Superbactérias.

Acabo de ler uma notícia sobre um estudo britânico (sempre eles) que diz que até 2050 as superbactérias (bactérias resistentes aos medicamentos) vão matar mais que o câncer. Se vai realmente acontecer eu não sei, mas que o risco é grande, é. A natureza é uma guerra e as bactérias não param de acumular vitórias.

Como conhecimento básico sobre bactérias é coisa que você deveria ter aprendido na escola, vou me furtar de explicar o básico e me concentrar apenas em fanfarronices opinativas.

VIVAS!

Nenhum ser vivo neste planeta teve mais sucesso que as bactérias. Existem registros delas há mais de 3,8 bilhões de anos atrás e seus números impressionam: há mais bactérias no seu sistema digestivo do que células no seu corpo. E considerando que elas habitam praticamente todo o planeta e ser vivo contido nele, faltariam zeros para descrever o número desses seres no nosso mundo.

Existem bactérias flutuando a 32 quilômetros de altura na atmosfera, existem bactérias vivendo no fundo das mais fundas fendas no oceano. Algumas delas não seguem essa convenção social de usar oxigênio para produzir energia. Ambientes inóspitos para qualquer outro ser vivo são moradia de bactérias. Elas se adaptam a praticamente tudo o que a natureza coloca em seu caminho.

Acredito que já seja senso comum, mas não custa reforçar que bactérias não são necessariamente daninhas ao mundo. Na verdade, elas são necessárias para a existência da vida na Terra. É que como qualquer ser vivo, sua prioridade é se manter viva. Elas se adaptam ao nosso organismo para digerir nossa comida, mas se precisar, devoram nosso corpo.

Como elas são a maioria e não podem ser controladas como um todo, ficam livres para se diversificar e preencher os mais diversos nichos evolutivos. Se pararmos para pensar, foi até bacana da parte delas permitir a existência de seres mais complexos. Caso você ainda não tenha percebido, somos um dos mais avançados experimentos delas. Do ponto de vista da natureza, o corpo humano é um excelente local de moradia para bactérias.

Elas vieram primeiro. Os seres mais bem adaptados a elas evoluíram. Se um animal é útil para as bactérias, ele sobrevive. Se não, acaba extinto. Sei que fere um pouco nosso orgulho de animal racional, mas quem manda nessa porra toda são elas. Mais sobre isso depois.

GUERRA!

Nenhuma de nossas guerras é tão sanguinária quanto a guerra de Evolução. Nela, não há sequer um segundo de trégua. Bilhões de espécies já pereceram nesse mundo por não entender que adaptabilidade é a única arma eficiente nessa briga toda. Não são músculos, garras ou chifres que te fazem sobreviver à barragem de desafios jogados pelo ambiente, é a capacidade de se moldar a eles.

As bactérias são as melhores lutadoras nessa batalha. Em poucas gerações elas são capazes de anular uma ameaça e fazer dela uma nova parte de sua vida. Estão fazendo isso há bilhões de anos e há pouco o que elas ainda não tenham visto nesse caminho todo. Só um ser parece ser capaz de enfrentá-las: o ser humano. E mesmo assim, demorou mais de cem mil anos nesse planeta para COMEÇAR a fazer cócegas nelas.

O ser humano foi capaz de pegar para si a valiosa característica da adaptação: temos capacidade de reagir rápido às intempéries da vida, e em poucas gerações também conseguimos nos moldar ao redor do que antes era uma ameaça à nossa existência. As bactérias eram uma sentença de morte há pouco menos de um século atrás, hoje são um problema mais ou menos contornável.

Mas em nossa defesa, foi complicado descobrir que elas estavam lá. Há vantagens no reino dos microorganismos: podem se esconder à plena vista. Mas assim que as achamos, não demorou muito para darmos nosso tiro nessa grande guerra pela sobrevivência. Os antibióticos são parte de uma revolução na saúde humana que estendeu muito nossa expectativa de vida.

Foi um tiro tão certeiro que cometemos o erro de achar que ele bastaria. O adversário não é o líder no placar da vida à toa: em algumas gerações elas já estavam dando a volta na gente. A cada arma que descobrimos, elas aprendem rapidamente como escapar.

SUPERBACTÉRIAS?

É um nome midiático, mas não representa bem a realidade. São as mesmas bactérias de sempre, fazendo o que fazem melhor: sobreviver. Muito cuidado com a impressão que essas são bactérias especiais e únicas, todas as outras tem mais ou menos o mesmo potencial de se adaptar às nossas armas e sobreviverem aos nossos ataques.

Toda bactéria é uma superbactéria, dado o devido tempo e estímulo. Isso é uma guerra, mas não somos exatamente adversários. Estamos todos brigando contra a morte e nesse meio tempo, disputando o melhor lugar sob o Sol. O que acontece é que incentivamos demais algumas delas com o uso exagerado de antibióticos. Que elas iam se adaptar era CERTEZA.

