Skip to main content

Colunas

Arquivos

Desfavor Explica: The Big Bang Theory.

| Sally | | 116 comentários em Desfavor Explica: The Big Bang Theory.

dex-bbt

The Big Bang Theory é, na minha opinião, uma das melhores séries de humor de todos os tempos. É uma das poucas vezes que eu invejo algo a ponto de pensar “Eu gostaria de ter escrito isso”. Nem tanto pela qualidade do humor, pois existem diversas séries que se equiparam, mas pelo tema central do roteiro. Se alguém me perguntasse, em abstrato, o que pensar de um roteiro focado em ciência para humor, eu diria que não daria certo. Um roteiro repleto de piadas nerds, referências científicas e piadas elitistas me pareceria um tiro no pé, jamais me ocorreria que poderia se tornar tão popular. Mas fez sucesso, e muito. Parabéns aos roteiristas pela mistura de ciência com humor na medida certa. Provavelmente quem é fã já saiba todas as informações que estão aqui neste texto, mas eu não queria deixar de prestar a minha homenagem. Desfavor Explica: The Big Bang Theory.

Para quem não sabe do que se trata, é uma versão Nerd de “Friends”. Para quem também não viu “Friends”, se trata de um grupo de amigos nerds, “cientistas”, que tem como vizinha de porta uma garçonete linda mas não tão intelectualizada. Inicialmente, o seriado se chamaria “Lenny, Penny e Kenny” (Sheldon seria Lenny e Leonard seria Kenny), mas depois acabou virando “The Big Bang Theory”. O seriado quase não saiu do papel, pois a primeira versão apresentada não agradou e foram necessários vários ajustes. Os personagens principais são Leonard (físico gente boa), Sheldon (físico com sérios problemas comportamentais) e Penny, a garçonete bonita. Mas quem rouba a cena, além de Sheldon, são os personagens coadjuvantes que vão aparecendo ao longo da série.

Uma das características mais bacanas é a falta de medo de brincar com o politicamente incorreto. Piadas com negros, judeus, gays e outras “minorias” são tratadas sem o menor cuidado e avançam alguns passos além da linha social do tolerável. Geralmente protagonizadas por Sheldon, um sincericida socialmente inadequado, quase um “idiot savant”, estas piadas ganham leveza justamente porque não há maldade na personagem, ele simplesmente não tem um filtro social adequado. Um excelente recurso para soltar piadas pesadas sem fazer com que soem pesadas. Nesse ponto é obrigatório elogiar o ator que interpreta Sheldon Coope, Jim Parson. Originalmente Sheldon deveria ser interpretado por John Galecki, mas no último minuto ele pediu para ficar com o papel de Leonard, deixando Sheldon para o maravilhoso Jim Parson.

Jim Parson consegue dar vida a um Sheldon Cooper completamente assexuado e mesmo já tendo divulgado em uma entrevista ao The New York Times que é homossexual, não imprime nem um resquício de sexualidade (qualquer que fosse) na sua personagem. Uma interpretação sutil, nada caricata, que desperta impaciência e compaixão no telespectador. É preciso muita leveza para conseguir soltar piadas sobre escravidão e negros sem soar mal. E ele consegue. É aquele tipo de interpretação que nos faz perguntar se a pessoa é de fato daquele jeito na vida real. Destaque para o episódio 11 da primeira temporada, onde ele adoece e se comporta de forma irritante. Ah, sim, ele já passou dos 40 anos. Dá para acreditar? Jim Parson deve dormir no formol.

O seriado esconde Easter Eggs e referências em diversas camadas de compreensão, coisa que eu amo. Ri quem tem um humor mais superficial, ri quem tem um humor mais profundo. Mesmo sem entender todas as referências, é diversão garantida. Eu, por exemplo, não consigo alcançar as camadas mais profundas de compreensão de algumas piadas. Desde referências banais, como Sheldon caindo em uma posição que homenageia ao filme “Platoon” quando estão jogando paintball até sutilezas, como as cores das camisetas que Sheldon usa refletindo seu humor naquela cena: vermelho é raiva, laranja é cobiça, amarelo é medo, verde é coragem, azul é esperança e violeta é amor.

