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Desfavor Bônus: Falsos cognatos.

| Sally | | 154 comentários em Desfavor Bônus: Falsos cognatos.

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Muitos brasileiros acham que falam espanhol. ACHAM. Aí soltam um “Cueca-Cuela” com a maior convicção. Não seja essa pessoa. Espanhol parece fácil, mas pode ser traiçoeiro.

O grande problema é que existem palavrinhas traiçoeiras no espanhol, que podem causar muita confusão. Estamos falando de palavras cuja pronúncias são idênticas ou muito parecidas, mas possuem significados muito diferentes. Estas palavras traiçoeiras são chamadas de “falsos cognatos” e podem causar muita confusão. Considerando que é um período de férias, viagens e turismo, decidi fazer este texto para, talvez, poupá-los de constrangimentos, mal-entendidos e de uma eventual porrada.

Antes de começar a esculhambar, corto na carne para provar que vento que venta lá, venta cá. Os falsos cognatos podem prejudicar ambos os lados. Lembro que assim que meus pais chegaram ao Brasil, sem falar uma única palavra em português, minha mãe estava preenchendo um cheque no banco e ficou na dúvida sobre a grafia correta da palavra “quarenta”, que em espanhol se escreve com “c”. Ao perguntar a uma funcionária do banco sobre a grafia correta, a Senhora Minha Mãe soltou a seguinte pérola: “Quarenta se escreve com cu?” É que na minha terra natal, a letra “q” se chama “cu”. Isso mesmo, é a “letra cu”. A funcionária do banco, muito impaciente, respondeu: “Não, Senhora, se escreve com a mão mesmo”.

Em outra ocasião, uma amiga minha veio me visitar e queria provar a culinária baiana, apesar de todos os meus avisos de ser uma comida ardida e que já vem mastigada. Fomos a um restaurante especializado e, no que ela colocou a primeira garfada na boca, começou a gritar com os olhos lacrimejando tamanha a quantidade de pimenta. O garçom veio ver o que estava acontecendo e ela, coitada, tentou explicar: abriu a boca, apontou com o dedo indicador para dentro da própria boca e começou a gritar “PICA! PICA”. Pica significa “arde” em espanhol, mas o garçom não tinha como saber. Estava vendo a hora que ele ia abrir o zíper da calça e dar a ela o que ele achava que ela estava pedindo.

Sentiram o drama? Ninguém, nem argentinos, nem brasileiros, estão livres de uma vergonha por um falso cognato.

Vamos agora falar do que interessa. Os falsos cognatos que podem colocar vocês, brasileiros, em maus lençóis. Não sem antes fazer um breve apelo: não tentem falar espanhol se vocês não sabem falar espanhol. Colocar “ito ou “ita” no final de cada palavra não é falar espanhol. Falem em português, de forma lenta e pausada, que vocês vão acabar se entendendo. Não grite, ninguém é surdo, não é questão de volume. Se precisar, fale devagar e gesticule, mas não fale um portunhol tosco, porque fica muito mais difícil de entender.

Você beberia água do vaso? Em português não, mas em espanhol sim. Vaso não é privada, é copo em espanhol, portanto, se um dia te oferecerem água do vaso, pode aceitar sem medo. O mesmo vale para um vaso de água. Tenha medo quando alguém te oferecer água do “inodoro”, que é vaso sanitário. Fica o alerta, para que quando alguém te oferecer um vaso você não olhe nos olhos da pessoa e diga “Não, obrigada, não estou com vontade de cagar”. Ou então, para quando você estiver de fato com vontade de cagar, não peça um vaso, se não vai ter que cagar em um copinho. One brazilian, one cup, já pensou?

Concha. No Brasil, colher destinada a servir alimentos líquidos ou com caldo. Em espanhol, ao menos na Argentina, buceta. Sentiu o número de problemas que isso pode gerar? Desde pedir para a garçonete uma concha em um restaurante, até fazer um comentário casual como quem quer puxar assunto em uma praia falando como aquela concha é bonita. Tapa na cara quase que certo. Reforço: concha não é vagina, é um termo mais grosseiro. Conha é buceta. NÃO FALE sobre concha, esqueça que essa palavra existe. E se uma mulher te oferecer uma concha, não recuse achando que se trata de um marisco ou coisa do tipo. Aliás, desconfio que o ET Bilu seja Argentino, dada sua obsessão por concha.

