Descult: A Artista Está Presente.

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Entre os dias 14 de Março e 31 de Maio de 2010, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMa) exibiu uma “instalação” chamada “The Artist Is Present”, de Marina Abramović. Marina, cujo sobrenome vou evitar que nem a peste por causa da letra final que não encontro em meu teclado, sentou silenciosa encarando fixamente visitantes do museu, durante horas, todos os dias. E se você já está achando chato, saiba que eu vou recomendar o documentário feito sobre esse acontecimento. Vai encarar?

Marina é uma daquelas artistas performáticas que adora “chocar a sociedade”, arquitetando e executando as mais diversas sandices para chamar a atenção das pessoas. Vocês imaginam o tipo, não? Pessoalmente, nunca fui muito fã desse tipo de arte, acho tudo simbólico demais, com exceção, é claro, da nada discreta vontade de aparecer. Entendam que não estou entrando nesse texto com a pretensão de demonstrar bagagem cultural, afinal, não estamos num lugar onde sensibilidade artística seja exatamente um predicado a ser anunciado. Ainda bem, que fique registrado.

Onde eu estava? Ah, sim… Marina. Apesar do preconceito inicial pelo seu campo de atuação, não posso negar exista um quê de trollagem nesse tipo de interação com a sociedade. Com a estratégia correta, esses arroubos de expressão artística podem gerar o interessante efeito de desmascarar as pessoas ao seu redor. Marina passou boa parte de sua carreira pelada, fazendo coisas estranhas e mantendo a pose de “alternativa”. Já gozava de relativa fama nos circuitos mais “artísticos”, mas estava afim de passar um pouco de tempo debaixo dos holofotes e ser lembrada por algo a mais do que suas esquisitices habituais.

E não sou eu fazendo uma presunção, ela mesma declara que queria mesmo chamar atenção. Não fez pose, assumiu o objetivo. Achei digno. Digno por vir de quem vem: Pode-se culpá-la de várias coisas, mas uma delas com certeza não é oportunismo. Marina passa a impressão clara de que realmente se importa e acredita no que está fazendo. Direito de cada um achar arte performática e intervenções babaquice, em muitas situações eu também acho, mas há de se louvar quem pelo menos faz isso porque quer, gosta e acha que tem função.

Essa pequena defesa logo no começo do texto é para TENTAR conter narizes torcidos e olhos revirados ao descrever sobre o que se tratava a instalação “A Artista Está Presente”: Marina sentava-se em uma cadeira, no meio de um espaçoso espaço quadrado dentro do museu, e as pessoas (qualquer uma) podiam se sentar logo a sua frente para encará-la, olhos nos olhos, sem proferir uma palavra sequer, por pelo menos quinze minutos.

Sim, a arte em questão era olhar em silêncio para os cornos de uma artista por um quarto de hora, levantar-se e ir embora. A exposição foi um sucesso estrondoso, espaços concorridos e inúmeras pessoas levadas às lágrimas só por estar ali. Só de explicar parece meio bobo, e pra mim era justamente isso até VER as cenas no documentário.

O documentário de título homônimo à exposição está passando na HBO, e com um pouco de pesquisa “tapa olho e perna de pau” também na internet. Por si só, é basicamente um apanhadão do dia a dia da exposição, com o básico de entrevistas e escolha de melhores momentos da partida. Muito bem feito, com um ritmo ágil o suficiente para até gente que faz cara feia para arte moderna (feito eu) aguentar o tranco até o final.

O documentário, como todo bom documentário (ouviu, Michael Moore?), não tenta enfiar nenhuma conclusão goela abaixo de quem o assiste. Talvez te faça mudar de ideia sobre essa obra em questão, talvez você continue achando tudo uma pataquada. Mas com certeza deixa o terreno bem preparado para que você mesmo tire suas conclusões. E foi isso que eu fiz.

