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Injeção.

Injeção.

| Sally | | 38 comentários em Injeção.

Elas assusta as crianças e faz muito marmanjo tremer e até fugir do consultório médico, mas é a única prevenção ou solução para problemas sérios de saúde. Então, como remédio para o medo te damos informação: Desfavor Explica: Injeção.

Em termos técnicos, injeção é introduzir líquidos no organismo por meio de uma seringa, utilizando uma agulha. Em termos escrotos, neguinho te fura e empurra pra dentro algo que supostamente é bom para você. Faça as pazes com a injeção, pois a ciência está longe de conseguir aboli-la.

Para muita gente, a injeção é um atraso, uma barbárie, um sadismo desnecessário, principalmente quando aplicada em crianças, que muitas vezes não conseguem ter a noção de que aquilo é necessário para seu bem. Apensas tem a percepção de seus pais segurando-as enquanto alguém lhes provoca dor. Mas a verdade é que a injeção ainda é o único caminho para prevenção ou tratamento médico.

Existem bons motivos para que as injeções ainda sejam necessárias, muitos deles técnicos demais para serem explicados aqui. Um exemplo mais compreensível é seu uso para situações que não podem esperar, como edema de glote. Em urgências como esta, a injeção é a única solução viável, pois sua absorção é muito mais rápida e um paciente que está sufocando não pode esperar. O medicamento faz o efeito desejado em um tempo muito menor quando comparado a outros meios.

A injeção também tem a vantagem de não sofrer a interferência de outros compostos produzidos pelo corpo, como por exemplo, os ácidos do estômago, que agem nos medicamentos via oral. Em muitos casos ela agride menos o corpo, como no caso de alguns remédios ministrados direto na veia, o que poupa bastante o sistema digestivo.

Existem diversos tipos de injeção, geralmente classificadas pelo local onde são aplicadas. Acreditem, existe até injeção no olho (papo técnico: injeção intra-ocular ou intra-vítrea), mas vamos falar apenas das mais comuns, que já será traumatizante o suficiente.

Via de regra, a injeção mais camarada é a intradérmica, aplicada com uma agulha pequena, com calibre de, no máximo 0,5 milímetros, que só precisa alcançar as camadas superficiais da pele (papo técnico: derme e epiderme). É o caso dos testes de alergia aplicados no antebraço. Não dá para dizer que é indolor, mas, francamente, também não dá para dizer que vai doer. Espere um desconforto mínimo, não há motivos para se preocupar.

A injeção subcutânea aprofunda um pouco mais a brincadeira, e é aplicada com uma agulha de calibre de, no máximo 0,7 milímetros. Nela o líquido, geralmente um medicamento, ultrapassa as primeiras camadas de pele e é aplicada na camada de gordura que se localiza entre o músculo e a pele. Por isso, se opta por locais do corpo onde há maior acúmulo de gordura, como coxa, braço o abdômen. É o caso da insulina, utilizada por diabéticos. A agulha continua sendo pequena e a dor quase inexistente. Ao aplicar o remédio nesta camada de gordura ele é absorvido lentamente pelo corpo, então, esse tipo de injeção costuma se usada para medicamentos que não necessitam de uma ação rápida e sim de uso continuado.

A agulha cresce um pouquinho na injeção intravenosa, aquela aplicada na veia, com calibre de até 0,8 milímetros. O líquido/medicamento vai direto para a corrente sanguínea, por isso esta injeção costuma provocar um efeito muito rápido. É o caso de alguns antibióticos e do soro. Aqui já é possível sentir algum desconforto, mas, geralmente, boa parte dele vem do psicológico de ter sangue envolvido. É o melhor método para quando se precisa de uma ação rápida e também para medicamentos que podem ser muito agressivos com o sistema digestivo.

Daqui pra frente, a coisa vai ficando desagradável.

A injeção intra-articular, como o próprio nome já diz, é aplicada nas articulações (joelhos, cotovelos, punhos…). O calibre da agulha nem é tão grosso, 0,7 milímetros, mas o local é ingrato, o que gera um desconforto maior. Por qual motivo alguém faria isso? Realiza que lindo, uma injeção no joelho! Sadismo? Não, analgesia. Ou são medicamentos para aliviar uma dor/inflamação no local, ou são anestésicos. Mas, como vocês podem imaginar, não é agradável uma seringa entrando em uma articulação. Não vai ser indolor e não vai ser bonito de se ver.

Na intramuscular a coisa fica ainda mais desagradável, o calibre cresce para 0,9 milímetros. Ao contrário do que muita gente pensa, levar uma agulhada no músculo costuma ser mais doloroso do que levar uma agulhada na veia. Com uma senhora agulha, esta injeção atravessa toda a pele e gordura, até chegar ao músculo. Normalmente é aplicada nos glúteos por ser a área que mais “recheada”, que melhor comporta uma grande quantidade de líquido. No critério dor, a intramuscular é a que tem as substâncias mais ingratas de se injetar.