Já que estamos na seara da baixaria, vamos continuar descendo o nível. Saco. Em português, testículos, em espanhol, paletó. Nada de agredir o funcionário de um estabelecimento que se disponibilizou a pendurar seu saco. Nada de agredir quem elogiar o seu saco. Comece a se preocupar quando falarem dos seus “huevos”, ou seja, os ovos, termo grosseiro para testículos. Ah sim, em alguns países o ônibus é chamado de “bus”. Adivinha como é chamado o micro-ônibus? Pois é, busseta. Se falarem que busseta vai passar por ali, não perca tempo esperando, se trata apenas de um pequeno ônibus.

Se você estiver preenchendo alguma ficha ou documento, pode ser que te peçam para “fechar”. Não feche a página, “fecha” significa data e “fechar” é datar alguma coisa. A tendência é a pessoa dobrar o papel ou fechar o livro quando o funcionário do local olha, aponta e diz “Fecha, por favor!”. Não feche, apenas date. Quando eles quiserem que você realmente feche alguma coisa vão pedir para “cerrar”, que nada tem a ver com cortar um pedaço de madeira. Isso mesmo, “cierra” não é uma região montanhosa, é uma ordem para fechar.

Outra confusão comum que pode acontecer em hotéis e estabelecimentos é o “acordar”. Você pode estar pensando que está pedindo para ser acordado do seu período do sono, mas “acordar” em espanhol é lembrar, tanto que o verbo admite a modalidade reflexiva: “se acordar de alguma coisa”, ou seja, se lembrar de alguma coisa. Se você quiser de fato ser acordado em determinada hora do seu período de sono, deve pedir para te despertarem. E se te pedirem a sua “diceccíon”, não querem saber em qual direção você vai, querem saber o seu endereço residencial.

Falemos de confusões gastronômicas. Além da fatídica “concha”, existe um mal-entendido muito comum: a comida está esquisita. Em espanhol isso quer dizer que a comida está deliciosa, requintada, apesar de que esse esquisito se escreve com “x”. Portanto, não se ofenda se uma pessoa que fala espanhol disser que sua comida está esquisita, é um dos mais altos elogios que um prato pode receber.

Em contrapartida, uma comida “rara” não é uma comida especial, de difícil preparo, é uma comida esquisita em português, no sentido de estranha, ruim, de sabor desagradável. E pasta não é uma maçaroca qualquer, pasta significa “massa”: macarrão e cia. Já pastel significa bolo e bolo se diz “torta”, por mais que seja um bolo reto. Uma coisa torta não é torta, é “torcida” e algo torcido não é torcido, é “retorcido”. Tasa com S é taixa, mas Taza com Z é xícara, isso pode fazer toda a diferença em um restaurante.

Salada quer dizer “salgada” e não aquela salada de folhas. As folhas se chamam “Ensalada”. Cuidado para não pedir salada e depois ter que amargar um prato nevado de sódio. E se quiser comer polvo, não peça polvo, a menos que você queira correr o risco de receber um prato cheio de pó. Sim, polvo é pó, portanto, se falarem que tem polvo no seu quarto, não ache que aconteceu um dilúvio. E se quiser comer polvo, peça “pulpo”.

E se te oferecerem “adereço” (que em espanhol, será com Z), não querem te ver vestido de Clovis Bornai, são apenas temperos como azeite e vinagre. Por sinal, o azeite é “aceite” e “aceitar” não é concordar, é passar azeite em algo. Aceitar se diz “aceptar”. Cubierto não é estar coberto, cubiertos são os talheres. E por falar em talher, em espanhol (se escreve “taller”) vai significar oficina mecânica, aquela que conserta seu carro. Por sua fez, oficina por lá sinônimo de escritório, centro empresarial. E se o garçom pedir para você tomar cuidado com a tapa, não se assuste, ele não vai te bater. Tapa é tampa e ele provavelmente está falando da tampa da panela. Mas se for no plural, “tapas”, é apenas um aperitivo.