Para entender um pouco sobre o que eu vou falar antes de assistir, é bom entender um pouco qual é o “layout” de Marina: Ela tinha 63 anos de idade na época do “A Artista Está Presente”, mas se ninguém te avisar, ela passa fácil por uma quarentona. E mesmo com feições pendendo bem mais para o lado exótico (vulgo narigão), ainda sim é uma mulher surpreendentemente atraente e jovial para a idade. E isso é importante para que não se confunda-a com uma mulher que evoca a imagem de matrona propriamente dita. Madura, mas sem aquela aura inofensiva de “vovó”.

As pessoas ficavam esperando sua vez para passar seus quinze minutos em frente dela, e muitas saiam de lá visivelmente abaladas. O tempo todo em silêncio, olhando fixamente nos olhos de outro ser humano. Minha empatia funcionou muito bem nesse caso porque eu nunca gostei muito de olhar nos olhos dos outros, parece uma experiência banal, mas ela claramente carrega um peso impressionante, tanto nas pessoas quanto em Marina.

É visível como depois de algum tempo as duas pessoas começam a se sentir mais vulneráveis. É tenso viver num mundo onde as pessoas tendem a não prestar atenção umas nas outras e se ver como foco central de alguém. As pessoas não parecem preparadas para isso. Apesar de achar meio exagerado, até consegui “entender” quem acabava chorando ou saía de lá desconcertado. É uma guinada brusca na vida de muita gente.

Normalmente eu não vejo o ponto desse tipo de arte, mas dessa vez pegou na veia. Posso estar fazendo o famoso papel do crítico que cria o significado para o artista, mas o importante é que havia ali uma mensagem e uma análise humana a ser depreendida. Nós nos vemos pelos olhos dos outros, a tão desejada atenção é uma via de mão dupla, muitas vezes difícil de lidar.

Tinha gente que estava claramente desconcertada ali, dava para ver na expressão da pessoa que ela estava se sentindo pelada na frente de uma multidão. Tudo isso resultado apenas de uma mulher olhando nos seus olhos por quinze minutos. Isso deve ser método de interrogatório em algum lugar do mundo, parece muito eficiente. Por si só, isso é um insight precioso sobre a mente humana. E essa parte se pega logo ao assistir o documentário.

Mas enquanto o tempo passa no filme, também corre na vida real que se propõe a captar. E é quando a exposição começa a ficar famosa em Nova Iorque e no resto do mundo que as coisas começam a ficar mais divertidas para mim. É quando as pessoas que se sentam ali começam a vivenciar os efeitos da fama alcançada pela instalação de Marina.

No começo, temos várias pessoas que só “curtem o momento”, curiosas pela quebra do cotidiano e o contato com uma artista que teve uma ideia inusitada. Mas quando começam a chegar as pessoas que receberam indicações ou viram as matérias na mídia, a reação começa a ficar mais “catártica”, parece que todo mundo começa a chorar depois de alguns minutos, gente de tudo quanto é canto não está mais numa obra de arte cabeçuda, está vivendo uma experiência quase que religiosa.

As filas começam a aumentar, pessoas começam a acampar fora do museu por dias a fio só pela oportunidade de se sentar em frente a Marina. Agora é algo que as pessoas “precisam experimentar”. E é aqui que meu lado troll começa a guiar a análise. A arte acaba domesticada, transformada em lugar comum, ponto turístico… As pessoas entram na dança porque querem se sentir parte de algo maior.

A babaquice humana volta com tudo. O primeiro passo é a transformação de Marina em uma espécie de deusa, que tudo sabe e tudo vê. Justiça seja feita: Marina nunca parece comprar essa bobagem e mantém uma invejável integridade durante o processo. E parece ser uma rotina extenuante… mesmo sentada o dia todo. São os que sentam a sua frente e se empoleiram ao seu redor assistindo os outros sentarem que vão gerando essa “aberração”.

E aberração entre aspas mesmo. É previsível que as pessoas comecem a se comportar assim, está no coração do processo de idolização tão comum ao ser humano. Mas ao mesmo tempo, isso começa a alienar e desumanizar a artista, virando a proposta de ponta-cabeça. Me parece claro que tem gente chorando e dizendo que sua vida mudou por pura auto sugestão, até mesmo crianças. Uma criança não deveria ter dentro de si “monstros” suficientes para serem desvendados por um olhar fixo de outro ser humano. Deveria ser uma experiência curiosa, não uma catarse.

