Somir Surtado: O gosto da opinião.
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Você precisa mesmo de todas as opiniões que tem? Todas elas impactam sua vida na prática? Para quem acompanha o desfavor é notória e sabida nossa “cruzada” contra as opiniões descartáveis dessa turma das redes sociais. A bobagem de querer exprimir para o mundo o que se passa na sua cabeça em relação a qualquer assunto – tendo base para opinar ou não – já seria problema suficiente, mas é claro que dá para piorar: essa torrente de achismos vem cada vez mais intensa. O motivo? Gosto é uma coisa, opinião é outra; e pouca gente parece perceber…
A inspiração deste texto veio de uma matéria sobre depilação íntima feminina. Assunto sempre relevante e merecedor de atenção, eu sei… Sem qualquer intenção de entrar no mérito da questão, fiquei impressionado mesmo foi com a gravidade com a qual os defensores de “lisas” e “peludas” expressavam suas opiniões. Tanto no texto da matéria quanto nos comentários! Não havia espaço para opiniões moderadas ali.
Parece que agora tudo tem que ser polêmico, que precisa-se formar pelo menos dois times para um enfrentamento verbal seja lá o assunto tratado. Adaptando uma frase que sempre uso: Quando tudo é polêmico, nada é polêmico. Quanto mais borradas ficarem as linhas entre gosto e opinião, mais sofre a capacidade humana de chegar num consenso.
Longe de mim definir que assuntos podem ou não desencadear opiniões apaixonadas, mas a coisa está saindo de controle. Quando a quantidade de pelos na buceta de uma mulher qualquer gera um embate acalorado entre milhares de pessoas, é mais questão de gostos travestidos de opiniões do que propriamente um conflito ideológico.
Ainda no caso em questão, existem motivos mais nobres para desenvolver uma opinião forte sobre o assunto, como por exemplo uma preocupação sobre qual a escolha mais saudável. Concordando ou não com os pontos de vista apresentados, eles pelo menos existem baseados em conhecimento mais aprofundado sobre o assunto. Mesmo que pareça algo irrelevante no quadro geral das coisas, o ímpeto de transmitir conhecimento é válido por si só.
Agora, quando a suposta opinião vem montada em insegurança sobre os próprios gostos e pela necessidade de conformidade, aí sim a coisa toda torna-se um exercício fútil de afirmação pessoal. Não é sobre o assunto, é sobre a validação de um gosto. Nem digo que as pessoas façam isso de caso pensado, começa a parecer natural para elas transformar tudo o que expressam em opinião forte. E isso vai contaminando a vida real. Me assusta como escuto cada vez menos “não sei” e “não me importa” em conversas com outras pessoas, ao vivo!
Não saber e não se importar de ter uma opinião sólida sobre um assunto não é sinônimo de alienação! Pode muito bem ser uma expressão honesta sobre o que se passa na cabeça de alguém que já pensou sobre o assunto. No caso dos pelos pubianos femininos da discórdia, por exemplo: eu tenho uma opinião média. Na prática é algo que não altera meu comportamento, e honestamente nem é problema meu para resolver. Os meus gostos não são opiniões baseadas em nada, são gostos.
Gostos variam de pessoa para pessoa, e também tem o hábito de acabar não influenciando o comportamento na hora da verdade. Cidadão gosta mais de loiras do que morenas, mas conhece uma morena linda que dá bola para ele… E aí, vai chutar a moça? Gosto é uma coisa bem mais abstrata do que opinião. Opiniões, em tese, deveriam ser algo bem mais invasivo no seu processo de tomada de decisões. Se sua opinião é de que violência não resolve problemas, não escolheria resolver uma desavença com socos ao invés de palavras.
Mas como a ideia é fazer todo mundo se sentir especial, reduziram as exigências sobre o que configura uma opinião: “Se você é limitado ao ponto de não ir além de gostos, vamos aceitá-los como opiniões! Agora vai lá na sua rede social favorita e finja que é mais profundo do que realmente é!”. É a era do menor denominador comum, aproveite!
Só que como nada é de graça nessa vida, o conceito de opinião começa a virar sinônimo de BBB berrando que “fala tudo o que pensa MERRRMO!”. Desvalorizadas, as opiniões vão perdendo o impacto real na vida das pessoas. Toda essa hipocrisia que vemos por aí é muito influenciada por isso… cidadão enche a boca para defender um ponto e logo depois age de forma oposta porque no fundo nem sabia sobre o que estava falando.