Se alguém falar que você ou alguma coisa é débil, controle a vontade de partir para cima. Débil em espanhol é frágil, fisicamente falando. Se alguém realmente quiser te chamar de retardado vai te chamar de “tarado”, uma pessoa boba, infantilóide, idiota. Por sua vez, se alguém quiser de fato te chamar de tarado, significando maníaco sexual e similares, vai te chamar de “degenerado”. Recapitulando: se alguém falar que vai chamar um funcionário para carregar sua mala porque sua esposa é muito débil para carregar essa mala sozinha, não dê porrada na pessoa.

Se um amigo do seu marido o chamar de tarado, não dê porrada nele, pois ele está sendo chamado de boboca. Porém se alguém o chamar de “degenerado”, senta a mão na cara dele! Enojar não quer dizer sentir nojo e sim ficar zangado. Uma pessoa enojada é uma pessoa zangada, chateada. Nojo é asco e uma pessoa enjoada está asqueada. Se te chamarem para assistir algum espetáculo do palco, não se iluda, você não vai para o palco, palco é camarote, um local privilegiado perto do palco.

Pode acontecer de te pedirem um rato. Não, não é o animal, um rato é um curto período de tempo, seria algo como o nosso “um minutinho”, que a bem da verdade, não é exatamente 60 segundos, significa um tempo pequeno. Logo, se a camareira do hotel falar “um rato”, não há necessidade de correr, chorar e subir na cadeira. Ela só quer um minutinho para arrumar seu quarto. Quando de fato for um rato, o roedor, será dito um “Ratón” ou uma “laucha”, que é um camundongo.

E por falar em bichos, “oso” não é osso, é urso. Se alguém gritar algo sobre um “oso”, corra. Cachorros não são aqueles seus amigos caninos, cachorros são filhotes de qualquer mamífero. Sim, o espanhol é uma língua tão complicada que é possível existir “cachorros de oso” e até mesmo “cachorros de gato”. E só para constar, porque eu já vi esse erro acontecer, “cuello” não é coelho em espanhol, é pescoço. Topo não é o lugar mais alto, é uma toupeira.

Se alguém falar em borrar, não estão de acusando de ter se cagado nas calças ou de estar com medo. Borrar é apagar, em seus mais diversos aspectos. Pode ser apagar algo que foi escrito, pode ser esquecer de algum acontecimento e começar da estaca zero. Isso é fundamental quando uma mulher sugere que “borremos” algo, nada de se cagar, ok?

E se estiverem falando de você e se referirem a uma “caída”, não quer dizer que sua bunda está flácida, provavelmente estão falando de alguma queda que você sofreu, caída é queda. Se alguém falar em “sinta” (que em espanhol se escreve com “c”), a pessoa não quer que você sinta nada, muito menos está se referindo a uma peça de roupa feminina, cinta é fita.

E todo cuidado é pouco com a palavra “cola”. Não é aquela substância branca pegajosa usada para colar, normalmente cola é fila, ou então o rabo de um animal, mas pode ser uma gíria para bunda feminina. Por sua vez, colar (que em espanhol é com dois “l”) não é grudar, é o adorno que as mulheres usam no pescoço. O colar no sentido de grudar é “pegar”, mas cuidado com o contexto, pois “pegar” tanto pode ser tanto colar como bater em alguém. Já o pegar, no sentido de pegar um objeto, é “agarrar”, sem conotação sexual. Você agarra um chocolate, um casaco ou um café.

Falemos de medidas. Mais largo na verdade não é o largo como o brasileiro conhece, mais largo é mais comprido. O largo como o brasileiro conhece na verdade se chama “ancho” em espanhol. Seu antônimo, curto, é “corto”. Corto portanto não é cortar, é algo curto. Apesar de que, cortar também pode significar desligar o telefone, interromper ou encerrar uma conversa. Maior, que será escrito com “y”, não quer dizer maior, quer dizer mais velho, enquanto que menor quer dizer mais novo. O maior que vocês conhecem é o responsável pela presunção de burrice que vez por outra paira sobre a minha pessoa: MAIS GRANDE.

Sim, Senhoras e Senhores, mais grande existe e é correto, o incorreto é dizer que algo é maior. Pessoas são maiores umas que as outras (mais velhas), objetos são mais grandes. E se te perguntarem se você é surdo (que em espanhol é com Z), não querem saber se você escuta e sim se você é canhoto. E sítio não é uma fazenda, é sinônimo de lugar: você vai a um sítio onde vendem roupas, compreende? Sujo (que na verdade se escreve com “y”), não quer dizer sujeira e sim que algo é seu. O seu saco é sujo quer dizer que o paletó é seu.