Muitos babacas aparecem querendo pegar uma carona no sucesso e baratear TODO o processo com a maldição dos quinze minutos de fama. Achei o máximo como os seguranças locais não abriam nenhuma brecha para quem queria fazer daquilo um palco pessoal e dividir a atenção. Não bastava o conceito da exposição, tinham que aparecer mais. A porra da ideia toda era dissociar fama de atenção!

Se esse era o plano de Marina o tempo todo, o que pode ser depreendido pela sua alegada motivação de ser lembrada e deixar um legado, não deixa de ser uma bela de uma trollada nas pessoas que estiveram por lá. As pessoas são tão carentes e sugestionáveis que basta quinze minutos de atenção para uma pessoa se entregar completamente. Muitos(as) saíram de lá se dizendo perdidamente apaixonados, outros praticamente pregando a sobrenaturalidade do momento… Quinze minutos olhando nos olhos de alguém.

Nós aqui no desfavor sempre falamos que trollagem é arte quando você expõe a pessoa pelo o que ela realmente é, sem precisar ser invasivo. E é sublime quando você consegue fazer suas “vítimas” virem até você, pedindo mesmo que por vias indiretas para ser cobaia. Nesse ponto, eu enxerguei “A Artista Está Presente” como uma das formas mais lúdicas e… não acredito que vou escrever isso… poéticas… de trollagem possível. Marina ainda pode ser apenas mais uma intelectualóide movida a pretensão, difícil entrar na cabeça da pessoa para definir isso com certeza, mas mesmo que de forma não intencional, ainda sim tem o mérito de ser mais reveladora sobre a natureza humana do que muitas teses e estudos por aí.

É prática. É um experimento social. E por isso me chamou a atenção como poucas coisas chamaram nos últimos tempos. Altamente recomendado, principalmente se você não entrar nessa querendo colocar expressão artística num pedestal.

Ah, e tem gente pelada.

Para dizer que agora não sabe mais o que eu posso fazer para ser chato, para perguntar se eu estou punindo os leitores por discordarem de mim, ou mesmo para dizer que eu não entendi a proposta da artista (e?): somir@desfavor.com

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Comments (68)

  • “Nos anos 70, Marina Abramovic viveu uma intensa história de amor com Ulay. Durante 5 anos viveram num furgão realizando todo tipo de performances. Quando sentiram que a relação já não valia aos dois, decidiram percorrer a Grande Muralha da China; cada um começou a caminhar de um lado, para se encontrarem no meio, dar um último grande abraço um no outro, e nunca mais se ver.

    23 anos depois, em 2010, quando Marina já era uma artista consagrada, o MoMa de Nova Iorque dedicou uma retrospectiva a sua obra. Nessa retrospectiva, Marina compartilhava um minuto de silêncio com cada estranho que sentasse a sua frente. Ulay chegou sem que ela soubesse e… Foi assim.”

    (Trad. R. Robleño)

    Segue o vídeo Sally:

    http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=XNcWRbh8wQA#!

    já tinha visto? eu chorei demais…eu entendi o olhar dele como dizendo: ” sinto muito, senti sua falta”.

  • Fiquei duplamente curiosa após ler esse post. Primeiro, pra assistir ao documentário e tirar minhas próprias conclusões (sem contar que aprecio documentários). Segundo, pra saber como EU reagiria ao ser observada por alguém silente, durante 15 minutos. É algo estranho à nossa rotina. As pessoas não costumam OBSERVAR, estão preocupadas demais em JULGAR, acredito. Por isso reações tão estranhas: as pessoas não se sentem observadas, tanto quanto se sentem julgadas.