Evidente. Era um gosto, uma percepção genérica sobre um assunto qualquer criada só para ter algo o que falar. Só para não demonstrar limitações inerentes ao ser humano! Assim como não acho depilação íntima feminina assunto suficientemente válido para ter uma opinião sólida, também entendo que algumas coisas estão tão acima da minha compreensão que seria ridículo formular uma opinião sobre elas. E não estou falando sobre religião, até criança percebe a burrice, refiro-me aos graus mais avançados do conhecimento científico (exatas e humanas).
Grandes merdas eu ter uma opinião forte sobre a validade da Teoria das Cordas, por exemplo. Pelos meus interesses habituais até seria mais educada do que da maioria das pessoas que a lerem/escutarem, mas mesmo assim seria uma opinião essencialmente leiga e achista. É suficiente para formar gostos, mas não opiniões.
Mas povão se contenta com pouco. Não tem gente que tem a opinião de que a Evolução é uma mentira? Não tem a cultura necessária para desconfiar da hipótese do mundo ter mais de alguns milhares de anos, mas mesmo assim coloca em xeque uma das mais brilhantes obras científicas de todos os tempos. E fiquem espertos, essa cultura de valorização excessiva de opiniões nasceu nos EUA, e lá é justamente onde esse tipo de babaquice é mais proeminente. Tem esse “problema de primeiro mundo” chegando aqui em terras tupiniquins e a coisa deve piorar antes de melhorar.
E não precisa nem concordar integralmente com um dos pontos de vista numa discussão. Basta que sua opinião não seja um outro nome para gosto pessoal. Esse tipo de separação gera tolerância e avanço! Opiniões fortes não devem ser desperdiçadas em situações onde não são relevantes para mudanças de comportamento ou mesmo para transmissão de conhecimento. Se só quer ser ouvido(a) mesmo tendo preguiça de fazer por merecer, que pelo menos mantenha uma saudável noção de perspectiva sobre o que fala.
Muda sua forma de encarar o mundo? Te faz tomar decisões diferentes por existir? Então é opinião. É só uma expressão sobre suas preferências? É gosto. Temos capacidade (como sociedade) de lidar com gostos diferentes. Percebê-los como tal em outra pessoa não interfere nos seus. Duvido que alguém ficaria incomodado por descobrir que alguém prefere sorvete de morango ao invés de chocolate. Gostos podem ser diferentes, mas dificilmente são antagônicos.
Mas quando vira opinião, a capacidade de aceitar diferenças cai consideravelmente. A opinião alheia diferente sobre um assunto desafia a sua! É normal que isso aconteça. São lados opostos e temos por base que apenas um deles pode estar certo. A merda é quando os gostos pessoais usam essa fantasia de opinião e a disputa ocorre entre essas duas farsantes.
Por definição não dá para decidir o gosto certo. Não é à toa que tantas discussões de internet (e infelizmente cada vez mais na vida real) giram em falso e só irritam os participantes: não era algo que podia ser resolvido! A e B podem estar certos ao mesmo tempo.
Ultimamente eu ando fascinado (e incomodado) com quantas discussões intermináveis podem ser traçadas de volta para essa confusão. E com as mídias sociais e a mídia tradicional botando cada vez mais lenha nessa fogueira de vaidades, a tendência é piorar. Atualmente incentiva-se e EXIGE-SE que a pessoa tenha uma opinião, sendo o assunto questão de gosto ou sendo ela capaz de formular uma ou não.
Via de regra, se você formou uma opinião sobre um assunto sem conhecimento prévio, que não te inclui ou mesmo sem pensar mais do que alguns segundos sobre ele, pode apostar que é um gosto. Uma preferência pré-determinada na sua cabeça usada para tapar buraco enquanto algo melhor não surge. Suprima a tentação de entregá-la para o mundo sob o risco de fazer parte do problema.
E além disso, não é nada demais não ter uma opinião muito bem definida sobre algo. Pode ser que mesmo depois de muito pensar sobre algo, ainda pareça uma situação onde essa opinião não muda nada (nem estou falando do mundo, estou falando da sua percepção sobre as coisas mesmo). Fica a dica: Se um dia você se pegar discutindo com alguém sobre pentelhos com a mesma deferência que discute política, religião ou outros assuntos historicamente densos e polêmicos, é hora de dar um passo para trás e prestar mais atenção no que está comunicando para o mundo.
