Presente de ex.

As pessoas acumulam bagagem em seus relacionamentos. Não só as emocionais, mas em forma de objetos também. Sally e Somir discordam quanta à validade do atual querer mexer nessa bagagem. Os impopulares nos presenteiam com suas opiniões.

Tema de hoje: é aceitável pedir que o parceiro se livre dos presentes dados pelo(a) ex?

SOMIR

Aceitável? Sim. Direito sagrado da pessoa querer que isso aconteça. Não creio que seja motivo para término ou para uma briga que ameace a relação seriamente, mas não me soa como um pedido que seja uma forma de violência contra seu(sua) parceiro(a). Nunca que se bota uma “coisa” na frente de um relacionamento. Prioridades!

Pode-se argumentar que é um pedido pouco razoável, não muito lógico. Afinal, são objetos. Mas relacionamentos partem de uma base que não é muito lógica para começo de conversa. Monogamia não é exatamente natural à espécie humana. Tem uma loucura de negar os instintos misturada em todo o processo de formar um namoro ou um casamento. Seja tanto ao resistir buscar novos parceiros na constância do relacionamento quanto a querer que a outra pessoa te dê exclusividade. Como se fosse a exclusividade que garantisse os sentimentos…

Mas, exclusividade traz um prazer considerável para muitas pessoas. Por ser uma delas, tenho que dar o braço a torcer e dizer que eventualmente defende-se o indefensável do ponto de vista lógico para viabilizar essa sensação agradável. É uma troca. Se formos parar para pensar, até apaixonar-se é algo que racionalmente deveria ser evitável. É muita dor de cabeça e muita “sopa” para o irracional pentelhar sua vida. Mas, como o que se ganha em troca é uma sensação positiva com pouco ou nenhum paralelo fora desse contexto, é um risco calculado.

Algo que eu venho aprendendo com a vida é que existem formas mais inteligentes de lidar com o irracional: ao invés de tentar desesperadamente fazer senso dele e transformá-lo em lógica, o que muitas vezes nem possível é, faz mais sentido racionalizar o entorno dele. Aceitar que o desejo irracional existe e transformá-lo em algo que se não é necessariamente positivo, que pelo menos seja possível de convivência pacífica. É aí que se aprende a ceder de tempos em tempos.

Ás vezes você tem que deixar passar algo que até percebe ser errado só para que esse algo errado não “entupa” o caminho das coisas certas. Se você tenta ser 100% racional, está tentando algo impossível. O tempo que se perde lutando contra o que não encaixa nessa visão utópica de mundo acaba atrapalhando a sua atenção para o que se pode realmente lidar de forma racional. Eu digo tudo isso porque consigo enxergar sim porque alguém acharia babaquice ter que se livrar dos presentes de um ou mais exes para agradar o atual, mas também enxergo o prazer que essa atitude causaria para quem tem o “disparate” de pedir.

Porque mesmo o que se trata como essencialmente irracional segue seu conjunto de bases lógicas. E aí é questão de aceitar esse conjunto para definir se aceita o pedido. Eu racionalizaria o pedido no conceito de territorialidade: bichos com essa característica ficam azedos quando sentem a presença de outro em seus territórios. Presente, passada ou futura. Não é sobre ameaça iminente, é sobre imposição da presença. Um presente do ex pode ser visto só como um objeto aleatório, mas quem tem essa visão territorialista pode sim enxergar como uma “árvore mijada”. E nada como um cheiro ruim para nos chamar a atenção…

Eu acharia aceitável me desfazer de presentes de ex namoradas pelo pedido da atual por imaginar que ela sinta esse “cheiro”, mesmo que eu não sinta. A percepção alheia não nos diz respeito. Como saber o que incomoda? Sabe aquele ingrediente que você não gosta na comida? Sabe como por mais que digam que não colocaram quase nada no alimento que você consome, você sente o gosto a cada garfada? Imagino que seja parecido: pra quem não gosta de nenhum sinal de exes na vida da atual, qualquer detalhe chama muito mais sua atenção.