Sheldon não usa expressões convencionais como “oh meu Deus”, ele usa referências como “Oh que doce inferno é esse” ou “Oh Grande Fantasma de César”. O episódio 13 da primeira temporada é um show de referências a “Star Terk”. E como não rir quando Sheldon diz que engenheiros são os Oompa–Loompas da ciência. Até anagrama tem: a atriz que interpreta Amy usa o nome artístico MAYIM Bialik, um anagrama para “I am Amy”. Por sinal, a atriz tem Phd em neurociência na vida real. Tudo isso permeado por muita criatividade. Confesso que até agora não aprendi a jogar a versão de “Pedra, papel, tesoura, lagarto, Spock”.

Muito do que é colocado no roteiro foi retirado de experiências pessoais dos bastidores. Por exemplo, a expressão “Bazinga!”, que indica que Sheldon está fazendo uma piada, algo similar a “Te peguei!”, era usada pelo produtor da série quando fazia pegadinhas com os roteiristas. Essas “verdades inacreditáveis” cativam o público, não me perguntem porque. Tá aí a nossa coluna “Siago Tomir” que não me deixa mentir. A incapacidade de Raj de falar com mulheres, por exemplo, foi inspirada em um conhecido do produtor executivo da série, que por sinal, em nada reflete a verdadeira personalidade do ator, o inglês (sim, ele nasceu na Inglaterra!) Kunal Nayar, que é casado com uma moça belíssima que foi Miss Índia. Até a popular musiquinha “Soft Kitty”, música que Sheldon exige que cantem para ele quando está doente, é inspirada em uma música chamada “Warm Kitty”, que o produtor executivo da série acabou conhecendo através de uma professora da sua filha. Para quem tiver curiosidade de conhecer a música original.

É nessas horas que a gente reconhece um bom ator. Ao contrário de uns e outros que povoam o cenário global aqui no Brasil e só sabem fazer papel deles mesmos, os atores de The Big Bang Theory podem ficar irreconhecíveis na “vida real”. A atriz que interpreta Bernardette, Melissa Rauch, não tem aquela voz, ela criou essa voz inspirada em sua mãe. Kunal fez faculdade de economia. Simon Helberg, que interpreta Howard é faixa preta de caratê, pianista profissional e produtor de TV. Jim Parson chega a mudar as feições quando não está interpretando seu Sheldon Cooper. Por trás daquele cabelo estranho e dos óculos de Leonard se esconde um John Galecki quase irreconhecível.

Destaque para as constantes piadas com judeus, um dos grupos mais sensíveis. Howard, um dos “nerds” é judeu e tem uma caricata mãe judia da qual o telespectador só consegue ouvir a voz (horrenda). Não consigo me lembrar de uma personagem que tenha sido tão engraçada sem nunca mostrar o rosto, tendo como único recurso a voz. Aliás, segundo o criador da série, Chuck Lorre, a mãe de Howard nunca aparecerá. Sua voz é interpretada pela atriz Carol Ann Susi. As piadas com judeus são rotineiras, partindo inclusive do próprio Howard. Aliás, todos riem de si mesmos em algum momento, o que na minha opinião é mérito.

Mesmo quando improvisos se fizeram necessários, tudo foi feito na maior elegância, sem que o telespectador perceba. Penny, por exemplo, não seria uma garçonete, mas como a atriz que a interpreta, Kaley Cuoco, quebrou a perna, o roteiro foi modificado para que ela possa ficar atrás de um balcão ou ser filmada da cintura para cima, de modo que o gesso não apareça. Aliás, sua história para entrar no seriado foi curiosa: ela foi chamada para fazer o teste, recebeu uma recusa, chamaram outra atriz, gravaram um piloto com outra atriz e em algum momento alguém disse: “Não, não,a química com a Kaley ficou melhor”. Dispensaram a atriz contratada e refizeram o piloto com ela. De fato a química deve ter sido ótima, porque Kaley e John Galecki namoraram também na vida real por dois anos. Outro exemplo ocorreu na sexta temporada, quando Mayim sofreu um acidente de carro que gerou até risco de amputação de um dos dedos da mão, por isso em vários episódios sua mão direita não aparece, para esconder a atadura.