Opinião preguiçosa já é um saco sem toda essa coisa de promover gostos à mesma categoria. Não custa se esforçar um pouco mais… Até porque é mesmo para ser trabalhoso não falar (muita) besteira nessa vida.
Concordo em muito viu Somir? Essa tal da discrepância entre gosto e opinião, bem como o tal do levar pro lado pessoal e mesmo começar as ofensas gratuitas no meio virtual me irritam profundamente! Participo de alguns grupos no face, e vira e mexe, qualquer discussãozinha por mais bobo que o tema seja, já é motivo pra barraco e ofensas! Bahh… é foda as pessoas não saberem separar as coisas viu? E realmente, como dito no texto, parece que hoje, a mídia incentiva esse tipo de coisa! Deprimente!
Mais ainda, penso que essa discussão caminhe pra um sentido de foucautização da coisa, na medida em que a gente tem aquela problemática – até clichê, diga-se de passagem – do pensamento humano: o porque temos que categorizar tudo? Porque temos que viver num sistema binário do tipo ou é ou não é, e o que não é, não está incluso, é visto como maléfico, ruim? Bahh… tá na hora das pessoas pararem com isso e pensarem diferente um pouco! Também não estou defendendo o “relativismo” como um todo, como um oásis do pensamento; acho que tomada de posição é realmente importante sim, mas pensar nessa sistemática binária excludente, um em detrimento de outro, não é o melhor jeito!
No fim, se as opiniões/gostos forem realmente opostos, concordo em discordar e fim de papo.
Quando eu era mais jovem me peguei várias vezes discutindo algo que na verdade não me afetava em nada. Até que um dia eu disse que não sabia o que pensar sobre um determinado assunto e me senti super bem. Fiquei satisfeita em não ter que responder algo que não tinha base alguma. A reação das pessoas quando eu digo ‘não sei’ varia. As vezes as pessoas concordam comigo, as vezes ficam me encarando com ar de ‘eu sei e tu não’ e já teve vezes que a pessoa tentou me empurrar o pensamento dela, porque já que eu não tinha uma deveria aceitar a dela.
Ótimo texto, Somir!
Coisa mais irritante nessas discussões de rede social, é pessoa achar que opinião merece respeito, aquele discurso falso e repetitivo do ‘ Essa é minha opinião, respeite!’, sério não tem coisa mais insensata do que isso, ou aquelas pessoas que tem opinião sempre baseada em senso comum e encara isso como verdade absoluta, acho que deveria explicar pra essas pessoas que opinião de verdade é formada por argumentos convincentes e fatos, fora isso, são somente sentenças ao vento…
Aí eu acho que entra em outro caso de significados. Entendo que opinião deve ser respeitada. O que não significa que deva ser “concordada”, “aceita” ou que não esteja sujeita a questionamentos ou confrontamentos mais diretos.
Respeito, nesse caso, é entender que a pessoa tem direito a ter a opinião que quiser. Só isso…
Carol Souza, até concordo com tua fala mas… e quando a gente tem, no caso dessas notícias aí clichês de pastor dizendo merdas sobre qqr coisa homossexual, sempre tem aquelas discussões nos comentários em que um fulano diz algo do tipo “não concordo com bla bla bla gay, essa é minha opinião, respeite!”.
O que eu quero apontar em certo sentido é: qual o limite realmente de “respeito à opinião alheia” versus “preconceito incrustado” na pessoa e tentativa de quebra de paradigmas? Enfim, sempre penso sobre isso quando vejo noticias do tipo mas nunca consigo chegar à um consenso!
Faz lembrar certos grupos, que disfarçam o “Eu não quero” com “Deus proíbe”.
Eu na verdade estou gostando dessa fase “comunicação equilibrada” do Somir, até porque eu estou meio que nessa fase também, pois estou lendo uns livros nessa área que falam sobre argumentação, falácias, e etc… o livro que estou lendo agora se chama “A Arte de Argumentar”, recomendo pra quem quer aprender a se comunicar melhor, e também a identificar quando alguém utiliza-se de falácias numa conversa/discussão.