10 motivos para detestar listas.

Na verdade não vai ter lista. Não fiquem chateados, ou fiquem, não vai mudar a minha vida. Uma das maiores vantagens do desfavor é só escrever o que eu quero e jamais me pautar por popularidade. Não temos anúncios, não ganhamos um centavo fazendo isso aqui… mas, evidente, somos cada vez mais uma minoria na internet. Até por esse formato ultrapassado de texto… quem lê hoje em dia?

Bom, se clicou para continuar lendo, pelo menos você. Menos mal. Em tempos onde mais de um parágrafo vira “textão”, até o público do desfavor é uma minoria. Já conversei com a Sally algumas vezes, por puro esporte, sobre formas de nós aqui alcançarmos um público maior e talvez até de pagar nossas contas com o desfavor. Seria um prospecto interessante receber pelo o que fazemos por prazer. Mas, isso só teria graça de verdade se não tivéssemos que nos vender no caminho. É… não.

Até porque produzir conteúdo para conseguir cliques e visualizações é um bicho completamente diferente do que gostamos aqui. Tem que seguir algumas fórmulas de sucesso que mandam a qualidade do material ladeira abaixo. Primeiro tem que se concentrar em temas que geram atenção no público médio… o que significa nivelar-se muito por baixo. Não que não se possa falar de assuntos mais complexos, mas a forma de apresentá-los teria que ser muito mais palatável. Vídeos, de preferência, e com muitas e muitas listas.

As 5 ou 10 mais, 17 coisas que você não sabia sobre “X”, 8 motivos pelos quais “Y”, e assim por diante. É uma fórmula extremamente eficiente na internet, informação “contada”. Com o baixo grau de atenção médio e a competição insana pelo foco do internauta, o conteúdo parece ser apresentado já com a promessa de acabar. Se você clica em uma dessas listas, em texto ou vídeo, já tem a perspectiva de um fim no assunto. Assim que todos os itens forem recitados, você está livre para procurar outras coisas.

Não deixa de ser uma forma de colocar na mão do consumidor o controle sobre o quanto vai absorver de informação. Quem decide o grau de aprofundamento é quem clica, não mais quem produz. Não tem mais a surpresa de se ver interessado em um conteúdo aprofundado, só a certeza de que assim que os itens acabarem, você está livre. Pra mim, é o cúmulo do colocar “como se diz” na frente do “o quê se diz”. E olha que eventualmente eu também gosto de uma lista dessas. Principalmente daquelas com opiniões que classificam as melhores ou as piores, gera uma curiosidade para saber se o autor do material partilha ou não das suas opiniões.

Mas, as coisas parecem estar saindo de controle. O que antes era um recurso para passar informações rapidamente e gerar polêmica agora vai se tornando a norma. Tudo parece “redessocializado”. Posso estar sendo romântico, mas a internet está perdendo uma das coisas mais interessantes que tinha: a falta de filtros. Está muito profissional na distribuição de conteúdo. Não se enganem, há alguns anos atrás a proporção de besteiras para informações bem pesquisadas e “responsáveis” era tão triste quanto é hoje, mas até as besteiras pareciam mais aprofundadas. Quando o desfavor nasceu, as redes sociais ainda não tinham basicamente matados os blogs de opinião. Tanto que eu tive muitas oportunidades de escrever uma coluna como a “Deleta Eu!”, onde analisava com imenso carinho nossos companheiros de meio. Mas o tempo passou e não me sobrou muito o que criticar: sobraram apenas os blogs profissionais, focados em fazer dinheiro e conseguir cliques.

As opiniões foram pra dentro das redes sociais, ainda mais limitadas por restrições técnicas (como as do Twitter ou Instagram) ou mesmo de atenção (como as do Facebook)… sobrou pouca gente apresentando suas visões de mundo para fora desse novo universo. E todos já devemos saber como isso enriqueceu as discussões. O povão ficou tão bem treinado para discutir assuntos que já estamos vendo um movimento de remoção de sessão de comentários em grandes portais de notícias. Quem foi “criado” em blogs e fóruns da internet pré-redes-sociais tem uma visão diferente do conceito de colaboração na construção das informações. Elas se sentem parte como contribuintes, não como parte integrante do assunto.

A rede social imbuiu na cabeça do cidadão médio que o conteúdo não está pronto enquanto ele não participar. O que não é de se estranhar, já que conseguir engajamento do público é uma das métricas mais importantes na hora de fazer dinheiro na internet. O interesse da pessoa é diretamente proporcional ao lucro possível. Então, como fazemos o conteúdo disponível gerar o maior interesse possível? Oras, mantenha-o suficientemente incompleto.

