Somir Surtado: Desativismo.
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Vamos começar este texto com um exercício! Vá até o espelho mais próximo, concentre-se bem na imagem que você projeta para o mundo. Olhe bem nos seus olhos e enxergue a chama da conquista brilhando no âmago do seu ser. Pense em tudo o que você quer, em todos os seus sonhos e desejos. Agora respire fundo… E mande tudo à merda. É Somir Surtado, mas poderia ser um Flertando com o Desastre: Está na hora desse mundo se desmotivar um pouco…
O discurso e a ostentação alheia são dois dos maiores combustíveis do ímpeto humano. Não estou falando de inveja como razão de tudo, caso algum pobre de espírito comece a simpatizar com meu texto. Antes mesmo de se motivar para conseguir alguma coisa, uma pessoa precisa de pelo menos algum estímulo do ambiente que a faça querer essa coisa. Historicamente, esse estímulo vem embrulhado em falas e textos apaixonados e exemplificado pela demonstração de riqueza e/ou poder dos que já gozam desses privilégios.
Na Era da Comunicação, esses dois elementos ganharam uma força inédita. Adequamos nossas expectativas de acordo com as informações que temos. Com tanta coisa rodando a internet atualmente, começa a ficar cada vez mais difícil manter seus objetivos e sonhos isolados da cacofonia de aspirações de um mundo tão conectado. Só que massificação tem o péssimo hábito de trazer junto consigo sua amiga feia: a conformidade. Existem milhões de causas para defender, bilhões de opiniões para influenciar, trilhões de dólares para se acumular… Mas cada vez menos objetivos.
Eu não acredito que a humanidade ficou mais fútil em tão pouco tempo, como na maioria esmagadora dos casos onde o passado parece um pouco menos “errado”, podemos atribuir mais ao conhecimento do problema do que propriamente à sua prevalência. A humanidade dificilmente já foi menos superficial do que é atualmente, mas pelo menos não tínhamos que escutar tantas vozes ao mesmo tempo em outras épocas. Atualmente vemos basicamente dois objetivos de vida repetidos à exaustão: Riqueza medida em acúmulo de dinheiro e popularidade baseada em mera exposição.
Dos rolezinhos aos rolexzões, nada de muito novo no fronte. Riqueza e fama são sonhos dos mais velhos e instintivos da espécie. A questão aqui é que nunca se teve tantos meios e motivações para seguir esses objetivos. Com a pervasividade dos meios de comunicação e com o aperfeiçoamento da indústria da aspiração, o ser humano médio sente-se frequentemente diminuído por não seguir ativamente essa dupla de sonhos de consumo. Mas nada temam: O que não falta por aí são formas de te manter salivando pelo queijo no final do labirinto.
Motivação e ostentação são duas mega indústrias vivendo um pico histórico de relevância. Há muito dinheiro e fama no mercado de prometer dinheiro e fama. Dizer que todo mundo pode conseguir o que quiser se for à luta arranca sorrisos e libera endorfinas; falar sobre os feitos incríveis de quem se manteve motivado contra todas as possibilidades ilumina os porões escuros de mentes fechadas pela insegurança… Demonstrar as vantagens conquistadas por quem “chegou lá” passa um senso de propósito que renova as forças e nos mantém focados.
Pena que no final das contas tudo não passa de propaganda para a grande loteria da sociedade humana. O que ninguém gosta de falar é que talvez nem se você quiser muito vai conseguir seguir os passos desses vencedores. Aliás, você provavelmente não vai conseguir. É só juntar as informações que recebemos com uma pequena dose de bom senso: Faz sentido que a principal barreira a conquista de riqueza e fama seja apenas vontade de conseguí-las? Que o que vai realmente virar o jogo é a motivação?
Nos dias atuais não estamos vendo apenas a enxurrada de celebridades instantâneas tão bem previstas por Warhol, estamos acompanhando também a quantidade ABSURDA de proponentes ao estrelato-cadente. A maioria voltando nem tão graciosamente para a obscuridade. Alguns até com muito mais vontade e talento dos que tiveram seu bilhete premiado. Pra mim a mentira mais escrota que a indústria da motivação conta é que tudo o que você quiser está separado de você pela sua vontade de conseguir.
