Somir Surtado: Desarmando.
| Somir | Somir Surtado | 17 comentários em Somir Surtado: Desarmando.

Hoje eu pretendo dividir algumas táticas de sucesso que venho usando nos últimos anos para ganhar discussões. Mas isso passa longe de ser o começo de um novo Manual dos Trolls, muito embora o tipo de tática necessária para confundir e desestabilizar o adversário ainda seja algo divertido de aplicar de tempos em tempos, pouco tem a ver com o verdadeiro sentido de ganhar a discussão. Ganhar não significa estar certo ou fazer o outro parecer errado, ganhar é sair de uma discussão melhor do que entrou.
Não vou dizer que sempre tive isso em mente, já fui partidário da ideia de que fazer outra pessoa parecer estúpida era o suficiente para ter algum ganho numa argumentação. Isso já foi minha cachaça. Mas como todo vício, é um hábito essencialmente masturbatório… É prazer sem desenvolvimento. Ganhar não pode ser sinônimo de estagnar. Se você sai de milhares de discussões diferentes com exatamente as mesmas ideias, você está fazendo alguma coisa errada. Seja na abordagem ou na escolha das suas batalhas.
Pois bem. Muita gente vai tentar te ensinar formas de ganhar uma discussão como se estar certo fosse o objetivo final, e boa parte dessas táticas só te fazem criar um muro de agressividade ou ignorância ao seu redor. Se você não pretendia debochar da outra pessoa desde o começo, intimidação (não precisa ser só física) e falácias vão te deixar exatamente no mesmo lugar onde começou, fazendo da discussão um exercício fútil e de você um otário independentemente de quem saiu mais irritado da argumentação. Se quer sacanear, sacaneie; se não quiser, este texto pode ser útil para você.
E não estou fugindo da ideia de convencer outra pessoa com um falso senso de humildade de que “todo mundo está um pouco certo”, tem muita gente por aí falando besteiras irremediáveis e defendendo o indefensável. Só que mesmo nesses casos onde convencer é muito importante, não vai ser fazer alguém parecer estúpido que vai dar conta do recado. A outra pessoa precisa se sentir errada; algo difícil de se conseguir a não ser que você consiga baixar as defesas dela.
Se você está de saco cheio de discussões que não levam a lugar algum e de brigas desnecessárias, o segredo é desarmar. Não é bater, não é virar a outra face… Desarmar significa agir ativamente para conter a escalada de uma discussão para um bate-boca. Discussão é positiva, bate-boca é desperdício de tempo de vida. E caso ainda esteja confuso, vamos definir:
Discussão: Duas pessoas com pontos-de-vista conflitantes falando e se escutando.
Bate-boca: Duas pessoas com pontos-de-vista conflitantes falando.
Simples assim. Se é campeonato de quem fala mais ou fala mais alto, não é mais discussão. Bate-boca NÃO precisa ser aos berros ou mesmo parecer violento, basta que ninguém esteja escutando o que o outro está falando. Táticas de desarmamento são extremamente poderosas contra pessoas simples ou sofisticadas, em temas banais ou complexos e qualquer combinação desses elementos. Tendem a funcionar em praticamente qualquer situação se aplicadas no momento certo. Quanto mais a discussão descambar para bate-boca, menores a chances de sucesso desta tática. É que nem câncer: Diagnosticou logo, maior a chance de cura.
Eu divido esse desarmamento em três áreas: Percepção, ação e reação. Parece papo de guru de auto-ajuda, mas é simples e aplicável. Você já faz isso de uma forma ou de outra em qualquer discussão. A ideia aqui é sair do banco do carona e tomar controle sobre o desenvolvimento da argumentação. Acreditem ou não, a imensa maioria das pessoas parece adorar quando alguém coloca ordem nessa bagunça tão comum das desavenças humanas e acaba jogando com você sem maiores objeções.
Somos uma espécie tarada por líderes, se você não é do tipo que toma atitudes do tipo na sua vida, vai ficar surpreso(a) com a facilidade com a qual as outras pessoas aceitam quem se posiciona como cabeça de qualquer atividade da qual participam. Claro, o que fazer depois que o poder é conquistado é que são elas, e tudo desaba tão rápido quanto começou se você não souber (ou parecer saber) o que está fazendo.
Nem digo que as minhas táticas de controle de discussão são perfeitas, mas caso você entre em pânico ou perca a cabeça a cada contratempo argumentativo, aqui vai um guia simples do que fazer (e provavelmente aperfeiçoar com o tempo).