    “Entendam que não estou entrando nesse texto com a pretensão de demonstrar bagagem cultural, afinal, não estamos num lugar onde sensibilidade artística seja exatamente um predicado a ser anunciado. Ainda bem, que fique registrado.”
    Graças a GG esse espaço não privilegia discussões com tão elevado teor artístico-cultural. Acho essas discussões pseudo-intelectuais e subjetivas tão interessantes quanto observar um bloco carnavalesco…

  • Creio que as pessoas fiquem nervosas com alguém as encarando por terem a impressão de que estão sendo avaliadas.
    E como é muito mais cômodo dizer que não muda pra agradar ninguém do que olhar pra dentro, admitir que tem defeitos e decidir acabar com alguns, muita gente sai abalada. Mas talvez, a Mariana nem esteja pensando nisso. Provavelmente, jamais saberemos o que se passa na cabeça dela…

  • Dois arrependimentos.
    Um, foi nao ter colocado Valmor Chagas na lista dos mortos desse ano (Cheguei a cogita-lo, mas precisava de uma lista com somente cinco nomes.
    Dois, foi não colocar o Hugo em uma das categorias.
    Desde a trollada na superexposição forçada e o consequente faniquito do “não brinco mais aqui”, eu apostei comigo mesmo que ele trocaria de nick.

    • Hugo M. (acho)

      Eu troco de apelido quase que a cada postagem. A foto continua a mesma – todos sabem que sou eu.

      O que não quero é justamente imbecis aleatórios em geral eg ente como vc achando facilmente tudo oque escrevo.

      Percebi que existem alguns doentes que tem esta estranha fixação por mim.

  • Não teve um négocio de uma artista que ficava no meio de uma sala e o povo podia faer o que quisesse com ela? Ou eu vi em um filme…

    • Artista de sunga

      Teve sim. Havia objetos em uma mesa e você poderia usá-los nela como quisesse. Já postei aqui um link com uma matéria sobre o modo como o conceito de “arte” se diluiu, inclusive com a obra “merda do artista”. Porém, o comentário com o link é anterior a esse texto do Somir e o pessoal não deve ter clicado.

  • Rorschach, El Pistolero

    Pode compartilhar link por aqui? Se sim, aqui está o torrent pro documentário. Deve ter legenda em algum lugar. Se não, já sabem: o Somir colocará um pinto giratório naquele link.

    Eu vi o documentário agora a pouco por causa da sugestão do Somir. Eu acredito que a arte de performance seja o ápice do pseudo-intelectualismo dos pseudo-artistas que inundam as pseudos-universidades. A arte de performance é aquele estudante de História da Arte de uma faculdade privada bancado pelo pai e sem nenhum talento. É um freak show com nenhum conteúdo relevante e que só é “tolerado” porque atrai muita gente para museus e galerias de artes, paga ingressos e movimenta dinheiro.

    Esse tipo de “artista” não quer se expressar, transpor sentimentos ou causar reflexões. Eles querem aparecer e ser comentados AO MESMO TEMPO que mantém um clubinho fechado. Querem a sensação de exclusividade de pertencerem à alguma coisa ao mesmo tempo que fazem questão de que sejam vistos pelos outros. É um “vejam, eu sou artista, vocês não me entendem, vejam como sou superior e sofrido”.

    Eu mantenho a minha opinião depois de ter visto o documentário. Apesar de achar a ideia da Marina Abramovic bem esperta (queria aparecer, então propôs uma peça onde as pessoas iam vê-la por 15 minutos), não há muito de arte ali – só de trollagem mesmo. Impressionante como essa peça de A Artista está Presente funciona como um exercício de leitura fria: ela joga a performance como se fosse arte, as pessoas compram e completam como se fosse mesmo. O mais interessante nasce da estupidez e elitismo dos que estão lá do que da proposta artística em si.

    • Manterei o link intacto.

      ” ela joga a performance como se fosse arte, as pessoas compram e completam como se fosse mesmo.”

      EXATO! E como ela se posiciona como artista, acaba validada.
      É brilhante, mesmo que ela não tenha pensado nisso… É mais ou menos como aquele Desfavor da Semana onde julgávamos se Rafinha Bastos tinha trollado o Luciano Huck de propósito ou apenas amarelado. O que importava era o resultado.

