século 17 que matou aproximadamente 600 mulheres.

Quem faz faculdade de direito em algum momento vai ter a oportunidade de estudar uma matéria chamada Criminologia, uma ciência que estuda os crimes, a criminalidade e os criminosos. Recomendo a todos, mesmo a quem não está fazendo faculdade de direito. Se puderem se inscrever nessa matéria não vão se arrepender, é muito interessante. Do ponto de vista criminológico, há muita polêmica em torno da sua classificação do serial killer psicopata: doente mental? Louco? Anormal? Normal?

No direito brasileiro, compreender a mente do criminoso é fundamental, pois para aqueles que sabem o que estão fazendo e podem se comportar conforme aquilo que a sociedade espera deles existe a cadeia, em tese, para ressocializá-los. Para aqueles que não tem a capacidade de se portar como se espera ou não sabem o que estão fazendo, existem as Medidas de Segurança, ou seja, um tratamento que se dá a gente dodói da cabeça que por mais que você tente ajudar não é capaz de mudar. Então, o tipo de pena que a pessoa vai sofrer depende da compreensão do seus atos e da capacidade de se portar conforme esperado.

A coisa mais comum é que serial killers aleguem insanidade mental ao serem presos, mas a perícia criminal atesta que apenas 5% sofrem de alguma insanidade mental no momento do crime. Geralmente esses do tipo psicopata sabem bem o que estão fazendo, tanto é que tomam os devidos cuidados para não serem flagrados. O fato de ser mentalmente doente não quer dizer que ele não seja punível. Questão muito complicada, que, mesmo se respondida, acaba trazendo uma nova controvérsia.

Psicólogos costumam afirmar que um psicopata nunca vai se tornar uma pessoa normal, não há cadeia ou reflexão que o melhore, até porque ele não sente culpa, não se arrepende. No máximo ele vai aprender a simular o comportamento que se espera dele. Sim, ele se importa em ser preso, mas por razões egoísticas: ELE vai perder a liberdade. Mas não vai sair de lá melhor, inclusive são recorrentes os casos onde são liberados e voltam a matar seguindo os mesmos padrões. Logo, o que fazer? Tranca na cadeia, e como diz o Grande Mestre D´Alborga, paga comida, paga cobertorzinho por anos, para depois soltar e ele retomar de onde parou? Ao que parece, prender não adianta, porque ele não tem a capacidade de mudar, vai prender para que?

No caso de pessoas doentes, que precisam de tratamento médico em vez de prisão, a punição seria a aplicação de uma medida de segurança, com direito a internação por quanto tempo seja necessário. Aplica medida de segurança e interna? Mas, se a ciência não pode curá-lo, se não existe remédio, vai internar para que? Como se cura algo para o qual a psiquiatria e a psicologia já bateram o martelo e disseram não ter cura? Faz o que? Devolve para a rua? Ou paga para sempre a comida e cobertorzinho?

Complicado. Estamos sem opções. Mata? Abre esse precedente e permite que algo subjetivo como uma psicopatia dê carta branca para um Estado falho e corrupto matar um ser humano? Precedente perigoso. Amanhã podem dizer que eu ou você somos psicopatas. Faz lobotomia e o mantém morto-vivo abrindo outro precedente perigosíssimo de retorno às penas corporais? Mata? Aceito sugestões, porque eu não sei o que pensar. Povo da psiquiatria e da psicologia principalmente. Faz o que?

Para dizer que prefere não ter conhecimento de causa, para dizer que se permitirem pena de morte psicopata será o novo “comunista” ou ainda para fazer alguma piada idiota envolvendo cereal: sally@desfavor.com

Comentários (184)

Deixe um comentário para @ Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.