Agora a agulha máster, aquela que faz tremer só de olhar: injeção intra-óssea. Isso mesmo, no osso, com calibre de até 2,3 milímetros. Utilizada, por exemplo, para alcançar a medula óssea ou para casos entremos, como paradas cardiorrespiratórias ou situações urgentes que dificultem a aplicação na veia. Vai no osso mesmo. Dói, pois para chegar no osso tem que passar por váááárias camadas, fazendo um furo de respeito. Mas, a boa notícia é que se você chegou a esse ponto, provavelmente nem vai sentir muita coisa, de tão fodido que deve estar.

No somatório final de fatores, a injeção intramuscular costuma ser a mais dolorosa. Apesar de não ser o maior calibre de agulha, ela é a mais profunda e normalmente a que contém os líquidos mais oleosos, mais espessos e em maior quantidade, que forçam a barra na entrada.

Para piorar a situação tem ainda uma questão química: o PH do corpo é básico (algo em torno de 7) e os medicamentos costumam ser ácidos (algo em torno de 6). Então, de certa forma, se está jogando “ácido” nos músculos. Até o corpo conseguir neutralizar o ácido que entrou pode demorar um pouco e, enquanto isso, fica aquela dorzinha. A cereja do sundae é que no músculo há pouca água, o que dificulta essa neutralização, que seria muito mais rápida em outras partes do corpo. Infelizmente não há como fazer fármacos com PH idêntico ao do corpo humano, ao menos por enquanto, pois o PH ácido é imprescindível para evitar a decomposição do medicamento. Então, a realidade da vida é que toda injeção intramuscular vai doer, em maior ou menor grau, e ficar dolorida por algum tempo depois.

Independente do tipo, se você vai ter que tomar uma injeção e está ansioso querendo saber se vai doer ou não, observe os três fatores: 1) tipo de agulha ; 2) tipo de líquido que será injetado e 3) o local onde será introduzida a agulha. Com essas três informações você consegue mensurar a dor, pois, via de regra, quanto mais profunda, quanto maior a quantidade de líquido e mais espesso ele for e quanto mais sensível o local, maior será a dor.

Por exemplo, o antebraço não é muito sensível, mas a mão sim. Quem já teve que tomar uma agulhada na mão sabe que dói pra caramba. Está na dúvida sobre locais que doem mais ou menos? Pegue um palito de dente e espete de leve (de leve, animal, não é para perfurar) várias regiões do seu corpo. Isso vai te dar um indício de onde dói mais, onde dói menos. Via de regra temos mais terminações nervosas nas extremidades.

O tipo de agulha e o tipo de líquido que vai entrar você é facilmente “descobrível”. Você pode ligar para o lugar onde vai tomar a injeção e perguntar ou pesquisa com o Dr. Google. Basta descobrir o gênero da injeção e o nome do remédio. Quanto maior a agulha e quanto mais espesso o líquido, maior será a dor.

Entre todas as injeções, a coroada como mais dolorida é a Benzetacil, muito viscosa, que causa uma dor de tal porte que muito médico se recusa a aplicar ela no braço, pois há casos de ocorrência de infarto em função da dor que causou. Além da viscosidade, esta maravilha é composta por uma substância (papo técnico: penicilina benzatina) que é capaz de romper as fibras musculares. Por isso ela entra literalmente rasgando e deixa essa dor do capeta que persiste por dias. Lembro de quando tomei benzetacil, ainda criança, que a dor foi tanta que nem sabia dizer se a agulha tinha saído ou se ainda estavam aplicando.

E como se isto fosse pouco, Benzetacil ainda tem o fator “pressão osmótica”, a pressão que o líquido faz para entrar no corpo e ultrapassar as barreiras colocadas pelo nosso organismo. Quanto mais coisa entra, mais força faz. E Benzetacil tem bastante volume, em quantidade e em espessura. Nosso corpo tem várias camadas de proteção, a começar pela pele, na intenção de nos proteger e não fica nem um pouco feliz quando elas são perfuradas. Quando tomamos uma injeção, o líquido tem que romper uma série de barreiras ou membranas e quanto maior o volume, maior a “agressão”. O Benzetacil entra e fica lá, depositado forçando a barra por dias até ser absorvido.

Outra belezura que, na minha opinião, dói mais do que Benzetacil, é uma gracinha chamada Citoneurin (complexo B). Esta querida entra queimando tudo, dá a sensação de que estão injetando ácido em você. Desejo de coração que vocês nunca precisem tomar este líquido do demo, mas, se precisarem, preparem seu emocional. Se você for mais sortudo do que eu, vai poder fazer uso dos comprimidos em vez de ter que passar por este momento abominável.

Mas, nem tudo é sofrimento. Pensando em você que se caga de medo de injeção, vamos mudar o rumo desta conversa, deixando de falar do problema e passando a falar das soluções.

Um fator que pode ajudar a atenuar os desconfortos de uma injeção é a técnica de aplicação. Cada medicamento tem um procedimento de aplicação, que nem sempre é respeitado pelo Zé das Couves da farmácia da esquina (sim, eles continuam aplicando injeções, mesmo sem ser permitido). Por exemplo, injeções com maior pressão osmótica devem ser aplicadas lentamente para atenuar o desconforto. Não basta saber disso, é preciso ter treino, ter técnica e ter habilidade para conseguir aplicar na menor velocidade possível. Não sei quantos de vocês já aplicaram uma injeção aqui, mas não é tão fácil quanto parece.