    • Cara, eu discordo um pouco de ti, dado que não dá pra generalizar que toda arte performática é só pra sair mostrando o ego ferido de pessoas que querem aparecer. Há sim alguns conteúdos interessantes a serem analisados em algumas performances; como por exemplo, um trabalho que vi uma vez em Curitiba, com composição de fotografias e desenhos formados pelas tatuagens que haviam no corpo da artista. Bem legal o trabalho, havia algo a ser transmitido ali!

  • esses pseudos intelectius ego-hominis filosofiCUs são todos uns bostinhas mesmo!…não são capazes de conversar 10 minutos com vizinhos, filhos, velhos, pais de tao ocupados com seu super-trabalho-importantissimo e seus amigos virtuais e o KCT a 4 que… qdo sentam-se na frente de alguem – choram
    …e ai vem outro babaca intelectual artista p explicar em 40 mil palavras q – tinha gente pelada!
    Ooooh!

    • ” …e ai vem outro babaca intelectual artista p explicar em 40 mil palavras q – tinha gente pelada!”

      Hahahah! Podemos ficar com essa, Sally?
      Ela me diverte.

  • Joãozinho Thirty

    Penso que há um excesso de percepção crítica sobre o que a tal da artista fez. Em 90% do tempo, somos observados; somo-lo pelas câmeras das secretarias de segurança, pelas câmeras dos locais de trabalho, pelas câmeras dos bancos, pelos olhos baixos dos vizinhos inconvenientes, pelo facebook… Qual a diferença, no fim das contas? O mero olhar estático? Este é um efeito obviamente psicológico, e tem muito pouco de racional. Esta é uma era de paradoxo: quanto mais democráticas se tornam as sociedades (máxime as ocidentais) e, em tese, quanto mais se deveriam recrudescer os direitos fundamentais (como à privacidade), menos privacidade existe, menor é o círculo de arcanidades de cada um… As pessoas se espantam em perceber isso, ou são apenas carentes? Para mim, “a experiência social” promovida pela artista é anódina.

    • O mero olhar estático é a reversão do processo de alienação e desumanização típico de uma sociedade cada vez mais vigilante. A imagem da pessoa vai se tornando cada vez mais bem público, quem não evade sua privacidade é mal visto, pária moderno da Era da Comunicação.

      O olhar estático HUMANO, por sua vez, reconcilia a imagem com a percepção de quem se é. Não é mais mera concessão, é entrega.

      • Exato! indo pelo vies psicológico da coisa, o olhar estático humano representa de certa forma um espelho: você se ver nos olhos dos outros! Tal visão soa um pouco dolorosa dado o contexto pós-moderno e “a era da comunicação” que o Somir colocou.

        • Joãozinho Thirty

          Tenho minhas dúvidas…
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          Todos sabiam que a interlocutora visual fosse uma artista; todos sabiam que outrem os houvesse de observar; todos sabia, por conseguinte, que não se tratasse de um olhar genuíno, senão de um olhar com o escopo diverso daquele a que as pessoas sóem devotar suas atenções. Um olhar estático não-autêntico, portanto, conquanto humano, é idôneo para desencadear esses efeitos a que referimo-nos?
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          Penso, decididamente, que não. Neste sentido, não o distingo dos olhares que perfaçam o apanágio de uma vida sem privacidade, como o sejam os que citei em meu primeiro e-mail. Logo, mantenho minha pergunta: as pessoas se espantam em perceber a ausência de privacidade ou são apenas carentes?
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          Se a resposta for o espanto (e daí, talvez, derive a falsa reputação artística da obra), então obviamente não pode ser uma reconciliação consigo mesmo. Isto porque trata-se de um evento externo sobre o qual se dão conta inscientemente as pessoas: não tenho privacidade; tal percepção, obviamente, não diz muito sobre quem seja, autenticamente, a pessoa.
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          Se a reposta correta for a segunda, então isto demonstraria o efeito meramente psicológico e, portanto, não racional, “da percepção de si”. Quero dizer: as pessoas sentem que algo as emociona ou consterna, mas não exatamente por quê. Portanto, o objetivo de autoreconciliação em um mundo sem privacidade, de certa forma, é prejudicado, pois pressuponho que autoconciliação demande autoconhecimento, isto é, o pensamento racional do sujeito sobre si mesmo.
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          A verdade é que, pessoalmente, mantenho minha opinião de que, a mim, é algo inteiramente anódino. Não é propriamente arte (conceito greco-ocidental), não logra ser entretenimento…Parece-me uma ação tola supervalorizada pela mídia, como foi supervalorizada pela história o mictório de Duschamp.
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          • João, concordo em partes contigo, mas acho que vai mais pelo lado psicológico mesmo da coisa! Há que se considerar em certa medida que a arte contemporânea/pós-moderna não pretende seguir os dogmas do conceito “greco-ocidental” de arte. Pelo contrário, ela pretende, por vezes, quebrar os padrões e sempre questionar o pré-estabelecido. O problema é que às vezes, esse processo se extrapola de tal maneira que o conceito de arte acaba que sendo questionado; e a coisa piora quando alimentado pela “supervalorização da mídia”.