Território. Como eu lido bem com a ideia de que alguém queria ter seu território livre de qualquer sinal de estranhos, entendo bem a base lógica do pedido. Tem gente que só se sente à vontade mesmo num ambiente que considere limpo: e num relacionamento, vai querer que só estejam lá no ambiente as coisas que remetam aos participantes dele. É como você enxerga sua casa: se são as pessoas que estão nela, ou se são as paredes. Quem vê pelo viés das pessoas quer que a casa tenha a cara delas, quem se preocupa mais com as paredes está colocando as pessoas em segundo plano. Se os objetos nela valem mais do que o mal estar da pessoa com a qual se escolheu viver, com certeza há um desencontro sério entre você e quem te pede para se livrar dos presentes de um ex.

É um conjunto de bases lógicas (fracas, é claro) que não significa necessariamente desconfiança que eu ainda queira algo com alguém do passado, mas sim que estou lidando com alguém possessivo e que faz muita questão de exclusividade, o que vaza até para o aspecto material. O que vai dar alguns problemas, é claro, mas tem lá suas vantagens igualmente exclusivas. Quem te cobra algo costuma te pagar na mesma moeda. Se você é do tipo que não quer nenhum estresse com a noção de exclusividade, um pedido como esses é sim um sinal de alerta. Mas se você está disposto a pagar um pouco para receber algo parecido em troca, começa a ficar bem aceitável.

Não defendo que a pessoa que pede isso queira terminar caso seja negada, relacionamentos exigem uma dose considerável de adaptação e até mesmo frustração para se manterem viáveis. Nem sempre é como queremos. Mas, há de se escolher suas batalhas. Vai depender muito de quão materialista você seja: se um objeto te é mais importante que um relacionamento feliz, pode ter certeza que escolheu mal ao ouvir um pedido assim. Como eu tenho prioridades bem focadas na pessoa ao invés de objetos, não me soa como um pedido complexo de atender. São só coisas, coisas se compram de novo. Coisas você joga fora. Pessoas que valem a pena são consideravelmente mais caras.

Faz muito sentido? Talvez não, da mesma forma como você acha fresco quem não gosta de um ingrediente que você gosta e fica sentindo o gosto dele em tudo. Mas adianta fazer a pessoa gostar do que não gosta? Ou de não se importar com o que se importa? Se é importante para ela que se “recomece” com objetos novos porque ela sente um cheiro ruim de intrusão ao lidar com elas, ela tem seus motivos. E isso não é obrigatoriamente desconfiança de uma traição, é um cheiro ruim de alguém que você não escolheu para estar do seu lado.

E ninguém é obrigado a viver numa casa fedida, não?

Para dizer que eu te decepcionei hoje, para dizer que homem é muito mais barato que um colar de diamantes, ou mesmo para dizer que quem bate palma pra maluco dançar tem que se foder mesmo: somir@desfavor.com

SALLY

É aceitável pedir que o parceiro se desfaça de todos os presentes dados pelo(a) ex? Não, não é aceitável, é uma burrice que pode voltar para te morder na bunda.

Se por algum motivo a pessoa quer manter os bens presentes de um ex, não importa o motivo, não vai ser você faniquitando que vai mudar a forma como ela se sente. Mesmo que se desfaça de todas as coisas, o carinho que fez a pessoa guarda-las ainda estará lá. As coisas não são o problema em si, e sim o sintoma. Se toca um alarme de incêndio, desligar o alarme não vai apagar o incêndio.

Os presentes de ex não remetem à pessoa, necessariamente. Alguns são tão importantes na vida atual, geram experiências tão bacanas, que nem mesmo lembram remotamente a quem os deu e sim à experiência vivida. Acho muito medíocre se apegar a bens, eu tento me apegar a experiências. Por exemplo, se eu ganho um patins, não olho para o bem em si e sim para todas as experiências bacanas que vivi com ele. E isso, meus amores, ninguém me tira.