Em primeiro lugar: Não seja passivo. Não fique esperando que a outra pessoa vá contribuir de forma espontânea para a qualidade da discussão. Mais importante, não se prenda pela ideia de que a outra pessoa também tem obrigação de agir de forma construtiva. Provavelmente ela também pensa o mesmo sobre você. Alguém tem que ser o adulto na conversa, seja você, oras! Até é obrigação de todo mundo não agir feito um babuíno raivoso ou um adolescente irritante, mas na prática isso não costuma funcionar assim. Faz o certo você. É até divertido ter o poder de derrubar as barreiras em outras pessoas.
Assuma o compromisso de resolver a situação. Você não vai ficar mais frustrado do que ficaria com um bate-boca inútil e ainda tem a chance de tirar algo positivo da situação.
Primeira parte: Percepção.
Dá para saber quando a discussão vai virar bate-boca. Tem umas que já nascem bate-boca, mas boa parte começa um pouco mais devagar e vai escalando até chegar no ponto da babaquice. Todo mundo pode ser vítima de um momento desses, já cansei de discutir com outras pessoas na base dos decibéis. Não caia na armadilha de se achar inabalável, ninguém é.
A postura corporal e a expressão facial entregam quase que o jogo todo aqui. Além dos óbvios sinais de agressividade como olhar desafiador, dentes cerrados (mesmo com a boca fechada é fácil perceber), inclinação do torso e da cabeça na sua direção, elevação do tom da voz, rosto corado e gestos como apontar o dedo, também temos toda uma série de sinais mais discretos que o que você falar não vai ser ouvido.
Expressão de desdém com a inclinação do rosto, testa franzida e olhos virando para cima também exige ação imediata caso você esteja tentando alcançar a pessoa. Revirar os olhos e bufar de forma debochada como é tão comum em adolescentes é sinal vermelho numa pessoa adulta. Braços cruzados são um sinal mais leve, mas também importante para ser observado. Não que eu esteja falando algo muito novo, mas o que eu percebo é que muita gente não dá a esses sinais a importância devida.
Não é para se sentir desafiado, é para desarmar. Se você entrar na pilha de quem está fazendo pouco de você, está cedendo o controle de toda a argumentação para alguém que provavelmente não tem a menor ideia do que está fazendo. Se a outra pessoa está tentando te intimidar ou mesmo tentando se distanciar “mentalmente” de você, é hora de agir se quiser chegar a qualquer lugar que não seja mais um bate-boca desnecessário.
Segunda parte: Ação.
Repetindo: Não seja passivo. Não é só porque você não está tentando atropelar a outra pessoa que você vai se abster de agir. Lembremos que o importante nessa estratégia de desarmar é tomar o controle do que acontece.
Quando você começa a lidar com alguém cada vez mais agressivo, seja na postura corporal ou no que fala, imitar o comportamento te dá uma passagem sem volta para a Babuinolândia. Pode até ser o que você quer fazer, mas neste texto presumimos que o objetivo é outro. Desarmar uma pessoa agressiva tem tudo a ver com anular a eficácia da estratégia dela. Se você ficar quieto e apanhar calado, o adversário pode até por a mão na consciência, mas não conte com isso… é aposta demais para quem quer ter voz ativa no desenvolvimento das ações.
Anular significa demonstrar para a pessoa agressiva que a agressividade é irrelevante na discussão. Tem uma estratégia “mágica” para anular quem começa a falar cada vez mais alto: Falar baixo. Assim que a outra pessoa subir o tom da voz, você ESCUTA tudo o que ela diz e responde normalmente com um tom de voz um pouco mais baixo que o normal. Se ela falar mais alto, você responde mais baixo. Por mais brasileiro média que a outra pessoa seja, ela VAI reagir baixando junto.
Relacionada: Toda vez que alguém te disser de forma provocativa ou agressiva para falar mais alto, NÃO FALE MAIS ALTO. É deixar o terrorista ganhar e receita para escalar para bate-boca. Se a pessoa quiser falar com você, vai ter que prestar atenção. Não é negociável: Mandou você falar mais alto, você não fala mais alto.
Se você for uma pessoa que assim como eu não consegue evitar de pensar numa resposta sarcástica, mantenha-se em estado de alerta constante. Não é hora de fazer piada com a pessoa ou qualquer outra coisa que pareça um desvio do assunto. Reforçando: Este guia básico é para evitar escaladas, talvez você queira mesmo sacanear a pessoa e a pessoa mereça.