E é isso que muita gente não entende: brigar com as bactérias é na melhor das hipóteses adiar a derrota. Elas VÃO vencer. Elas mandam nesse mundo, nós somos colônias delas. É de extrema importância que todo mundo aprenda a ordem das coisas! Conseguimos uma arma poderosa, mas com efetividade limitada pelo tempo. Precisamos fazer ela durar até termos outra ideia brilhante para conviver com elas.

E percebam que eu disse conviver.

SE NÃO PODE VENCÊ-LOS…

O objetivo de eliminar as bactérias nocivas para o ser humano é na melhor das hipóteses fantasioso. A força dos números não pode ser ignorada. A quantidade assombrosa delas garante que alguma vai encontrar por pura sorte a mutação para se manter viva e a seleção natural cuida do resto. As superbactérias existem por causa disso.

Como somos um de seus melhores alunos, nós os humanos temos que entender que o segredo não é continuar tentando matá-las, e sim achar alguma forma delas conviverem conosco. Adaptação. A era dos antibióticos foi essencial para termos esse estouro populacional, mas ela funciona até certo ponto. Assim que nossos remédios conseguirem matar a maioria delas, elas mudam de novo e nos colocam na estaca zero.

Os biólogos que me corrijam, mas quem está perdendo que precisa se adaptar. O ser humano precisa ser corrigido para lidar melhor com elas, e não o contrário. Ou os nossos corpos aprendem a tornar as perigosas em inofensivas, ou deixamos de ter corpos. Não existe vitória nessa guerra se continuarmos focando nossos esforços em ataques.

Ou ainda podemos seguir o caminho de infiltrar nos ranques delas soldados menos agressivos, mas mais propensos a se perpetuar. Seria deixar a seleção natural seguir seu curso. Elas querem continuar vivas, nós podemos ajudar e ainda tirar vantagem com isso.

Se as bactérias – super ou não – puderem continuar seu plano de ficarem vivas ao mesmo tempo que nós, criamos uma trégua que pode ser justamente o necessário para não sofrermos a consequência de enfrentar a batalha contra a natureza de peito aberto. Nossas garras contam muito pouco numa guerra de adaptação.

PARE DE ATIRAR!

Muita gente fala isso, mas é importante demais repetir: usar antibiótico sem necessidade real é mais do que um desperdício de recursos, é como estar na linha de frente da luta pela sobrevivência da humanidade torrando toda a munição atirando em alvos inexistentes. Nossos recursos para lidar com as bactérias são limitados e tem que durar por muito tempo ainda.

Estamos enfrentando os seres mais poderosos que se tem conhecimento. Eu já disse quem manda nessa porra toda? Se continuarmos com a ilusão de que essa batalha se ganha na porrada ao invés de no jeito, as superbactérias vão sim nos mostrar com quantos paus se faz uma evolução. Ainda precisamos inventar as nossas próximas armas, então não custa fazer um esforço para não desperdiçar as nossas.

Para quem está aqui há bilhões de anos, os seres humanos são só um contratempo. Elas vão ganhar. Elas VÃO ganhar. Só nos resta saber se vamos ganhar junto ou não.

Para dizer que eu não expliquei muito, para dizer que você é mais forte que uma bactéria, ou mesmo para dizer que a humanidade nunca fez nada por você: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • O uso desregrado de antibióticos está no botando pra trás na batalha.

    No texto você fala constantemente na evolução, saindo um pouco do assunto, isso me lembra dos protetores da natureza evitando que espécies sejam extintas. Será que essas especies devem perdurá?

    Será que os humanos são apenas um empecilho na cadeia evolutiva das bactérias?

  • Por isso que eu fico puta de raiva quando aparece alguém na farmácia já perguntando de antibiótico (cuja venda exige retenção de receita) por qualquer bostinha na garganta.

  • Bem, eu acho que cada coluna tem a sua importancia.

    De qualquer forma, a vida é assim mesmo: descobre-se supostas curas pra doencas que matam por seculos, mas dai surgem novas ameaças.

  • “Muita gente fala isso, mas é importante demais repetir: usar antibiótico sem necessidade real é mais do que um desperdício de recursos, é como estar na linha de frente da luta pela sobrevivência da humanidade torrando toda a munição atirando em alvos inexistentes. Nossos recursos para lidar com as bactérias são limitados e tem que durar por muito tempo ainda.”

    Obrigada!!!!!! Sem mais.

  • Somir esqueceu de falar que nós somos quimeras. Cada célula nossa é originada de uma junção de um ser ancestral eucarionte (que seria mais ou menos um protozoário) com pelo menos uma espécie de bactéria (que virou a mitocondria). Mas tem quem ache que outras organelas tenham origem em outras associacoes simbioticas com bacterias, como cilios, flagelos, lisossomos…e é por isso que tomar antibiótico tem uns efeitos estranhos mas pouco compreendidos no metabolismo energético das pessoas.

  • lendo e aprendendo

    Eu pensei que os fodas fossem os vírus porque são mutantes, mas então são as bactérias.
    Bem melhor essw D.E. do que Des Contos.

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