É muita insegurança achar que a pessoa vai olhar para o bem e lembrar do ex. Deixar que, de alguma forma, um objeto inanimado te tire a paz dessa maneira é bizarro. Não, obrigada. As coisas só tem a importância que a gente dá a elas, e eu sinceramente não estou disposta a dar tanta importância assim para a ex de ninguém. O foco sou eu e a pessoa, o presente. O passado não me interessa mais.

Ainda que esse passado seja mais importantes do que eu gostaria, não tem nada que eu possa fazer para mudar isso. É uma ilusão boba de poder achar que jogar fora objetos me dê algum controle. Melhor ter a sabedoria de aceitar com resiliência que não controlo sentimentos e lembranças alheias, e assim, me libertar dessa situação humilhante de deixar objetos me assombrarem.

Ao entrar na paranoia de que os objetos comprados por ex o colocam presente em tempos atuais, se dá um poder enorme para ex. A última coisa que eu quero é relembrar para quem está comigo da existência dessa pessoa, desse passado. Passado é passado e é burrice mexer nele, pois pode fazê-lo virar presente novamente. Eu me recuso a coroar com tanto poder uma pessoa do passado. Minha postura é não dar importância.

Acho até sintoma, quando a pessoa tem a necessidade de remover do alcance dos seus olhos tudo que veio pelas mãos de um ex. Quanto medo, quanta preocupação, quanto gasto de energia com uma pessoa que, em tese, não faz mais parte da vida, não? Não consegue lidar com a visão de um objeto que foi comprado por um ex? Cuidado, tem coisa aí.

Outro ponto importante: falta tempo na minha vida. Falta tempo seriamente. O pouco tempo que eu ainda tenho disponível certamente não vai ser usado me preocupando com quais bens ex deu para atual. Gosto de usar minha energia comigo e com as pessoas que fazem parte do meu presente, para coisas que me gerem prazer. É uma escolha que fiz e acho que ela me faz bem, então, vou continuar com ela.

Se você parar para pensar a fundo, tudo da pessoa pode estar atrelado ao ex. Não é o fato do ex ter dado de presente que torna um objeto mais especial. A lingerie que a mulher comprou sozinha pode ter sido usada com um ex em uma noite marcante. O perfume que ela usa hoje pode ter sido escolhido pelo ex como sendo o cheiro que ele queria sentir nela, um inocente vestido pode ser o estopim para a noite de sexo mais marcante do casal ou um código oculto para as piores putarias… se você parar para pensar, pode ficar maluco. Tudo, qualquer coisa, pode ter um significado oculto importantíssimo para o ex-casal. Não é o fato de ter sido comprado pelo ex que confere importância. Se entrar nessa paranoia, vai querer que a pessoa jogue tudo fora e recompre do zero.

Essa paranoia com presente tem que acabar. Normalmente os objetos mais marcantes da vida de um casal nem são os presentes. Na real? A maioria dos casais erram na hora de se presentear, é provável que a pessoa nem goste muito dos presentes que recebeu. Nenhum de nós tem como saber quais objetos eram importantes para o antigo casal, então, melhor esquecer isso e tocar a vida. O que não podemos controlar deve ser abstraído, para nossa sanidade mental.

Sem contar que se doer por causa de presente de ex é mostra insegurança. Eu não quero ser uma pessoa insegura. Se existe algo entre a pessoa e a anterior, não vai ser jogando fora presente que eu vou me livrar do problema. Mais: quando existe uma coisa assim, ela é percebida no outro, não nos objetos. Preocupem-se mais com pessoas do que com bens. E não sejam otários de jogar fora objetos que possam te levar a essa percepção. Se tem algo ali, você vai querer ver.

Mulher tem muito essa mania: fica mais preocupada com a ex do que com a relação. Mantenha sua relação bacana, saudável e pronto, essa é a melhor maneira de blindá-la. Homens tendem à inércia, se você tratar razoavelmente bem e não encher o saco, grandes chances que ele continue com você.

Ao atribuir deliberadamente um valor tão grande a um presente de ex, elevando-o à categoria “algo para o qual eu nem posso olhar” e obrigando a pessoa a se livrar dele, se está alçando o autor do presente a uma grandiosidade que não convém. Exs tem que ser pequenos, esquecíveis, autores de uma série de equívocos que culminaram no fim da relação. A insignificância do ex é condição sinequa non para um relacionamento novo começar saudável.

