BMJ – Dia 2

“Lepra nunca mais com unguento Laamás!” – berrava a plenos pulmões um dos tantos jovens contratados pelos comércios locais para cativar a enorme plateia que se acotovelava diante da casa do Big Mártir Judeia. Apesar da bagunça, creio que os romanos tenham uma coisa ou duas a aprender com o tino comercial dos judeus… um pote com nada mais do que azeite perfumado vendia como se fosse vinho para o povo fedorento. Isso muito por causa de Jesus, que besuntava-se com aquela mistura de tempos em tempos, sorrindo para a multidão. Judas, por sua vez, tentava argumentar com meia dúzia de gatos pingados sobre o embuste praticado diante de seus olhos.

Nesse clima começava o segundo dia na casa. A manipulação evidente dos resultados do dia anterior não só eliminou quase metade dos apóstolos como deixou um senso de divisão entre os restantes. Judas conseguira convencer André e Tiago (o ainda presente) a serem um tanto mais críticos aos métodos praticados por D.E.U.S., questionando a legitimidade de todo o evento. Matheus, Tadeu e João continuavam firmes em sua devoção ao constantemente inebriado cabeludo filho do diretor do programa. A grande surpresa das primeiras horas desse dia foi a postura de Pedro. Um dos mais fiéis defensores de Jesus, Pedro afastou-se de seu aliado e começou a comungar com os ideais de Judas, claramente a única cabeça pensante restante na casa.

Jesus pareceu especialmente incomodado com a atitude de Pedro, que por sua vez demonstrava uma frieza impressionante. Logo após um esfriamento nas vendas do unguento patrocinador do programa, vimos uma equipe do BMJ chegar ao local carregando duas canoas bem acanhadas. Os buracos no casco de uma eram visíveis. Com exceção de Jesus, que parecia mais interessado em mascar alguns cogumelos num dos cantos do salão principal, os outros apóstolos se juntaram diante do comboio que se aproximava.

Logo atrás dos homens carregando as canoas, ficava evidente uma divisão entre os presentes na plateia, tal qual o mar aberto por um judeu mitológico, o povaréu dividia-se em dois, parecendo dar espaço para alguém que vinha atrás. Duas figuras diminutas, vestidas de trapos das cabeças aos pés, andavam lentamente em direção à praça diante da casa.

A voz trovejante do diretor Jeová, que agora já se intitulava abertamente de D.E.U.S. em suas transmissões, começa mais um de seus discursos. O aviso que aquelas duas figuras encapuzadas na verdade eram dois jovens leprosos causou furor na plateia, que quase se atropelou na sanha de afastamento. Não havia muita diferença entre os dois assim que baixaram seus capuzes, mas, pudera, pareciam troncos ocupados por cogumelos em seus rostos deformados.

E então, D.E.U.S. disse:

“Estes dois jovens… Jesus, Jesus, cadê você? Jesus, vem pra cá logo, você precisa escutar isso… estes dois jovens foram amaldiçoados com a lepra dos pecaminosos. Pois não se protegeram com unguento Laamas!”

Vaias da plateia. Um início de apedrejamento, rapidamente contido pelos seguranças do BMJ. Jesus, finalmente debaixo do sol com todos os outros apóstolos, sorri e diz que como ele usou o unguento o dia todo, poderia até abraçar os leprosos. No primeiro sinal de aproximação dos jovens, um berro de D.E.U.S. faz os seguranças segurarem Jesus, agora confuso.

“Eles não merecem sua pureza, meu fi… participante. A prova de hoje vai testar a determinação e o senso de sacrifício de vocês. Um mártir não deve temer nada. Um mártir trabalha pelo seu povo diante de qualquer dificuldade. Vocês serão divididos em dois times, cada um receberá uma canoa. Seu objetivo é levar um desses jovens leprosos até a Ilha da Lepra, no centro do lago. Mas, a Ilha da Lepra está quase lotada. Só um desses jovens poderá ser acomodado por lá. O time que levar seu leproso primeiro ganha a prova e a imunidade do dia, tornando-se ungidos.” – D.E.U.S. dizia pausadamente, Jesus e boa parte da plateia confusos com o que acontecia ali.

“E o time que perder… não só vai para o Muro das Lamentações receber o apedrejamento popular, como ainda terá que disputar o azar para ver quem vai ter de adotar a criança leprosa. Lembrem-se: o que você dá pra D.E.U.S. ele te devolve em dobro!”

A plateia vai à loucura. Rapidamente uma dinâmica é montada na frente da casa, com um sorteio para separar os 8 apóstolos restantes em dois times. Jesus, Matheus, Tadeu e João formam o time que recebe a canoa em boas condições; Judas, Pedro, André e Tiago recebem a canoa furada. Por decisão dos dois times, Jesus e Judas mais uma vez são definidos como líderes de time.

Judas e seus apóstolos correm para buscar madeira e ferramentas para arrumar sua canoa. O grupo de Jesus empurra a canoa preguiçosamente rumo às margens do lago. E por grupo de Jesus com certeza não estou mencionando Jesus em carne, osso e vinho… o rapaz abobalhado parecia mais afeito a cutucar a criança leprosa com um galho do que prestar atenção na canoa. Enquanto Jesus ria, Judas e sua equipe consertavam a canoa. E quase ao mesmo tempo os dois times entraram na água, para delírio da plateia.

Com André e Tiago nos remos, Pedro segurano a criança leprosa debaixo de um grosso cobertor de lã e Judas guiando a canoa, logo chegavam a mais da metade do caminho, enquanto Jesus e seus asseclas pareciam girar a sua canoa em falso, fazendo sua criança vomitar por todos os lados. Com a maior parte da canoa coberta por vômito leproso, Jesus, Matheus, Tadeu e João acompanharam numa cena nojenta para todos os envolvidos. Logo todos, menos a criança, haviam abandonado o barco.