Controle-se nas perguntas. Perguntar demais pode parecer uma invasão de espaço ou tentativa de expô-la como burra ou incoerente. Seja didático, mas não seja didático demais. Explique com calma o que você quer dizer, reduza a velocidade da sua fala e mantenha contato visual SERENO constante. Se quiser tirar nota 10, use a tática da imitação (Sally já explicou isso num texto de expressão corporal) em todos os gestos e expressões não agressivas.
Se a outra pessoa for agressiva, anule.
Se a outra pessoa estiver se isolando, respeite primeiro e aproxime depois. Quando você nota aqueles sinais claros de desdém e desafio vindos de quem está argumentando com você, um erro comum de quem quer apaziguar os ânimos é correr para a parte da aproximação. Gente que reage dessa forma meio distante e meio debochada está se sentindo insegura. Tanto que é a tática nº da maioria dos adolescentes!
Não pule em cima de alguém que está com medo. Mantenha a distância no começo e aproxime-se de acordo com as reações positivas da pessoa. Não force o contato visual com quem está virando os olhos para longe de você, não corra para o centro do argumento se a pessoa não está escutando. E, acima de tudo, não deixe nenhuma das provocações sarcásticas – que você provavelmente vai ouvir – escalarem para agressividade.
As pessoas tendem a fazer piadas (ruins) sobre o que você está falando (fatos) e sobre o que você não está falando (analogias e metáforas). Se você está se preparando para dizer algo do tipo “Não foi isso que eu quis dizer”, NÃO FALE. Provavelmente a pessoa sabe. Deixa o tiro cair n’água.
Pergunta superficiais nessa fase. Você tem muito mais chances de sucesso se não ficar repetindo o que diz e deixando o assunto girar em falso. Continue normalmente e em hipótese alguma devolva um deboche com outro. Reconheça quando ela faz uma piada, se for boa e você não for a vítima direta vale até a pena rir! Rir quando alguém faz uma piada é um atalho poderoso para angariar simpatia.
A pessoa agindo dessa forma evasiva e sarcástica provavelmente não acha que você vai respeitar a inteligência dela. Respeite sem forçá-la a se aproximar. Vai acontecer. Sério! Você tomou o controle da discussão e evitou o bate-boca… Ela vai se aproximar. E quando acontecer, tem que saber reagir.
Terceira parte: Reação.
A parte da ação gera resultados, e você precisa tomar cuidado para manter rédea curta sobre os rumos da discussão até o risco de estupidez se dissipar de vez. Quando o agressivo acalma você o recompensa ESCUTANDO tudo o que ele diz e esperando calmamente sua vez, repita as reações dela enquanto fala, se ela ri, você ri, se ela chora, você chora. E agora você pode tirar boa parte das perguntas da gaveta, a pessoa já não está te vendo como um adversário. Te garanto que uns dez minutos disso matam a agressividade e deixam a outra pessoa com os ouvidos mais abertos.
E sobre os debochados passivo-agressivos: É meio que nem beijo (quando você é o homem), avança 90% do caminho e espera a outra pessoa. Como a pessoa nessa modalidade de chatice argumentativa provavelmente está insegura, permita-a tomar um pouco do controle. Assim que ela demonstrar alguma abertura, comece a perguntar. Pergunte o que ela ACHA sobre as coisas, em abstrato mesmo. Pessoas amam falar sobre si mesmas, use isso ao seu favor. Assim que você perceber que a linguagem corporal aliviou, pode voltar ao rumo desejado normalmente, já vai funcionar.
É receita de bolo? Não! Tem gente que é tão mala ou maluca que não vai reagir? Sim. Costuma ter resultados incríveis se levado a sério? SIM!
Interessante isso… meio que junção da pragmática com a psicolinguística… pior que realmente funciona em alguns casos viu?
Ótimo texto, Somir! Em geral eu costumo manter a calma numa discussão mais acalorada, mas peco em uns detalhes como: se a pessoa se revolta e fala alto, fico forçando-a a se acalmar de formas pouco produtivas, por exemplo dizendo “Espera! Ouve!” e etc. Mas na maioria das vezes minhas discussões acerca de assuntos sérios não desandam – só as de assuntos pessoais, haha. :)
Mas gostei muito da parte onde diz que as pessoas são “taradas” por líderes. Gostaria de fazer um adendo: pessoas são taradas por líderes quando elas não são líderes (e a maioria não é mesmo). Quando elas possuem uma veia mais ativa, a reação que costumam ter ao presenciar uma pessoa que deseja controlar uma situação, é procurar frestas para minar a credibilidade da pessoa. É tudo meio inconsciente, é claro, mas é interessante observar isso em grandes grupos de pessoas: em geral existem umas poucas que estão batalhando por controle – mesmo que de forma sutil – enquanto o resto se preocupa apenas em acatar as decisões.
