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Des Cult: Rosana Hermann

| Sally | | 49 comentários em Des Cult: Rosana Hermann

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Rosana Hermann. Se você sabe de quem eu estou falando, certamente tem interesse em saber mais. Se você não sabe de quem estou falando, sorria, seu mundo vai ficar melhor depois de conhecê-la. Taí uma pessoa que eu paro o que estiver fazendo para escutar, porque o que ela fala no mínimo me diverte ou me acrescenta. Geralmente ambos.

A Wikipedia define a Rosana Hermann como “escritora, roteirista e apresentadora brasileira”. Eu acho que ela é bem mais do que isso. Para começo de conversa, Rosana é bacharel em física nuclear, o que já a colocaria em um patamar acima da maioria dos reles mortais, inclusive da que vos fala, que ainda soma usando os dedinhos. Também cursou comunicação (ambos na USP). O que poderia ser visto por muitos como um “oposto”, ela teve o dom de transformar em um “complementar”. A clareza de raciocínio, a lógica e a ordem da física aliados a uma observação profunda e cheia de compaixão do ser humano. Rosana parece uma esponjinha do saber, que mesmo nas condições mais inóspitas, suga o que há de melhor para ser aprendido e depois passa adiante com didática, mastigadinho para quem quiser ouvir.

Confesso que física para mim é algo tão distante, mas tão distante da minha realidade que a primeira associação que eu faço é com Sheldon Cooper. Eu acho admirável qualquer pessoas ter graduação e mestrado em física, mas no caso dela, é ainda mais notável, pois foi fruto de um grande esforço pessoal e sede por conhecimento. Rosana só foi matriculada em uma escola com sete anos de idade. Até então recebia apenas “aulas” de sua irmã mais velha (ao que tudo indica, nem sempre com a melhor das didáticas).

Quando finalmente foi matriculada em uma escola, a aula também deixou a desejar: uma professora dava aula para duas séries aos mesmo tempo, a de Rosana e uma acima, dividindo-se entre as duas turmas: enquanto uma recebia aula a outra fazia exercícios. Você pode estar pensando: “Xiii… ela não deve ter aprendido nada!”. Não, não. Muito pelo contrário. Ela aprendeu tudo: a matéria da sua série (segundo ano) e da outra (terceiro ano). Fazia a sua lição rapidamente para conseguir assistir a aula da outra série. Era uma mente privilegiada ou uma aluna esforçada?

Quem sou eu para dizer, infelizmente não a conheço, mas leio e escuto muito o que ela diz, se tivesse que arriscar diria que Rosana é uma dessas raras junções de ambos: uma mente privilegiada que não se acomodou e acabou conjugando genialidade com disciplina e esforço. Uma raridade, uma das poucas pessoas que faz esforço sem precisar, apenas pela sede de conhecimento, pela vontade de ser uma pessoa melhor. Ela não concordaria comigo, ela é modesta. Não uma falsa modéstia, aquela modéstia de quem nasce gênio e que, justamente por isso, encara a genialidade com normalidade.

A sede de conhecimento de Rosana não parou mais. Fez faculdade de física na USP. Enfrentava longas viagens de ônibus para ir à faculdade e teve que correr atrás para compensar algumas deficiências de seu ensino básico. Nesses anos ela também frequentava aulas disponibilizadas pela faculdade: tênis, ioga, natação e judô, que chegou a ser utilizando contra uma mocinha que resolveu se exceder em intimidade com o então namorado de Rosana. Um abraço indevido gerou um forte puxão pela gola e a mocinha foi parar no chão.

Reparem na sutileza da história que estou narrando. É uma história REAL, não é aquela história pronta de “eu estava andando no shopping e de tão linda que sou um representante de uma agência de modelos me contratou”. Não. É uma história REAL, onde uma pessoa REAL foi subindo degraus da vida com esforço, com conhecimento, em uma época onde se valorizava o conhecimento e não os conhecidos. Dói pensar quantas Rosanas as próximas gerações vão perder porque elas “apenas” terão conhecimento e não os conhecidos.

Depois de se dedicar muitos anos à física, incluindo aí um mestrado, a perspectiva solitária do campo de pesquisas inquietou Rosana. Através alunos particulares de inglês, conheceu o meio da comunicação. Duas almas boas (e visonárias) perceberam seu potencial e sugeriram que troque a física pela comunicação. Rosana aceitou o chamado: decidiu jogar tudo para o alto, abandonou a física e bateu na porta de uma agência de propaganda, onde começou como estagiária de criação. Prestou vestibular para comunicação na USP, foi subindo, subindo e brilhou. Generosa, até hoje ela compartilha seu brilho com a gente.