            • Joãozinho Thirty

              Ge, não me referi à Arte… ou ao menos não conferindo-lhe o fastígio em meu comentário. O que quis dizer, respondendo ao Somir, é que a ação concreta descrita no texto (o olhar estático, ainda que humano, de uma pessoa que todos sabem tratar-se de uma artista e que muitos devem supor não ser tão artísticos assim os seus fins) é que a reação das pessoas derivassem de um espanto, nos termos ao derredor dos quais construí o conceito, ou que fosse tão-só psicológica; no segundo caso, o impacto psicológico não adviria de uma reconciliação com quem se é nos olhos de outrem, pois isto pressuporia uma análise racional que envolvesse a separação entre sujeito e objeto e a operação de categorias do pensamento racional e abstrato, senão e em verdade, de um mero sentimento de estranheza, incômodo, consternação ou qualquer outro quejando com um traço comum entre as possibilidades: a insciência.
              .
              Neste sentido, mesmo para os padrões, digamos, iconoclastas da arte moderna-contemporânea, ela não lograria seu fim, ou, ao menos, não aos olhos das pessoas que constituíram o “seu objeto” (refiro-me aos que participaram da “experiência social”); talvez o lograsse pelos olhos de observadores que tendem a buscar uma radicação comum entre sua percepção fria e racional do evento e uma reação meramente psicológica das cobaias, não necessariamente fria e racional.
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              Veja, não sou dono da verdade. DEscobri este blog sexta-feira. Interessei-me em participar porque, não obstante se trate de um blog tirânico, ele envolve um despotismo especial, vale dizer, uma espécie de ditadura democrática. Por essa razão, talvez me tenha escapado no texto uma peculiaridade de seu autor para compreender o que, de fato, se quis dizer. Quanto às minhas impressões iniciais, sou tendente a mantê-las.

              • Nhmm ok, interessante tua argumentação. E bom, dono da verdade ninguém é então… Ademais, bem vindo ao blog, bem como à turminha que sempre debate por aqui! xD

  • cheguei aqui pelo ‘tutorial’ & e gostei do texto da Marina Abramo’vixi’. Poizé, existem pessoas estranhas no mundo. Artistas plásticos tem o ego mto parecido com o de ídolos pop, inclusive a certeza de estarem fazendo algo de muito importante para a humanidade. Entendo porque é fácil achar essa gente insuportável, eu acho a maioria. Quanto a Marina eu sempre gostei dos trabalhos dela, justamente os mais absurdos. Se a pessoa fica dias sobre uma pilha de ossos limpando cada um ao menos está se comprometendo com o extremo das situações.
    Quanto ao documentário eu adorei. Mostrou um apanhado do que ela já fez e alguns detalhes da vida dela com o ex marido – preciso dizer que viver num carro praticamente como indigentes por anos não passou de outra performance, afinal eles estavam ali pq escolheram e poderiam voltar pra caminha quente quando quisessem, bem diferente de quem realmente passa por dificuldades.
    Gargalhei quando aquela creyça tira a roupa na frente dela em plena performance e disse não saber que não poderia fazer isso… aham fia… fotógrafos, cinegrafistas, seguranças, no meio do MoMA, com a mulher considerada a rainha da performance… conta outra.