Deixar uma moça embaraçada, que em espanhol seria com “z”, não é deixá-la sem graça ou com vergonha, embaraçada é grávida. Nada de sair dizendo que deixou a moça embaraçada, ou periga o pai dela te obrigar a se casar por causa de uma piada. Brinco não é o adorno que se usa na orelha, quem brinca na verdade pula. O brinco que vocês brasileiros usam na orelha se chama “aro”, mesmo que o formato não seja o de um aro. No máximo pode ser um “arito” se for um brinco pequeno. E se uma moça te convidar para mexer a cadeira, não saia arrastando móveis, “cadera” em espanhol significa quadril e “mover las caderas” é uma forma de chamar para dançar.

E atenção: nunca, NUNCA chame uma mulher de “fofa”, pois de gracinha isso não tem nada, chamar de fofa é a mesma coisa que chamar de gorda, baleia. E se ela falar para você que o seu coração late, saiba que você não está sendo chamado de cachorro, ela apenas está se referindo aos batimentos cardíacos. E se uma moça falar sobre você “pelado”, contenha-se e não tire a roupa, pelado é careca. E pelo é cabelo. Se falarem que alguém é rico, não se empolguem, não é alguém com muito dinheiro, é apenas alguém bonito, Se bem que, nos dias de hoje, talvez sejam sinônimos para muita gente…

Xiiiii… Terceira página e ainda tenho muita coisa para falar! Para não extrapolar meu limite de quatro páginas, vou fazer uma versão express daqui para frente!

Se uma pessoa se referir a uma “borracha”, certamente não estará falando daquele material plástico flexível e sim de uma pessoa bêbada. Em contrapartida, “botiquin” não é um bar e sim uma maleta de primeiros socorros. Experto não é uma pessoa esperta, é um perito em algo, alguém com formação naquilo. Conosco (que em espanhol será com “z”) não é conosco, é conhecer alguém. Mala não é a sua bagagem, mala é uma pessoa má. Desabrochar é desabotoar. Jugo é suco e juguete é brinquedo.

Pipa não é aquele brinquedo que crianças empinam no vento, é um cachimbo. Apelido é sobrenome, e sobrenome é apelido, ou seja, meu apelido é Somir e meu sobrenome é mal-amada, mal-comida, baleia e tantos outros que recebi ao longo desses cinco anos de Desfavor. Copa não é um troféu, é uma taça, como por exemplo, uma taça de vinho. E por falar em Copa, propina não é algo ilegal, é uma inocente gorjeta. Berro não é um grito, berro é agrião. Balón é a bola, não a de encher e sim aquela de praticar esportes. Abonar é pagar, acreditar é creditar algum valor em dinheiro, “alejar” não é tornar alguém deficiente e sim se distanciar.

Vago não quer dizer um lugar disponível, vago é um vagabundo, um acomodado. O que se conhece como vago em português, em espanhol é “vacío”. Frente não é a parte da frente de algo, é a sua testa. Quitar não é saldar uma dívida, quitar é tirar, por exemplo, quitar a roupa. Gracioso não tem uma conotação delicada, feminina, gracioso é engraçado, quem faz rir. Jubilado não é quem enrolou para se formar e foi expulso da faculdade, jubilado é um aposentado. Pronto não significa que aquilo está pronto, pronto significa em breve, logo.

Bem, é isso. Ainda faltaram muitos falsos cognatos, mas acredito que estas quatro páginas sirvam para que brasileiros tenham uma breve noção da confusão que pode dar se tentarem arranhar um portunhol improvisado. Português e espanhol não são tão parecidos como se pensa e isso pode dar margem para muitos mal-entendidos. Repito o conselho: falem em português, bem devagar, que as chances de serem entendidos é maior.

Para dizer que você fala espanholzito e vai me mandar um emailito para me provar que você fala a minha linguita, para nuca mais abrir a boca na presença de um argentino ou ainda para dizer que gostaria de ver Siago Tomir, Alicate e cia se virando em Buenos Aires: sally@desfavor.com

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