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Somir Surtado: Desativismo.

| Somir | | 21 comentários em Somir Surtado: Desativismo.

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Vamos começar este texto com um exercício! Vá até o espelho mais próximo, concentre-se bem na imagem que você projeta para o mundo. Olhe bem nos seus olhos e enxergue a chama da conquista brilhando no âmago do seu ser. Pense em tudo o que você quer, em todos os seus sonhos e desejos. Agora respire fundo… E mande tudo à merda. É Somir Surtado, mas poderia ser um Flertando com o Desastre: Está na hora desse mundo se desmotivar um pouco…

O discurso e a ostentação alheia são dois dos maiores combustíveis do ímpeto humano. Não estou falando de inveja como razão de tudo, caso algum pobre de espírito comece a simpatizar com meu texto. Antes mesmo de se motivar para conseguir alguma coisa, uma pessoa precisa de pelo menos algum estímulo do ambiente que a faça querer essa coisa. Historicamente, esse estímulo vem embrulhado em falas e textos apaixonados e exemplificado pela demonstração de riqueza e/ou poder dos que já gozam desses privilégios.

Na Era da Comunicação, esses dois elementos ganharam uma força inédita. Adequamos nossas expectativas de acordo com as informações que temos. Com tanta coisa rodando a internet atualmente, começa a ficar cada vez mais difícil manter seus objetivos e sonhos isolados da cacofonia de aspirações de um mundo tão conectado. Só que massificação tem o péssimo hábito de trazer junto consigo sua amiga feia: a conformidade. Existem milhões de causas para defender, bilhões de opiniões para influenciar, trilhões de dólares para se acumular… Mas cada vez menos objetivos.

Eu não acredito que a humanidade ficou mais fútil em tão pouco tempo, como na maioria esmagadora dos casos onde o passado parece um pouco menos “errado”, podemos atribuir mais ao conhecimento do problema do que propriamente à sua prevalência. A humanidade dificilmente já foi menos superficial do que é atualmente, mas pelo menos não tínhamos que escutar tantas vozes ao mesmo tempo em outras épocas. Atualmente vemos basicamente dois objetivos de vida repetidos à exaustão: Riqueza medida em acúmulo de dinheiro e popularidade baseada em mera exposição.

Dos rolezinhos aos rolexzões, nada de muito novo no fronte. Riqueza e fama são sonhos dos mais velhos e instintivos da espécie. A questão aqui é que nunca se teve tantos meios e motivações para seguir esses objetivos. Com a pervasividade dos meios de comunicação e com o aperfeiçoamento da indústria da aspiração, o ser humano médio sente-se frequentemente diminuído por não seguir ativamente essa dupla de sonhos de consumo. Mas nada temam: O que não falta por aí são formas de te manter salivando pelo queijo no final do labirinto.

Motivação e ostentação são duas mega indústrias vivendo um pico histórico de relevância. Há muito dinheiro e fama no mercado de prometer dinheiro e fama. Dizer que todo mundo pode conseguir o que quiser se for à luta arranca sorrisos e libera endorfinas; falar sobre os feitos incríveis de quem se manteve motivado contra todas as possibilidades ilumina os porões escuros de mentes fechadas pela insegurança… Demonstrar as vantagens conquistadas por quem “chegou lá” passa um senso de propósito que renova as forças e nos mantém focados.

Pena que no final das contas tudo não passa de propaganda para a grande loteria da sociedade humana. O que ninguém gosta de falar é que talvez nem se você quiser muito vai conseguir seguir os passos desses vencedores. Aliás, você provavelmente não vai conseguir. É só juntar as informações que recebemos com uma pequena dose de bom senso: Faz sentido que a principal barreira a conquista de riqueza e fama seja apenas vontade de conseguí-las? Que o que vai realmente virar o jogo é a motivação?

Nos dias atuais não estamos vendo apenas a enxurrada de celebridades instantâneas tão bem previstas por Warhol, estamos acompanhando também a quantidade ABSURDA de proponentes ao estrelato-cadente. A maioria voltando nem tão graciosamente para a obscuridade. Alguns até com muito mais vontade e talento dos que tiveram seu bilhete premiado. Pra mim a mentira mais escrota que a indústria da motivação conta é que tudo o que você quiser está separado de você pela sua vontade de conseguir.

É uma loteria. E cada vez que você coloca a mão no bolso ou doa seu tempo para o benefício de algum desses vencedores, você está comprando um tíquete. Sejamos lógicos, se todos pudessem ser ricos e famosos, os conceitos de riqueza e fama já teriam desaparecido. Nossa sociedade já se baseava nesse sistema há milênios, mas é impressionante como ficamos bons nisso. A loteria tem tantos adeptos que o abismo entre ricos e pobres está aumentando mesmo que estejamos numa era de desenvolvimento intelectual e tecnológico incompatível com isso. Não deveria mais ser um mundo de reis e rainhas.