É uma loteria. E cada vez que você coloca a mão no bolso ou doa seu tempo para o benefício de algum desses vencedores, você está comprando um tíquete. Sejamos lógicos, se todos pudessem ser ricos e famosos, os conceitos de riqueza e fama já teriam desaparecido. Nossa sociedade já se baseava nesse sistema há milênios, mas é impressionante como ficamos bons nisso. A loteria tem tantos adeptos que o abismo entre ricos e pobres está aumentando mesmo que estejamos numa era de desenvolvimento intelectual e tecnológico incompatível com isso. Não deveria mais ser um mundo de reis e rainhas.
E essa redução de objetivos pessoais tem papel integrante no fortalecimento desse jogo de azar social. Loterias funcionam quando muitos disputam pouco e mais importante: quando não se contentam com pouco. Os sonhos repetidos até mesmo em escala, não há de se apreciar a entrada na classe média se o prumo está apontado para a ostentação espalhafatosa. Como quase ninguém perde a motivação de continuar apostando, os donos do jogo não sabem mais onde enfiar tanto dinheiro.
Se o seu objetivo é o mesmo de praticamente todo mundo, as probabilidades de você ficar satisfeito são imensamente menores. Por isso que eu falo de desmotivar-se. De mandar à merda esse senso de motivação fabricado por quem quer te vender mais bilhetes… Empolgação e força-de-vontade com certeza fazem bem para nossa vida, mas não se estiverem artificialmente apontados para a imitação do sonho alheio.
Vai trabalhar mais para trocar de carro? Para comprar uma roupa de marca? Para visitar algum ponto turístico da moda? É isso mesmo o que você quer? Pode ser que seja exatamente isso o que você queira, mas enquanto essa motivação toda estiver te acompanhando, difícil saber. Muita gente que faz viagens espirituais e vai se consultar com um guru estranho na Índia (ou outra coisa babaca do tipo) não volta desapegada dos bens materiais por ter sido tocada pelo dedo mágico da sabedoria ancestral, elas simplesmente desmotivam-se da “corrida capitalista” por tempo suficiente. Até por isso não são muitos que realmente continuam nessa pegada mais zen por muito tempo: acaba sendo mais coincidência do que uma realização racional. Placebo funciona, mas tem efeitos colaterais…
Mas não, não estou falando só sobre dinheiro. Tem todo a questão dessa tara desmedida por fama sequestrando os significados de outras causas e transformando muitas das discussões importantes para a humanidade em uma simples guerra de decibéis. Não é o que se diz, é o volume no qual se diz. O ativismo como um todo segue um perigoso caminho de fusão com a indústria do entretenimento. Defende-se direitos humanos mostrando peitos, exige-se integração social com vitimização… protege-se animais mostrando cenas de tortura…
É a motivação distorcida para a fama que vai criando essas aberrações de tratar a causa como plataforma de exposição. Essa coisa de “trazer atenção” já passou do ponto faz muito tempo. Comunicar que defende uma causa já é mais importante do que defender a causa. Muitas instituições sem fins lucrativos acabam destinando a maioria de seus recursos para se promover, sob a ideia de que eventualmente alguém vai resolver o problema. É gente motivadíssima, muitas vezes beirando a irracionalidade.
Soldados perfeitos para uma batalha que acontece longe dos principais objetivos da guerra. Motivados pelo valor ridiculamente exagerado que se dá para exposição na sociedade atual. Talvez se remediados dessa aflição de auto-importância por apenas um momento percebessem que gerar conhecimento da causa não seja a motivação mais adequada para fazer alguma diferença nessa vida. Onde fica a motivação de resolver um problema? Como se saber se não é justamente isso que te completa, ao invés de transformar tudo num exercício fútil de esfregar os narizes alheios na merda desse mundo? Alguém tem que limpar essa sujeira toda.
Normalmente quem se motiva pela causa e age de acordo com suas possibilidades consegue resultados positivos. Não duvide do poder da realização pessoal mesmo em pequenos atos. Novamente, motivação é uma coisa boa, mas não pode ser combustível para te fazer acelerar rumo a qualquer objetivo. Menos. Respire fundo, desanime um pouco, curta a estagnação… desista de alguma coisa! Sério, pegue algum dos seus sonhos ligados com riqueza e fama e estrague ele. Mas, claro, com moderação.