    • Essa parte da peladona também me fez pensar em como as pessoas parecem estar cada vez mais convencidas que TUDO é palco e que elas MERECEM atenção independentemente de mérito.

      Warhol não soltou uma frase cult, ele fez uma merda de uma profecia maligna.

  • Ficar 15 minutos olhando nos olhos de uma artista é fácil.
    Queria ver passar os mesmos 15 minutos olhando nos olhos de um mendigo.
    Não estou apenas implicando por hobbie, é que seria mesmo mais engrandecedor pra quem aceitou participar.

    • Olha, não estou apenas teimando por teimar, mas é basicamente a mesma coisa que dizer que a pessoa deveria catar um mendigo e levar para casa se quisesse companhia. Porque é mais engrandecedor do que comprar um cachorro.

      Conveniência e atratividade (não só a sexual) ainda fazem parte desse mundo.

    • Essa menção ao mendigo me fez lembrar da estória do sujeito que tira o violino da caixa e começa a tocar para a multidão na entrada de uma estação do metrô de Nova Iorque, bem na hora do rush matinal, sendo praticamente ignorado pelos passantes.

      Ocorre que o músico era Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, executando peças musicais em um Stradivarius de 1713, estimado em mais de 3 milhões de dólares. E alguém que, alguns dias antes, havia tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custaram a bagatela de mil dólares…

  • E, as vezes eu fico ruminando… porque um post do Somir sobre Arte abstrata tem apenas 5 comentários e um texto da Sally sobre Maquiagem tem mais de 300?

    É o povão chegando pro Desfavor. Acho que estamos em ritmo de carnaval…

  • Hugo M. (acho)

    A arte moderna ou plástica realmente não tem objetivo de te dar um significado. Isso fica ao cargo dos criticos ou do público em geral. Cada pessoa provavelmente terá uma opinião e isso não desqualifica a obra; a engrandece.

    Sempre tive um asco em relação a este tipo de arte e sempre achei muito mais interessantes pinturas renascentistas realistas por exemplo. Mas mudei de idéia depois de conhecer uma grande intervenção urbana de arte abstrata – o arte cidade 2 de 1997.

    [Fui convidado pela minha guia cultural e amiga colorida esquerdista estudante de sociologia (hoje ela treina o filho dela para ser o próximo grande revolucionário marxista, que Deus a abençoe), mas isso não vem ao caso.]

    A intervenção ocupou uma grande área abandonada da Barra Funda e tinha um trem especialmente preparado que levava até o centro ligando dois pontos de exposições.

    Haviam diversas salas e todas foram preparadas com elementos que acharam nos próprios locais que a pouco tempo era tomado por pessoas marginalizadas. Haviam salas repletas de seringas nas paredes e teto. Outras com pequenas cameras incrustadas no concreto direcionadas a várias partes da cidade. Algumas como na antiga sala de máquinas que era completamente escura e ficava apenas o som de um coração, dando a sensação de estar dentro de um organismo vivo ou mesmo a visão claustrofóbica pro baixo de uma chaminé com a pequena vista do céu no fim do túnel vertical, labirintos com sapatos abandonados, etc.

    Cheguei a conclusão que o mais importante não é “o que o artista quis dizer’, e sim a sensação que teve com cada obra que tenta transpassar nossas proteções lógicas e racionais de visão de mundo.

    O subjetivo é o motor da arte.

    • Hugo, concordo em partes contigo!

      Realmente a arte moderna e contemporânea não tem propósito de dar significados prontos, mas sim de ganhar significancias através da apreciação do público. Nesse contexto realmente tua frase “o subjetivo é o motor da arte” faz sentido. Mas acho que, em outros contextos como o barroco e renascença não é bem assim, ou pelo menos em partes não o é! Vejo que há certa contundência em se revelar significados prontos porém embutidos/escondidos à espera de alguém decifrar.

      E Somir, quanto à tua análise, discordo um pouco quando tu diz que essa é uma forma de trollagem. Penso em outro sentido, no viés psicológico da coisa… olhar nos olhos dos outros por um bom tempo numa sociedade em que ninguém mais sabe “dar olhos” (e ouvidos) aos outros realmente constitui uma experiência antropológica/social na medida em que – como já diziam os poetas “os olhos são a janela da alma” – mas nem por isso considero que seja uma “trollagem”.