O que veio a seguir é de domínio público: radialista, jornalista, apresentadora, redatora, repórter de TV, escritora, palestrante, diretora artística, colunista e até letrista de jingles. Talvez você esteja se perguntando porque eu não disse “blogueira”, já que Rosana tem um blog chamado “Querido Leitor” com o dobro de idade do Desfavor e provavelmente o dobro de leitores também. É que eu odeio o termo “blogueira”. Sei lá. Acho banalizado, até mesmo pejorativo.

Rosana escreve um blog muito bacana, muito interessante que consegue ser leve e ao mesmo tempo informativo. Lá você encontra humor e boas dicas, como indicações para sites onde aprende outros idiomas de graça. Talvez seja um dos poucos blogs que não tem uma temática fechada: “blog sobre maquiagem”, “blog sobre celebridades”, “blog sobre política”. Não. É um blog da Rosana, sobre as opiniões da Rosana. Muito mais interessante do que qualquer temática fechada. Pena que tanta gente tenha dificuldade em compreender essa proposta. As pessoas parecem ficar um pouco perdidas quando algo foge à classificação habitual.

Para aqueles que se impressionam pelo posto ocupado mais do que pela pessoa, uma listinha rápida de alguns programas onde Rosana trabalhou: Pânico na TV, Sai de Baixo, Domingão do Faustão, Programa da Xuxa, Glub-glub e Viva a Noite. Como eu disse, são apenas alguns dos programas, e antes que comecem a me atirar pedras, ouçam meu ponto: acho louvável uma mulher que por décadas transitou por quase todas as emissoras, por ambientes tão competitivos, quando nem sempre era simples ser mulher e ter poder, conseguir mantenha tanta doçura, feminilidade e humanidade. Um exemplo para tantas mulheres que acham que para alcançar poder e conquistar respeito precisam se portar de forma dura, rígida, se masculinizar ou passar uma imagem infalível, superior.

Rosana é humana, é querida, é falível e chegou ao topo mesmo assim. Não há um vestígio de arrogância nem daquela pompa profissional que outros com menos gabarito gostam de ostentar. Rosana parece nunca ter perdido sua humanidade, sua capacidade de reflexão e sua empatia. Tem tanta verdade nessa mulher que transborda. Faz falta, nesses tempos de gente neutra, pasteurizada, uniformizada. Autenticidade faz falta. E não se enganem: não estou elogiando porque concordo com tudo que ela pensa e fala. Frequentemente discordo. Mas o novo ponto de vista que ela me oferece me enriquece, me faz refletir e me acrescenta, mudando ou não de ideia. Bobo aquele que pensa que inteligente é quem concorda com ele. Mais bobo ainda quem pensa que se os argumentos não fizeram o interlocutor mudar de ideia então “não adiantaram nada”. E como tem gente boba no mundo…

Rosana consegue algo que é meu sonho de consumo: ela opina, ela se compromete, ela se indigna com a maior doçura e educação do mundo. É uma Lady que sabe questionar, contestar e até mesmo brigar com humanidade e respeito. Minha Gente, isso é raro hoje em dia. O ser humano ruma para os extremos: ou fica em cima do muro e é espectador das maiores injustiças calado, para não se comprometer, ou toma partido em uma briga de foice permeada por raiva e agressão. Rosana tem uma serenidade, uma luz que a acompanha. Ela se mantem no eixo, mantem seus pensamentos claros e é coerente com o que fala. Um dia eu chego lá. Por enquanto de vez em quando vai ter meus faniquitos de putez de tempos em tempos. Mas um dia eu chego lá.

Assim como arregaçou as mangas no segundo ano, para conseguir aprender a matéria do segundo e do terceiro ano ao mesmo tempo, Rosana arregaçou as mangas na sua vida profissional. Teve começos difíceis, sem muito glamour nem muita infraestrutura. Fez de um limão uma limonada muitas vezes e talvez o faça ainda hoje quando a vida apresenta adversidades. Mesmo assim, ela sempre manteve sua humanidade, nunca permitiu que o trabalho, o entorno ou até mesmo os cargos de chefia lhe tirassem a capacidade de se emocionar ostensivamente, sem vergonha, sem essa associação boba que fazem de humanidade com sinal de fraqueza. Seja na hora de pegar uma criança de rua que estava passando mal no colo e falar algumas verdade chorando, seja na emoção dentro do estúdio ao falar daqueles que não tem acesso a atendimento médico em um programa de televisão. E quando ela chora é tão sincero que todo mundo chora com ela.

Acho sublime que uma pessoa que já viu tanta coisa, tanta atrocidade (quem lida com notícias acaba sendo obrigado a ver) não tenha se deixado calejar. Eu mesma já lidei com muita coisa feia e sempre entoei o mantra “não posso perder minha humanidade, não posso me acostumar com isso” e sempre fui chamada de fraca, de babaca. Daí aparece alguém como Rosana e prova para o mundo que é possível sim ser competente, vencer na profissão, ser respeitada e conceituada sem perder a humanidade, sem deixar de se indignar. Ver isso me conforta, porque mesmo sem ter chegado lá, graças a ela eu sei que é possível.