Motivação não resolve problemas. Motivação não é o segredo para uma vida feliz e frutífera… Soluções simplórias assim tem o poder de uma pílula de açúcar. Se for para te prender num objetivo que você nem sabe se é o seu, motivação pode ser um problema. Desmotive-se um pouco mais, pelo menos o tempo suficiente para entender melhor o seu objetivo. Pode ser que dinheiro e fama não estejam nesse caminho.
E aí, se você quiser mesmo tentar a loteria… boa sorte! Você é capaz, você só precisa tentar mais, as coisas vão acontecer quando você estiver pronto para elas, o sucesso te aguarda… blá blá blá…
Concordo com essa leitura do Somir viu? Nesse momento “do hoje”, da dita “pós-modernidade” vivemos em certa ditaura da felicidade, da auto estima elevada, todos temos que sorrir e ser extrovertidos e obviamente, o sucesso não só pessoal mas financeiro também se insere aí. Acho que em certa medida devemos rever os valores sociais hoje e avaliar o que realmente vale a pena insistir. O problema é o de sempre né? pensar dói, refletir sobre si mesmo dói então…
Eu sou simpática a técnicas desmotivacionais, pois acho que tem muito entusiASNO por aí. Inclusive meu livro de cabeceira é o Minutos de Estupidez, caso queiram conhecer: http://operabufa.uol.com.br/imagens/minutos_amostra.pdf
Bem vindo de volta Mr Caralho na Cara!
A proposito um otimo texto sobre ser mais realista em relacao a metas pessoais
Durante a aula de ontem, enquanto o professor explicava sobre SAC e Price, tive que conter a vontade de chorar ao lembrar deste texto. Fiquei imaginando que talvez eu estivesse perdendo o meu tempo ao querer mudar o rumo da minha vida.
Somir faz parecer um crime a pessoa querer mudar de existência medíocre para algo menos ruim. Não estou falando de riqueza, nem nada no estilo. Mas de se ter uma vida mais digna. De ir ao comércio e poder voltar para casa com algo que antes você só poderia sonhar em ter (não necessariamente algo caro)…
Seria um pecado tão grande assim tentar ter uma vida com mais recursos financeiros?
Ginger, acho que o que ele quis dizer é para não se iludir nas promessas do sucesso, e sim ser sóbrio e buscar metas reais para que você possa realmente ser bem sucedido, tendo em mente que nem sempre isso possa ser possível.
Somir voltou com tudo, hein!
Assim que comecei a ler o texto pensei… texto de quem é publicitário mesmo, e manja tudo de “motivar” pessoas de maneira a induzi-las a fazer algo que elas acham que é bom, mas na verdade não é bom pra ela, mas ela acha que é bom porque a sociedade toda diz que sim, e ela ainda vê que tem um bando de gente fazendo o mesmo. Motivação é tudo não é mesmo!?
Nunca um texto veio tão bem a calhar como o que eu estou passando agora. Somir saiu de férias para um retiro espiritual na Índia e voltou clarividente, mediúnico e em contato com os espíritos do business?
Por muito tempo o medo do inferno e o “comerás do trabalho das tuas mãos” serviram bem pra manter o povão trabalhando e conformado… não seria uma forma de evolução isso ter se esgotado parcialmente e precisarem substituir?
Maravilhoso texto, Somir!
O pessoal só quer saber de ser rico, sem nem ao menos ter um objetivo pra quando for rico… passa a vida perseguindo isso e não consegue, e depois se acha um fracassado.
Perfeito, Diana.
Aliás, li o texto todo com estas duas músicas na cabeça:
Ouro de Tolo, do Raul Seixas:
http://www.youtube.com/watch?v=2kRMdzfFf8M
e
Invejoso, do Arnaldo Antunes:
http://www.youtube.com/watch?v=V886ojO-oiQ
Meus pêsames
Não existe nada mais Ouro de Tolo que o governo Lula.