E essa redução de objetivos pessoais tem papel integrante no fortalecimento desse jogo de azar social. Loterias funcionam quando muitos disputam pouco e mais importante: quando não se contentam com pouco. Os sonhos repetidos até mesmo em escala, não há de se apreciar a entrada na classe média se o prumo está apontado para a ostentação espalhafatosa. Como quase ninguém perde a motivação de continuar apostando, os donos do jogo não sabem mais onde enfiar tanto dinheiro.

Se o seu objetivo é o mesmo de praticamente todo mundo, as probabilidades de você ficar satisfeito são imensamente menores. Por isso que eu falo de desmotivar-se. De mandar à merda esse senso de motivação fabricado por quem quer te vender mais bilhetes… Empolgação e força-de-vontade com certeza fazem bem para nossa vida, mas não se estiverem artificialmente apontados para a imitação do sonho alheio.

Vai trabalhar mais para trocar de carro? Para comprar uma roupa de marca? Para visitar algum ponto turístico da moda? É isso mesmo o que você quer? Pode ser que seja exatamente isso o que você queira, mas enquanto essa motivação toda estiver te acompanhando, difícil saber. Muita gente que faz viagens espirituais e vai se consultar com um guru estranho na Índia (ou outra coisa babaca do tipo) não volta desapegada dos bens materiais por ter sido tocada pelo dedo mágico da sabedoria ancestral, elas simplesmente desmotivam-se da “corrida capitalista” por tempo suficiente. Até por isso não são muitos que realmente continuam nessa pegada mais zen por muito tempo: acaba sendo mais coincidência do que uma realização racional. Placebo funciona, mas tem efeitos colaterais…

Mas não, não estou falando só sobre dinheiro. Tem todo a questão dessa tara desmedida por fama sequestrando os significados de outras causas e transformando muitas das discussões importantes para a humanidade em uma simples guerra de decibéis. Não é o que se diz, é o volume no qual se diz. O ativismo como um todo segue um perigoso caminho de fusão com a indústria do entretenimento. Defende-se direitos humanos mostrando peitos, exige-se integração social com vitimização… protege-se animais mostrando cenas de tortura…

É a motivação distorcida para a fama que vai criando essas aberrações de tratar a causa como plataforma de exposição. Essa coisa de “trazer atenção” já passou do ponto faz muito tempo. Comunicar que defende uma causa já é mais importante do que defender a causa. Muitas instituições sem fins lucrativos acabam destinando a maioria de seus recursos para se promover, sob a ideia de que eventualmente alguém vai resolver o problema. É gente motivadíssima, muitas vezes beirando a irracionalidade.

Soldados perfeitos para uma batalha que acontece longe dos principais objetivos da guerra. Motivados pelo valor ridiculamente exagerado que se dá para exposição na sociedade atual. Talvez se remediados dessa aflição de auto-importância por apenas um momento percebessem que gerar conhecimento da causa não seja a motivação mais adequada para fazer alguma diferença nessa vida. Onde fica a motivação de resolver um problema? Como se saber se não é justamente isso que te completa, ao invés de transformar tudo num exercício fútil de esfregar os narizes alheios na merda desse mundo? Alguém tem que limpar essa sujeira toda.

Normalmente quem se motiva pela causa e age de acordo com suas possibilidades consegue resultados positivos. Não duvide do poder da realização pessoal mesmo em pequenos atos. Novamente, motivação é uma coisa boa, mas não pode ser combustível para te fazer acelerar rumo a qualquer objetivo. Menos. Respire fundo, desanime um pouco, curta a estagnação… desista de alguma coisa! Sério, pegue algum dos seus sonhos ligados com riqueza e fama e estrague ele. Mas, claro, com moderação.

Motivação não resolve problemas. Motivação não é o segredo para uma vida feliz e frutífera… Soluções simplórias assim tem o poder de uma pílula de açúcar. Se for para te prender num objetivo que você nem sabe se é o seu, motivação pode ser um problema. Desmotive-se um pouco mais, pelo menos o tempo suficiente para entender melhor o seu objetivo. Pode ser que dinheiro e fama não estejam nesse caminho.

E aí, se você quiser mesmo tentar a loteria… boa sorte! Você é capaz, você só precisa tentar mais, as coisas vão acontecer quando você estiver pronto para elas, o sucesso te aguarda… blá blá blá…

Para dizer que eu só tenho inveja, para dizer que essa era a desmotivação que você precisava, ou mesmo para elogiar minha camiseta do Che Guevara: somir@desfavor.com

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