Também sei que isso tem um preço. Ser civilizado em um país cheio de vândalos emocionais causa transtornos. Já fui espectadora passiva de várias injustiças cometidas contra a Rosana, pela minha incompetência de insistir em não ter redes sociais. Tem gente que confunde educação, doçura e respeito com uma porta aberta para dizer e fazer o que quiser. Gente tosca, que só entende limites na base da grosseria, porque provavelmente foi criada nesse padrão de comportamento. Gente chantagista que pratica o que eu apelidei de “sequestro virtual”, deixando a vítima refém não por uma arma, mas sim por uma culpa, por uma chantagem.

Fizeram isso com a Rosana. Ela foi “premiada” no Twitter com uma suposta obrigação de intervir na vida de uma menina que dizia que iria se matar. Ela recusou o convite para participar desse pequeno espetáculo (e eu lhe dou toda razão, não se “recompensa” quem faz isso) e foi duramente criticada por aqueles que achavam que ela, por ser legal, por ser humana, teria que aceitar essa responsabilidade.

É essa difícil e estranha relação que se estabelece entre ídolos e seus seguidores, onde os seguidores sentem que conhecem e, por consequência, tem intimidade com seus ídolos. O Twitter potencializa esse síndrome esquisita, porque coloca o ídolo ao alcance dos seus seguidores e cada um se acha no direito de falar o que quer. Muito feio isso. Eu tenho medo dos loucos de redes sociais. Como essa, muitas outras polêmicas culminaram em xingamentos raivosos, linchamento emocional e reações desmedidas. Impossível não se abalar, até porque ela não está protegida pelo anonimato, mas, ainda assim, ela consegue tirar um lado bom e fazer dessa doença social que é a ofensa pela discordância (atualmente discordar ofende, e muito) quase que um estudo antropológico.

Rosana transita faz tempo pelo mundo do entretenimento, onde é muito fácil se “futilizar”, onde há uma pressão excessiva em torno de padrões estéticos, de uma postura glamurosa e falsas aparências, falsas felicidades. Mesmo assim, nunca a vi fazendo pose. Muito pelo contrário, sempre combateu abertamente a ditadura da magreza, a dependência do reconhecimento em redes sociais e tantas outras mazelas desse mundinho. Não se deixar deslumbrar é mérito, mas, além de tudo, debater publicamente o lado negativo é quase que heroísmo. Talvez o segredo esteja na clareza do seu raciocínio e na forma educada e didática com a qual ela consegue expor suas ideias. Tem que ser muito involuído para atacar uma pessoa tão educada, francamente.

Para aqueles que se interessaram em ouvir um pouco do que ela tem a dizer, recomendo as várias palestras que estão disponíveis no YouTube, o blog Querido Leitor e seu Twitter, @rosana. Aposto que você nunca leu verdades tão bem equacionadas, tão logicamente apresentadas e com tanta doçura e simplicidade. Às vezes é uma frase, apenas uma frase no Twitter, mas basta para dar aquela sensação de um cafuné na alma.

Uma pena que Rosana só tenha dois filhos. Ela é aquele tipo de pessoa que deveria ter 20 filhos, para povoar o mundo de pequenos seres educados por ela. Rosana deveria ser leitura obrigatória nas escolas. Sempre vale a pena saber o que ela pensa, mesmo quando você discorda dela, pela consistência dos seus argumentos e pelos novos pontos de vista que ela apresenta. Seja no vídeo, seja na escrita, ela te pega pela mão com ternura e acaba sempre mostrando um novo ponto de vista. É o que pessoas inteligentes fazem: buscam mostrar um novo ponto de vista em vez de fazer da discordância uma rixa, um cabo de guerra do convencimento para ver quem tem razão.

Rosana te pega pela mão e te leva a novos pontos de vista em um caminho cheio de humor, leveza, compaixão e ética. É um passeio que vale a pena. Eu recomendo. Pessoas como Rosana, que investiram no conhecimento, no estudo, é que deveriam ser vistos como exemplos, como fonte de admiração, ou ao menos também o deveriam ser, em vez de apenas pessoas que investem em seus corpos ou em sua auto-promoção.

E, só para constar, eu acho ela linda.

Para mostrar toda sua cultura e perguntar se “essa Rosana é aquela que cantava a música Como uma Deusa”, para não saber lidar comigo elogiando alguém, se frustrar e me chamar de puxa-saco ou ainda para me dar o presente de fazer comentários realmente pertinentes com o tema da postagem de hoje: sally@desfavor.com

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