E o Processa Eu do miguxo do Caulo Poelho, quando é que sai?
Ué? Já não fiz??? Esse também se perdeu da grande migração de 2011?
Estava falando do Saul Reixas. O do Caulo continua lá e é bom que os neófitos fiquem sabendo que o do Caulo NÃO se perdeu. :D
O da Mula de Loiveira é um que se perdeu e que faz certa falta.
Saul vem, ele merece. Em breve
Eéeeee Somir voltou! Deixou de ser desativista das postagens Muito bom
“A questão aqui é que nunca se teve tantos meios e motivações para seguir esses objetivos”.
Uau. Esse texto remete a tantas coisas. Fiquemos no econômico.
Claro que sempre haverá aquele sujeito bruto, desprovido de qualquer escrúpulo, cujos instintos e talentos calham de casar perfeitamente com as demandas da sua época, e que torna muito bem-sucedido e feliz para aproveitar os espólios do seu sucesso. Tal qual eram antigamente os (verdadeiros) guerreiros.
Hoje é o empreendedor. Nisso, realmente, um dos maiores truques de confiança é promover a ilusão de qualquer um pode fazer milhões.
Só que, para fazer esses milhões, a originalidade é uma barreira ao sucesso. Não é possível ser original tentando conscientemente ser original. Originalidade é o produto de um impulso tão intenso e abrangente que rompe com as convenções e cria algo novo, muito mais por uma confluência acidental de fatores do que por algo pensado.
E esses fatores, muito além do econômico, são inúmeros, só para ficarmos em alguns que li em um artigo: o social (relações sociais, prestígio, reputação, privilégios), o emocional (autocontrole, prudência, perspectiva de futuro, visão prospectiva, a postura diante das falhas etc.), o moral/ético (o propósito por trás do bom uso das tecnologias), o familiar (família bem articulada, que transmite muita informação útil para o processo de aprendizado das crianças e adolescentes), etc.
Nisso, o verbo é mesmo “calhar”. Ou seja, se você buscar a confluência desses fatores forçosamente, corre o grande risco de se iludir ao meramente replicar a estratégia que (não) funcionou para outra pessoa. Realmente, nunca tivemos tantos meios e motivações para seguir objetivos. Mas não basta apenas estudar múltiplas disciplinas buscando diversos objetivos. O pressuposto é aprender a ser multidisciplinar, conciliando-os.
E ser multidisciplinar não é algo que não se cria em laboratório, nem investindo bilhões construindo centros de excelência, muito menos em situações definidas e controladas. Até porque a falta de alguns fatores também pode se tornar incentivos para ser original.
Por esses motivos, é que Israel é um dos países onde mais surgem empreendedores realmente originais, pois eles aprendem desde cedo que ser multidisciplinar é viver. Tudo isso por uma milenar confluência acidental de fatores.
Diante do imponderável, melhor desmotivar. Ler mais livros e ver TV de menos pode trazer até mais probabilidades, mas nem sempre possibilidades. E seguir a receita pronta de outrem, mesmo de forma bem-sucedida, te permitirá (sobre)viver com (um pouco) menos (de) dificuldade hoje em dia, por ser uma estratégia que pode ser emulada.
Permita que o ócio e o acaso, e não a correria e a superqualificação, tragam a centelha de que você precisa para realmente se diferenciar.
Isso me lembra o Deleta Eu, o(s) Segredo(s) e como você bem colocou, motivação está longe de ser o caminho para o sucesso. Vejo mais como uma forma dos capatazes de nossa sociedade manterem a ralé sob a rédea curta.
Infelizmente o sucesso profissional tem mais a ver com o que a Sally citou no artigo sobre sucesso “sem mérito”. As relações dentro do jogo político e os recursos dos quais a pessoa dispõe pesam muito mais do que os talentos e conhecimentos por parte da pessoa.
No geral, essa parada de “motivação” tem mesmo o intuito justamente de manter uma relativa conformidade na base, enquanto que pessoas em posição privilegiada desfrutam mais e mais do bônus da organização social existente.
Salve, salve Somir! Excelente retorno! Pelo visto as férias valeram muito a pena. Curtimos muito a Sally, e agora esse presentão. Sorte nossa!