Se o parceiro não dá insignificância a ex, todo mundo logo reclama. Acusa de ainda gostar, acha falta de respeito e consideração. Mas essas mesmas pessoas às vezes também contribuem para não dar insignificância a ex. É de uma loucura sem tamanho: você faz aquilo que recriminaria se seu parceiro fizesse. Deixem os ex em paz, deixem os ex no passado!

Muito bobo quem pensa conseguir uma vitória ao fazer parceiro jogar fora presente de ex. O que consegue é que o parceiro comece a mentir descaradamente sobre o que recebeu de presente de ex. E, ainda bem que nem todo mundo pensa assim, caso contrário talvez eu tivesse parado de escrever o Desfavor em vários momentos da minha vida.

Para acusar mais uma vez o Somir de ser a mulherzinha da relação, para duvidar que eu seja mulher (o que torna o Somir viado) ou ainda para dizer que quem conta o que foi presente de ex merece se foder e ter que jogar tudo fora: sally@desfavor.com

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Comments (21)

  • Desculpa comentar em posts antigos mas estou me atualizando!

    Olha, minhas ex’s lucraram bem com minha generosidade e cegueira pela paixão, presentes bem caros… então eu fico mesmo com qualquer coisinha, mesmo que seja um livro ou um perfume, já é alguma coisa…

    E se atual pedir pra jogar fora, só se me der algo em troca pra compensar o prejuízo!

  • namorando e andando

    Não é aceitavel não, é uma babaquice. Imagina se eu ia me desfazer de presentes caros ou coisa que eu gosto só porque quem deu doi ex. Quem pede isso fica ruim na fita.

  • Gente, eu sei que aqui não é nem a hora e nem o lugar, mas queria deixar uma sugestão pra um texto sobre “dívida histórica”! Sério! Não agüento mais ouvir essa expressão que nos acua cada vez mais! Só vocês mesmo pra desenvolverem o tema com a maestria que ele merece! Se encaixaria direitinho num “Sally/Somir Surtada(o)” ou “Flertando com o desastre”!

    Abraços!

    • Você diz de minorias supostamente oprimidas que querem compensação? Se for, já tem vários, principalmente no Desfavor da Semana

    • Poderia ser dos dois “surtando”, pq “tá demais” – aaaaaargh !!!

      Até criei as palavras “nazi-oportunismo” e “oportuZismo”, ficaram na minha cabeça…

    • Tava me referindo ao pessoal que têm retomado o termo, isso porque até quem eu menos esperava eu vi sendo alvejado “naquela rede” – nem com os meus anos de leituras compulsivas eu poderia prever tanto de lá, parece “13/2014″…

  • Trouxa é ostentar ou deixar à vista presente que o (a) ex deu.
    Mas, no caso de pessoas maduras, nada como o tempo para garantir que todo o passado se torne “passado”.

      • Bom, é sempre saudável deixar bem claro para o parceiro (a) da ocasião que ele(a) não é seu dono, mas deixar obscuro o fato de que você já teve outros relacionamentos, que não chegou nesse planeta ontem.
        Ou, tenha uma conversa sobre sexo, e mande se foder.

  • Como minha ex nunca me deu porra nenhuma (filha de português mão de vaca é essa merda aí!), não tive o que jogar fora quando dei um pé na bunda dela (embora ela diga pra todo mundo lá do lado dela que foi ela quem terminou comigo… mas tudo bem! Não ela quem ameaçou de fazer B.O. por perseguição…). A única coisa que eu peguei pra ficar comigo foi uma foto do álbum de 15 anos dela que, quando terminei – burro pra caralho! – piquei em mil pedacinhos em lugar de devolver pra ela. Agora ela vai ficar lembrando de mim pro resto da vida por causa do álbum desfalcado, fora a bronca (bem dada, reconheço) que levei da vaca escrota da mãe dela por isso!

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