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Superstições.

Superstições.

| Sally | | 28 comentários em Superstições.

Mesmo com acesso amplo a informações ao alcance de um clique, o mundo está cheio de pessoas supersticiosas. O mais curioso é que muitos deles não são propriamente ignorantes. Pessoas esclarecidas acabam se deixando levar por algumas superstições. A superstição nada mais é do que associar uma causa a um efeito sem qualquer embasamento para isso: manga com leite faz mal. Por qual motivo pessoas esclarecidas acabam sugadas por esse tipo de ignorância? De onde surgiram os principais mitos? Desfavor Explica: Superstições.

A tendência a acreditar em superstições está dentro do ser humano. É evolutivo: os antepassados que relacionavam causa e efeito, mesmo sem provas, acabaram sobrevivendo e passando os genes adiante. Aqueles que não tinham esta percepção, tinham menos subsídios para se proteger e acabavam mortos nas mãos da natureza ou de predadores. Certamente os que acreditavam em superstições se privaram de muita coisa de forma desnecessária, mas, no final das contas, sobreviveram. E foram esses os genes que recebemos, por isso, temos uma tendência a acreditar. Não vou me aprofundar nesta parte, pois já falamos disso neste Desfavor Explica, sobre o “Efeito Just In Case”.

Demorou muito para que a ciência evolua e possamos separar o joio do trigo. Hoje temos uma ideia mais clara do que é superstição e do que é realmente nocivo, mas, ainda assim, algumas vezes as informações se misturam. Descobrimos que aquilo que achávamos verdade era lenda e aquilo que era lenda pode ser verdade.

O mais curioso é que a origem das superstições quase nunca é a pura ignorância, e sim manipulação coletiva por mentiras deliberadamente inventadas por pessoas que querem se beneficiar delas. Uma minoria induzindo uma maioria a fazer ou deixar de fazer algo sempre visando seu interesse pessoal. Sim, superstições tem origens mesquinhas. Esse mecanismo evolutivo de tentar encontrar causa e efeito em tudo é usado por uma minoria de espertinhos para tirar proveito da uma maioria viciada em acreditar.

O caso mais famoso no Brasil é a lenda de que ingerir manga com leite faz mal à saúde. Muita gente acredita que se comer manga com leite passará mal e pode até morrer. Este é um mito que surgiu no Brasil colônia. A fruta era abundante e os escravos estavam sempre comendo mangas, pois a fruta estava a seu alcance o tempo todo. Já o leite… era um alimento mais raro e caro, não havia fartura de leite para todo mundo. Por isso, os senhores de engenho massificaram o boato que misturar leite com manga fazia mal: os escravos tinham acesso às mangas o dia todo e em maior quantidade, assim, tendo que escolher, acabavam optando por comer as mangas e deixavam o leite de lado.

Quebrar espelho dá azar? Bem, durante muitos séculos se acreditava que o reflexo do espelho mostrava a alma da pessoa, e não apenas seu reflexo (tanto que vampiros supostamente não tinham reflexo por não terem alma), assim, quebrar um espelho poderia causar algum dano à essência da pessoa. Porém, o que massificou essa lenda foi algo muito distante da alma. Tudo começou na Itália, no século XVI, e não tinha qualquer cunho espiritual: espelhos eram muito, muito caros. Assim, os patrões aumentaram uma lenda que já existia (e que dizia apenas que quebrar um espelho era ruim) passando a afirmar que quem quebrasse um espelho teria sete anos de azar, para que os criados tomassem muito cuidado eles. O medo fazia com que os empregados tomassem todo o cuidado do mundo com os espelhos. O bolso do patrão agradece.

Temos também os casos onde são histórias mal contadas, confusões, um telefone sem fio histórico. Não se trata apenas de ignorância, mas sim de um grande mal entendido, perpetrado por séculos. O ser humano nem sempre exercita seu senso crítico e reflexão.

Passar debaixo de escadas dá azar? Muita gente acredita que se passar por debaixo de uma escada, algo ruim vai lhe acontecer. Não é de todo sem fundamento. Antigamente se atacava castelos usando escadas para subir em suas muralhas: uma pessoa subia as escadas outra segurava a escada, pela parte de baixo. Uma das táticas defensivas contra esse tipo de investida era jogar óleo fervendo do alto das muralhas e, geralmente, o infeliz que estava debaixo da escada levava a pior.

No período medieval, também era frequente que criminosos caminhassem por baixo de escadas quando estavam sendo conduzidos para a forca, logo, passar por debaixo da escada era sinal de que você seria enforcado. Era tanta danação que virou força de expressão, quando se dizia que uma pessoa estava ferrada, se dizia que ela passaria por debaixo da escada.

Gatos pretos, coitados, ganharam a fama de demoníacos e de propagar o azar. Gatos eram mal vistos no geral durante o período da idade média. Seus hábitos noturnos geravam desconfianças de alguma ligação com o demônio, e preto não era uma cor muito prestigiada na época. Mas, acredita-se que a coisa desandou mesmo quando, uma noite, perseguiram e apedrejaram um gato preto, que buscou refugio na casa de uma idosa conhecida na cidade por amparar gatos de rua. O gato correu para dentro da casa, machucado, e a senhora (que já tinha fama de bruxa por acolher os gatos), o acolheu. Acontece que, por motivos desconhecidos, esta senhora também estava machucada, então, no dia seguinte, quando ela saiu na rua, a população concluiu que ela era o gato, uma bruxa que durante o dia assumia forma de mulher e à noite se transformava em um gato.