Somir, como adoro quando vc fala desses temas relacionados à comunicação humana. Sempre um presente!
Queria ver você e o meu irmão em uma discussão… Eu detesto quando ele faz esta tática comigo!
Eu sou a parte que escuta e começa a chorar.
Eu usava algo parecido com isso em discussões, mas eu começo a fazer piadinhas com a pessoa quando ela debocha e assim a coisa toda desanda. Vou tentar usar o que tu disse, Somir!
É difícil se segurar, ainda mais quando começam a surgir respostas debochadas ótimas na sua cabeça. Mas tem uma recompensa para quem aguenta.
Desarmar não vence batalhas, mas vence a guerra.
Deboche queima pontes.
Vou estudar muito isso! Valeu pela aula.
Concordo, @. Me pareceu que um dos segredos pra não deixar a discussão descambar pro bate-boca inútil – e também pra ganhar – é manter o estoicismo, não se deixando abalar por um falador de merda mais exaltado e sem entrar na mesma “pilha” da outra pessoa. E gostei especialmente da forma como o Somir encerrou o texto: “É receita de bolo? Não! Tem gente que é tão mala ou maluca que não vai reagir? Sim. Costuma ter resultados incríveis se levado a sério? SIM!”
A calma é essencial, mas é muito sobre a segurança que você passa. As pessoas se acalmam quando encontram um porto seguro, posicione-se como um e elas vão reagir de forma mais civilizada/adulta.
Já estava cansado de ver as pessoas tentando ensinar como bater ou apanhar, mas nunca como evitar a briga e avançar a discussão.
Realmente não tá parecendo o Somir falando não, pois segundo a Sally o seu melhor argumento é “Se você discorda de mim é porque você é ignorante”.
Você desenvolveu esse método faz tempo ou foi recentemente? Se faz tempo, já chegou a usar esse método com a Sally? Pois a Sally tem jeito de que quando fica agressiva numa discussão se não apaziguar logo começa a voar coisas na sua cabeça.
Se eu não me engano essa coisa toda de dizer que minha única resposta era chamar os outros de burro nasceu com o (finado?) Hugo. E mesmo assim, ele estava tirando sarro. Sally levou em frente porque é útil na hora do Ele disse, ela disse.
Os meus maiores paus aqui dentro foram com nazistas, intocáveis, fanáticos religiosos e reacionários em geral. Também vivo pentelhando as mulheres daqui, mas só as mais “recentes” que caem nessa.
O método eu uso faz tempo. Como eu disse no texto: Tem hora que é para brigar, tem hora que é para provocar, mas o ideal é que a maioria das discussões não regrida para bate-boca se você não quiser virar samba de uma nota só.
Minhas discussões com a Sally operam em outro nível. A gente já sabe como irritar um ao outro bem demais.
O Somir aparecendo pra responder aos comentários do post, que milagre hein!!! Eu acho que nunca tive um comentário respondido pelo Somir ainda.
Pô Somir, apareça mais viu, fique a vontade, afinal o blog é seu mesmo!
Talvez você não o antagonize o suficiente
Talvez não consiga antagonizá-lo porque gosto de ler o que ele escreve, então fica difícil pra mim, porque quando não gosto de algo ou alguém eu me afasto, mas no caso não tem como, porque venho aqui todo dia ler, e ainda por cima gosto do que leio (na maioria das vezes).
Sem falar que eu já cheguei a conclusão (obvia diga-se de passagem) que não existe ninguém 100% bom, nem 100% mal, porque isso é muito relativo, e o que é bom ou mal depende muito dos olhos de quem vê, muita coisa do que vocês dizem a maioria das pessoas acharia muito ruim, já eu gosto do que vocês escrevem e concordo 99% das vezes.
Então não tem jeito, por mais que ele tenha defeitos, provavelmente eu me daria bem com ele se o conhecesse, pois concordamos mais do que discordamos, e com você também Sally, você é uma doida paranóica, maniaca por celular e assassina cruel de lagartixas, mas eu adoro ler o que você escreve, vai entender!? Talvez eu seja maluco também né? Bem provável que sim.
O nome disso é férias.