      • Hugo M. (acho)

        Desculpe, devia ter sido mais especifico. Eu falei que antes preferia artes ‘mais objetivas e racionais’ como a renascentista. Ainda gosto. Mas não tenho mais o preconceito que tinha com a abstrata.

        • Desistam, seus Cults

          Vocês nunca vão me superar esta semana: fungos na buceta da mãe e macaquitas maquiadas ofuscarão sua conversa de qualidade

          *risada maligna

          • Hugo M. (acho)

            Numa analogia livre, permito-me ousar em dizer que ‘fungos na buceta da mãe’, seria como arte renascentista, objetiva e concreta.

            ‘Macaquitas maquiadas’, arte abstrata.

            • Você é doente. Você encontra correlação entre fungos na buceta da mãe e renascentismo. Você precisa se tratar.

            • Não seria o contrário, Hugo?

              Acho que fungos de buceta estão mais pra arte abstrata do que renascença! haha
              E Sally, não diz que eu também sou doente porque… poo, que que tem sair enxergando coisas por aí? rs

              • Hugo M. (acho)

                Cara…isso é de se pensar. Se fossemos mesmo fazer esta correlação, fungos é algo real, concreto. Não existe meio termos. Ou existem fungos ou não existem. Não há espaço para imaginação ou sentimentos diferentes em cada pessoa em relação a estes fungos.

                No caso das ‘macaquitas maquiadas’ é diferente! Isso transpõe o realismo no momento em que se tem como intenção inverter a realidade de que 50% da beleza feminina pode sair com água e sabão. Sem contar a infinidade de possibilidades que pode causar como impressão no público.

                Por isso, volto a firmar que o segundo caso estaria mais para arte abstrata, subjetiva e por isso mesmo mais discutível.

                Acho que é isso. Ou não, claro.

                • O objetivo de Sally é expor a contradição inerente à natureza humana através de um discurso meticulosamente cru. Percebe-se claramente a sensibilidade artística transcendendo o paradigma do concreto.

            • Tu leu com atenção cada linha os textos anteriores? hehe
              No mais, vamos dizer que “fungos na buceta da mãe” seja só um sentido figurado da coisa e tal… xD

  • É uma ideia genial, sem dúvida. Genial pelo fato de ser simples, claro.

    A verdade, Somir, é que muitas pessoas não conseguem se encarar no ESPELHO por 15 minutos, não se aguentam… quem dirá encarar outra pessoa. Uma pessoa calmamente te encarando fixamente pode ser uma experiênca perturbadora, principalmente para quem está se escondendo de si. E sim, parece poesia barata, mas acontece, e MUITO, nos dias de hoje.

    Hoje em dia, a rotina incesssante não deixa as pessoas se auto avaliarem como deveriam, e por isso se sentem tão mal quando outras as avaliam… e é justamente o que essa Marina faz. A julgar pela coisa toda, o que ela queria, além de chamar uma óbvia atenção para si, era mostrar às pessoas que elas precisam se olhar antes de olhar os outros, que os defeitos e incertezas DELAS são tão crus e humanos quanto os de outros. CERTEZA de que quem saiu chorando dali é porque vive apontando os defeitos alheios, mas não acham que estão realmente fazendo nada errado até pararem e serem realmente “julgadas”… ou pelo menos, de terem a impressão de que estão sendo. É uma trollada Genius, na minha opinião, porque ela não faz NADA e as pessoas ainda saem dali se sentindo, e não creio que seja outra palavra além dessa, péssimas.

    O que, né, é um bom motivo para aplaudir.

    • Por isso que eu gostei, você PODE depreender uma análise humana mais honesta, mas ao mesmo tempo é quase que uma piada com o conceito da arte… Ela estava lá para as pessoas criarem os significados para ela, assumiu isso e mesmo assim o povão acabou entrando na jogada.

      Sempre muito digno enganar as pessoas dizendo a verdade.

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