A coisa não acabou muito bem para esta senhorinha, acabou morta por religiosos. Nem para os gatos pretos, que passaram a constar oficialmente na lista de perseguidos pela inquisição. Dali em diante, a lenda só se espalhou. Mas, é possível que exista um resquício de ciência respaldando essa premissa de que gatos pretos trazem azar. O pelo do gato preto possuí uma quantidade muito maior de substâncias alergênicas, por isso, eles tem mais propensão de fazer com que pessoas passem mal. Não é azar, é química. Por este motivo, existem pessoas que não tem qualquer problema com gatos, mas passam mal quando expostas a um gato preto.

Bater três vezes na madeira espanta o azar ou te livra de algo ruim? Certamente não, mas durante séculos este hábito foi propagado por diversas culturas. Culturas indígenas acreditavam que os deuses moravam dentro das árvores, então, quando algo ruim acontecia ou se sentiam ameaçados, davam cascudinhos em árvores para “acordar” ou “chamar” os Deuses, de modo a que eles fiquem atentos para protegê-los. Os Celtas, por sua vez, acreditavam que as árvores tinham o poder de mandar os demônios de volta para o buraco de onde saíram e que este mecanismo seria ativado batendo nos troncos das árvores.

Na falta de árvores disponíveis no cotidiano, alguém presumiu que servia qualquer madeira. Hoje batem três vezes na porta, na parede ou onde quer que encontrem madeira, mesmo que “morta”, Francamente, se eu sou uma árvore e você me corta, me queima, me transforma em uma mesa, a última coisa que vou fazer é te ajudar se você me encher de cascudos.

Abrir guarda-chuva dentro de casa dá azar? Depende, se você morar em uma casa minúscula e seu guarda-chuva for enorme, rígido, feito de metal com um mecanismo de abertura violento e abrupto, provavelmente vai machucar alguém ou quebrar alguma coisa. Era isso que acontecia no século XVIII. Sempre dava merda quando abriam guarda-chuva em locais fechados, desde derrubar a bebida de alguém em uma taverna, até perfurar o olho de uma criança dentro de casa.

As sucessivas experiências negativas criaram uma associação de guarda-chuva em locais fechados com desgraça, então, mesmo quando a tecnologia melhorou os guarda-chuvas, o temor persistiu, pois não se tinha muita certeza se era pela dinâmica da abertura ou pelo guarda-chuva em si, então, just in case, melhor não abrir dentro de casa.

Dá azar ver a noiva antes de entrar no altar? Bem, antigamente dava. É que as mulheres ficavam trancadas se arrumando em um local onde homens não podiam entrar, graças ao puritanismo da época. Não podia pairar a menor desconfiança de que a mulher havia feito sexo antes do casamento.

Então, as vezes em que os homens viram a noiva antes de subir ao altar, foram as vezes em que ela literalmente estava fugindo do casamento, como vocês podem imaginar, não deve ser uma ocasião muito feliz. Igualmente, o hábito de carregar a noiva para entrar na casa ou suíte nupcial surgiu depois de alguns transtornos: com enormes vestidos de noiva e, depois de eventualmente beber nas festas, muitas mulheres tropeçaram e caíram, chegando a se machucar, arruinando a noite de núpcias. Não, não é cavalheirismo do homem carregar a mulher, é apenas uma forma de assegurar que farão sexo.

Algumas superstições pegaram tão forte que hoje foram elevadas à categoria normas de boa educação e incorporadas de vez no cotidiano. É o caso do “saúde” após o espirro. Em muitos países, em vez de dizer “saúde” se diz uma frase de cunho religioso, como “Deus te abençoe”. Isso surgiu no século VI, por ordem do Papa Gregório. O número de mortes pela peste aumentava exponencialmente e, os primeiros sintomas eram espirros. O Papa então pediu que cada vez que alguém espirrasse, fizessem uma oração para a pessoa, pois as chances de doença e morte eram grandes.

Acontece que, tanta gente adoeceu e espirrou que ficava impraticável dizer uma oração cada vez que alguém espirrava. O Papa então autorizou uma versão compacta de orar pelo doente: depois de cada espirro bastaria dizer “Deus te abençoe”, que valia como uma oração. Caso a pessoa estivesse sozinha, ela mesma deveria dizer “Deus me ajude” depois de espirrar. Infelizmente parece que Deus não estava muito atento, pois milhões morreram, apesar da prece express, que virou hábito e é utilizada até hoje.

Muitas superstições ficaram de fora, como o trevo de quatro folhas, as velas no bolo de aniversário, atirar moedas em fontes, fazer desejos para estrelas cadentes, ferraduras que dão sorte, jogar sal pelo ombro após derramá-lo, pés de coelho que dão sorte e outros. Talvez em uma segunda edição. O importante é que todo mundo entenda o efeito “telefone sem fio” ao longo dos séculos: eventos que o ser humano não sabia explicar acabaram associados aos objetos, pessoas ou circunstâncias que pareciam ser os causadores à época e estas histórias foram contadas e recontadas, distorcidas e aumentada, de modo a tornar um achismo verdadeiro. E nenhum filho da puta parou para se questionar se isso fazia sentido.

Também fica a dica: se você quer induzir uma pessoa a fazer ou deixar de fazer algo, bater de frente pode não ser a melhor opção. Jogue no ar uma superstição, as pessoas acreditam em qualquer bobagem. Quem sabe em alguns séculos o mundo todo não estará acreditando na sementinha que você plantou hoje…

Para dizer que tá na hora de reforçar o temor pelo numero 13, para dizer que cachorros pretos é que deveriam ser discriminados já que o demônio é apelidado de “cão” ou ainda para compartilhar suas superstições pessoais: deixe seu comentário.

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