Isso você pode perceber até mesmo em conversas “ao vivo”, quando uma pessoa com conhecimento mínimo sobre um tema conversa com outra igualmente ignorante, o papo rende muito. Ambos podem proferir as maiores asneiras sobre o tema impunemente, e a imensa falta de conteúdo entre elas gera um tema que pode ser preenchido das mais diversas formas enquanto houver vontade. Agora, experimenta trocar um dos que não sabem sobre o que estão falando com alguém que já estudou o assunto de forma aprofundada… a pessoa com o conhecimento fica “chata” na hora. Aprender aparentemente é muito chato para o ser humano médio. Eu sei a sensação na pele: hoje em dia eu não entro mais em conversas sobre as quais sei muito mais que os outros envolvidos. As pessoas não gostam, e ainda tem o risco de você acabar parecendo antipático só por saber do que está falando. E se você ainda é articulado ao falar dele… garantia de narizes torcidos. Eu aprendi na raça a falar pouco e esconder muito sobre o que eu conheço. A internet também.

O santo graal da rede de hoje é um tópico sobre o qual as pessoas tenham curiosidade, mas pouco ou nenhum conhecimento. E mesmo assim, o jeito de apresentá-lo é ainda mais importante: aprofunde e perca engajamento. Se o conteúdo vier de uma forma truncada e superficial, gera no público a vontade de participar. Afinal, sentem-se mais à vontade quando o interlocutor parece estar no mesmo nível de conhecimento que eles. O que inclusive aparece nos temas abordados: faça uma lista sobre as estrelas mais exóticas conhecidas e ninguém dá muita atenção; faça uma lista sobre os signos mais difíceis no trato e prepare-se para uma enxurrada de opiniões.

O conteúdo na rede parece tão interessante quanto a capacidade do público de estendê-lo com suas opiniões chutadas. Uma questão de ego. Eu tenho uma teoria: no fundo, as pessoas querem ser inteligentes e reconhecidas por isso tanto quanto querem ser fisicamente atraentes. O que quase ninguém quer fazer é se esforçar por isso (aparência ou inteligência). A diferença primordial é que dá muito mais trabalho fazer as pessoas notarem seu conhecimento aprofundado sobre um tema. A natureza se encarrega de fazer alguém te achar bonito(a) de tempos em tempos, mas o buraco é bem mais embaixo quando se quer ser reconhecido pelo conteúdo do crânio. Até por isso nossos padrões de beleza são bem mais restritivos que os intelectuais.

A internet “futilizou” ainda mais a sociedade, mas… de uma certa forma, ela está nos forçando a mostrar o intelecto de uma forma nunca antes vista. Seja como for, você está atrás de uma tela e não está interagindo ao vivo com as outras pessoas. As vantagens da aparência são reduzidas drasticamente. Não é à toa que redes sociais como o Instagram pegaram da forma que pegaram: elas devolvem essa vantagem para quem não vai conseguir se destacar pelo o que pensa. Acho até justo que as pessoas exerçam seu sagrado direito de exibir um rostinho bonito como característica principal (mesmo que vivam mostrando a bunda), mas isso é muito revelador sobre como a internet está se adaptando ao ser humano médio.

Enquanto a internet não ceder completamente ao conceito de aparência (o mais fácil de se “vender” para estranhos), o conteúdo disponível nela vai se adaptando à gratificação instantânea de se sentir parte. Contribuinte do conhecimento acumulado humano mesmo sem nunca ter estudado sobre o tema! E nessa, dá-lhe listas! Informação de fácil consumo, rasa e com a promessa de não te ocupar tempo demais. Não precisa se aprofundar, basta ter uma opinião. É um jeito das pessoas se acharem inteligentes sem ter que se esforçar para isso. É também uma proteção contra os “chatos” que realmente se interessam, porque ao direcionar a produção comercial de material na rede para o menor denominador comum, o internauta médio garante que a verborragia de um texto como esses seja cada vez mais uma atividade de nicho.

Assim como a baranga se beneficia muito se todas as outras mulheres só tirarem fotos dos mesmos ângulos “benéficos” que ela sempre tira, o burro se beneficia muito se todos estiverem discutindo apenas sobre versões superficiais dos temas. É estar na média sem grande esforço. Se a internet não movimentasse o dinheiro absurdo que movimenta, não teríamos a necessidade de tornar o ambiente propício para essa massa de preguiçosos com mais dinheiro do que juízo. Mas, profissionalizou.