O jovem leproso na canoa do time de Jesus assumiu os remos e começou a remar desesperadamente. Com menos peso e muita força de vontade, rapidamente alcançou a canoa de Judas. Jesus e seus companheiros ficaram para trás, mas também seguiam em frente para evitar que o vômito boiando na água os alcançasse. O time de Judas notou o sacrifício do jovem leproso e começou a desacelerar, não o suficiente para perder a corrida, mas o suficiente para honrar aquele esforço solitário com uma chegada mais emocionante.

Foi quando todos ouvimos a voz de D.E.U.S. atravessando o ar:

“Jesus, aquela criança depende de você! Nade alguns metros para a esquerda e faça o bem!”

Jesus segue o conselho, e para espanto geral, começa a… andar sobre água! É como se ele pisasse na superfície líquida e ela se tornasse sólida. O povo nas margens começa a se emocionar, muitos berrando palavras de incentivo ao cabeludo, que agora corria sobre a água, em direção ao garoto na canoa. Algumas pessoas pareciam hipnotizadas pelo o que viam ali, e começavam a se jogar na água, em transe. A equipe de segurança acompanhou silenciosa por alguns momentos, mas quando alguns dos recém caídos na água começaram a se aproximar de uma estranha faixa de água que não parecia obedecer os mesmos padrões de ondas do resto do lago, vários deles saltaram na água e começaram a retirar o povo de lá. Foi quando eu notei a plataforma construída logo abaixo do nível da água, invisível no horizonte, mas alta o suficiente para que alguém andasse sobre ela.

E Jesus corria em linha reta, claramente sobre essa plataforma. Fui afastado pelos seguranças quando tentei subir na plataforma pela margem, mas ficou evidente para mim. Jesus alcançara a canoa de seu jovem leproso, mas não fez esforço para levantá-lo de lá. Na verdade, aproveitou a proximidade das canoas para chutar a da criança em cima da canoa do time de Judas, fazendo ambas baterem os cascos e desmontarem, afundando.

Com o impacto, Judas, Pedro, André, Tiago e a criança leprosa que levavam caem na água. A criança da canoa de Jesus é empurrada no sentido oposto e acaba caindo em cima da plataforma onde Jesus andava. O jovem grita por um milagre e tenta correr para abraçar Jesus, que por sua vez corre ainda mais para fugir dele. Logo os dois estão na Ilha da Lepra, onde a população local esperava de braços abertos.

Jesus, ao ver a cena, volta por onde veio, chutando a criança de volta na água e atravessando o lago em tempo recorde de volta. A criança leprosa acaba conseguindo chegar às margens da Ilha da Lepra antes de seu concorrente. Jesus volta pela margem sendo ovacionado pelo povo, mas ignora todos que tentam abraçá-lo, buscando uma garrafa do unguento Laamás, despindo-se em praça pública e jogando por todo seu corpo. O ato é repetido por inúmeras pessoas presentes, com certeza criando a maior venda do produto em todos os tempos.

Judas e seu time finalmente nadam de volta, encontrando o resto do time de Jesus na praia. Judas tenta se aproximar da plataforma na água, mas é impedido pela produção. Ele berra que o jogo foi manipulado, mas nada é capaz de tirar a atenção de Jesus da plateia no momento. Judas descobre que sua capitania o dava direito a escapar do Muro das Lamentações novamente, e numa surpreendente regra contada por D.E.U.S. minutos antes do apedrejamento, Pedro é ungido por ter passado mais tempo abraçado com um leproso na prova.

No apedrejamento, André e Tiago, agora sem nenhuma chance de escapatória pela falta do terceiro candidato, são cobertos de pedras e chamados de traidores. Após alguns minutos de severos golpes, alguém da produção se aproxima dos dois, e ambos começam a se dizer arrependidos de terem negado Jesus naquele dia. A plateia vai à loucura, com os dois sendo perdoados de um destino ainda mais cruel. Os dois então recebem a criança leprosa e são mandados de volta para suas terras. Ambos com um suplemento enorme de unguento Laamás, oferecido generosamente pelo patrocinador do programa.

A Bíblia está claramente mudando a narrativa oficial, dizendo que Jesus andou mesmo sobre as águas sem nenhum apoio. Sodoma ganha muito dinheiro com tudo isso, os patrocinadores se empurram nas portas da empresa para conseguir alguns minutos de atenção de Jesus, o melhor garoto propaganda da Judeia.

Espero que toda essa história não fique pior com o tempo.

Para dizer que agora quer comprar o unguento, para dizer que Jesus tem carisma, ou mesmo para dizer que tem algo estranho nessa história: somir@desfavor.com

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Comments (3)

  • No fim tudo não passou de uma enorme ação de marketing – essa palavra já existia naquela época? – pra vender mais “unguento Laamás” aproveitando-se da desgraça alheia… E o pior não é espalharem por aí até hoje essa lorota de andar sobre as águas. O pior mesmo é ver que tem gente que acredita e aceita sem questionar, por mais absurda e fantasiosa que a história seja!

    Quanto a Judas, temo que, infelizmente, ele talvez deva se acostumar a levar a pior sempre. Imagino qual seria sua reação se ele soubesse que, milênios depois, o populacho chegaria ao ponto de confeccionar bonecos toscos o representando apenas para “malhá-lo” a pauladas e pontapés e em seguida tocar fogo…

    • (…) ao ponto de confeccionar bonecos toscos (…)

      E “usarem” bois também (os bichos catarinenses, tá ?! *turun tss), inclusive depois de amanhã…

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