Algumas curiosidades finais que você pode não ter reparado: Leonard usa óculos sem lentes. No episódio onde Sheldon tenta procurar um “emprego comum”, a entrevistadora da agência de empregos é interpretada por Yeardley Smith, que é quem faz a voz da Lisa Simpson. Os convidados especiais também merecem uma menção. Ver Stephen Hawkings debochando de Sheldon foi impagável. O xadrez para três pessoas, inventado por Sheldon no episódio 22 da quarta temporada acabou popularizando e hoje é vendido em larga escala. Aliás, produtos que aparecem na série vendem como água. Aquele suporte para dobrar camisas que o Sheldon usa ficou entre os itens mais vendidos em diversos sites, inclusive no Mercado Livre.

O elevador quebrado tem um propósito bem específico: personagens podem caminhar e conversar sem precisar fazê-lo na rua, em filmagens externas. Além disso evita os tradicionais corredores que deslocam de um cenário para o outro. Por sinal, o hall do elevador é sempre o mesmo, mas sofre pequenas modificações para que pareça que estão em andares diferentes.

Os atores do elenco já declararam que são apaixonados pelo café brasileiro, bem mais forte que o americano e já disseram que quando viram noites gravando tomam vários copos de café brasileiro. Quem auxilia na parte técnica é um renomado físico chamado David Saltzberg, que corrige os roteiros e escreve as equações nos quadros. Ele tem um blog onde fala sobre o aspecto científico de cada episódio da série: http://thebigblogtheory.wordpress.com/ (ou sua versão em português: http://thebigblogtheorybrpt.wordpress.com/)

Os nomes das personagens contém diversas referências e easter eggs. A começar pelos protagonistas, uma homenagem ao produtor Sheldon Leonard. Sheldon, por exemplo, ganhou o sobrenome Cooper em homenagem ao Prêmio Nobel da física, Leon Cooper. Até a música de abertura tem uma temática, por assim dizer, “nerd”. Aliás, para quem nunca ouviu a música inteira, eu recomendo, a letra é muito divertida. Para quem quiser conhecer a música toda, com legendas em português.

Vejam como audiência é uma coisa relativa no Brasil: nos EUA a série é premiadíssima e uma das maiores audiências da CBS, que por sua vez é uma das maiores redes americanas de TV. Porém, quando estreou no SBT, em 2011, sua exibição durou apenas uma semana em função da baixíssima audiência que teve. Voltou a ser exibida pelo SBT um ano depois, mas na madrugada, em um horário ingrato e residual. Isso prova que audiência não é nada na TV Brasileira. Programas como Zorra Total tendo quase dez vezes mais audiência do que The Big Bang Theory dão um bom panorama sobre o que é o brasileiro médio.

São tantos momentos inesquecíveis que fica até difícil selecioná-los. Sheldon surtando quando ganha um guardanapo assinado por Leonad Nemoy, Penny gritando “Quem nós amamos?” no intervalo de cada batida de porta de Sheldon, Howard imitando famosos enquanto é mestre de RPG, Sheldon brigando com Amy e criando gatos, Bernardette mimetizando a voz da mãe de Howard, Penny cantando Soft Kitty para Sheldon (e vice versa!), o beijo entre Amy e Sheldon, Leonard tentando voltar para casa sem ser visto por Sheldon doente, Amy ganhando uma tiara, Sheldon explicando “pedra, papel, tesoura, lagarto, Spok”, Sheldon querendo agradar uma mulher negra dando um DVD do seriado “Raízes” e o famoso “Bazinga!” na piscina de bolinhas e tantos outros. Qual é o seu momento favorito?

Em resumo, The Big Bang Theory é pop sem ser medíocre. Popularizou um tema pouco palatável para o grande público: física. E o fez sem se rebaixar, sem nivelar por baixo. Excelentes roteiristas, excelente direção e excelentes atores. Vale a pena dar uma chance para The Big Bang Theory, não se deixe desanimar como eu, que por tanto tempo pensei “de onde saiu Two and a Half Man” não deve sair nada de bom”. Pense comigo, se o brasileiro médio não gostou, é porque deve ser muito bom!

Para perguntar se de nerd já não bastou meu relacionamento com o Somir, para dizer se surpreender ao constatar que quem vos escreve sou eu e não o Somir ou ainda para perguntar se o próximo passo é falar sobre Caverna do Dragão (não me provoca que eu faço!): sally@desfavor.com

Comentários (116)

Deixe um comentário para Aline Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.