Conteúdo como o que vemos aqui vai ser cada vez mais raro. Um amadorismo sem lugar no mundo moderno. Triste. No final das contas eu nunca vou saber se estamos mesmo muito acima da média ou se é só diferença de foco comercial. Até isso me foi negado. Maldita inclusão digital!

Para dizer que não valeu a espera, para elencar os dez motivos pelos quais sentiu falta de uma lista, ou mesmo para dizer que quando entender sobre o que eu falei, comenta: somir@desfavor.com

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Comments (15)

  • Mandando aquele comentário atrasadíssimo.
    Nossa, tenho que dizer, tem duas coisas que me dão muito ódio na internet:
    – Entrar em um site de notícia para ver algo relacionado a ciência (sou apaixonado por astronomia) e ter que ler comentários do tipo “Dilma isso, PT aquilo” ou fazendo piadinhas com o tema.
    – Clikar em um link aparentemente interessantíssimo esperando aprender algo novo e me deparar com um vídeo de um minuto e meio. Que inferno. As pessoas criando blogs pra postar vídeos ao invés de palavras. Quem lê hoje em dia, não é mesmo?

  • Eu quero só ver aonde vamos parar com tanta preguiça. Preguiça de ler, de escrever, de conversar, de saber…

    Pessoalmente gosto de textões, estou farta de praticamente aó encontrar coisa mastigadinha na net. Impossível evitar se sentir uma retardada ao se deparar com listas e vídeos explicativos pra quase tudo.

  • Excelente texto! Gosto demais deste blog porque é exatamente diferente da esmagadora maioria.
    Sempre leio – apesar de comentar pouco – e percebo que os textos são genuínos.

  • Despensamentos

    Não tenho tempo para gastar com asneiras. Mais lucrativo ficar floodando a rede com verborragia pra pagar imagem de pessoa de opinião forte ou com foto bonitinha pra descolar cantadas de eventuais “parceiros potenciais”

  • Quando o desfavor nasceu, as redes sociais ainda não tinham basicamente matados os blogs de opinião. Tanto que eu tive muitas oportunidades de escrever uma coluna como a “Deleta Eu!”, onde analisava com imenso carinho nossos companheiros de meio. Mas o tempo passou e não me sobrou muito o que criticar: sobraram apenas os blogs profissionais, focados em fazer dinheiro e conseguir cliques.

    Pois é, levaram a sério e deletarram mesmo ! hahahahaha

    Sempre pode ficar pior, “loss-loss”, afinal…

    Maldita inclusão digital!

  • Interessante texto.
    Sempre, acredito eu, setores movimentados pela sociedade civil ,vide o setor privado, se adaptarão aos desejos da sociedade. Por isso, medidas que tentem regulamentar esse setores, os movimentados pela sociedade civil, serão ineficientes e só cuidarão da consequência, sendo a causa a mera mentalidade de rato das pessoas.
    Não sei pq comentei… ngm vai responder msm kk

    • É verdade, Danilo… Será que comentaríamos tanto se a Sally não fosse aberta ao diálogo com os leitores?

      “A rede social imbuiu na cabeça do cidadão médio que o conteúdo não está pronto enquanto ele não participar.”

      O Somir não nos deixa participar, porque não nos dá atenção. Não alimenta o troll nem alimenta os carentes de like.

      Mas não estamos aqui por atenção. Estamos? Ter vaidade como anônimo é atestado de insanidade.

    • Estou respondendo, Danilo kk

      Então : está acreditando “certo”, hein…

      Aliás :

      O santo graal da rede de hoje é um tópico sobre o qual as pessoas tenham curiosidade, mas pouco ou nenhum conhecimento.

      Até uma conhecida minha, para quem recomendei outro “textão” nesta tarde, rejeitou “zoando” – sendo que eu havia verificado que talvez ela simpatizasse (muito !) com o assunto…

      Triste.

    • Não sei pq comentei… ngm vai responder msm kk

      Sua resposta está pronta na medida que você quiser que ela esteja.

      • Quando se diz responder… talvez esteja implícito, principalmente tratando-se de Desfavor, que seja questionar o comentário, complementar, xingar o comentador kkk e etc.
        Uma mera resposta nosense pegada batman não faz mt setido.

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