Além disso, para minimizar a dor a pessoa que aplica deve ter segurança. É proibido ter medo, hesitar ou falta de firmeza. É uma manobra única, firme e rápida, inserindo a agulha de uma vez, injetando o líquido na velocidade recomendada e removendo a agulha em um único movimento firme e rápido. Nem sempre as pessoas conseguem rapidez ao enfiar a agulha e lentidão na hora de injetar. Francamente, tem uns filhos duma égua que fazem exatamente o contrário.

Além do fator dor, tomar injeção com qualquer Zé Cu sem formação ou descuidado pode gerar consequências muito mais sérias que uma simples dor. Dependendo da injeção, se mal aplicada, pode lesionar um nervo causando paralisia no local. Existem casos mais graves, onde injeções já deixaram pessoas paraplégicas. Então, não quero te assustar, mas não deixe aquele seu amigo que diz que sabe aplicar te furar com uma agulha. Injeção, ao menos a intramuscular, a intra-articular e a intra-óssea, é só com profissional da saúde habilitado para isso.

Você, como infeliz que vai tomar a injeção, também pode fazer algumas coisas para sentir menos dor. Indolor não vai ficar, mas pode ficar menos ruim. Tente relaxar, pensar em algo que te deixe feliz ou te faça sorrir para liberar substâncias que gerem bem estar e reduzam a percepção de dor. Depois faça uma massagem colocando pressão na ponta dos dedos na área da injeção, não para relaxar e sim para distender a área que vai receber o líquido. Se ela estiver um pouco mais distendida que o normal, o arrombamento será menor e, consequentemente, a dor também.

Evite olhar para a agulha se isso te assustar ou deixar nervoso. Pense em outra coisa e, se conseguir, quanto estiver perto da aplicação, imagine que estão dando a injeção em outra parte do seu corpo. Isso vai fazer com que seu cérebro se prepare para sentir dor nesse local, “foque a atenção” para esse local errado, reduzindo a atenção do local que realmente vai receber a injeção, o que pode atenuar a dor.

Prenda a respiração por alguns segundos antes da aplicação, isso vai fazer com que sua pressão arterial aumente. Muitas pessoas fazem isso instintivamente, mesmo sem entender como o mecanismo funciona. Quando sua pressão arterial aumenta, a sensibilidade do seu sistema nervoso diminui. Por isso muitas vezes “esquecemos” de respirar em situações de dor. Frequentemente eu esqueço de respirar durante exercícios de musculação que fazem doer até as entranhas. Não espere grandes milagres, é uma pequena diminuição, mas é alguma coisa.

Se possível, não contraia o músculo. Aquilo vai entrar, quanto mais relaxado você estiver, mais suave vai entrar e quanto mais contraído estiver, mais força vai fazer para entrar e, por consequência, mais dor você vai sentir. Existem exercícios de respiração bem eficientes para induzir relaxamento, pesquise, teste em casa antes e faça o que melhor funcionar com você.

Se a sua situação estiver crítica e você achar que não vai conseguir tomar a injeção, não tenha vergonha. Converse e explique, pois, sendo o caso, é possível aplicar um creme anestésico no local para reduzir a sensação de dor e até diminuir a percepção de que algo está entrando. Muitas vezes o que dá agonia na pessoa é a sensação da agulha entrando e não a dor.

Você pode inclusive ligar para o local antes e perguntar se pode aplicar por conta própria esse creme anestésico em casa, é vendido em farmácias (Dermomax, cujo princípio ativo é a lidocaína). Deve ser aplicado uma hora antes para fazer efeito. Você passa em casa no local e vai tomar sua injeção sabendo que não vai sentir dor ou que vai sentir muito menos dor. Já vi casos de pessoas que passaram a pomada, fecharam os olhos e sequer perceberam que levaram uma agulhada.

Por fim, o clássico segurar a mãozinha de alguém querido na hora da dor funciona. Não há espaço para explicar em detalhes, mas se você quiser saber mais, dá uma lida aqui (https://super.abril.com.br/comportamento/ficar-de-maos-dadas-sincroniza-cerebros-e-reduz-percepcao-da-dor/). Num resumão grosseiro, apenas para te situar, dar as mãos para uma pessoa querida altera o padrão das ondas cerebrais e pode funcionar como um analgésico natural, reduzindo a percepção de dor. Dê a mãozinha para alguém quando for com você e sempre se ofereça para dar a mão quando uma pessoa querida estiver precisando.

Obviamente ninguém aqui deve gosta de tomar injeção, é algo antinatural, dói e nosso corpo entende isso como uma agressão e até como um risco. Mas algumas pessoas vão além desse não gostar e desenvolvem uma fobia de agulhas: a aicmofobia (do grego: aichmē = ponta e phobos = medo).

Não é desgostar, é um medo exacerbado, incontrolável e irracional, vinculado a qualquer agulha, mesmo que não seja para injetar e sim para colher, como no caso do exame de sangue. Nesse caso pode ser necessária a prescrição de um ansiolítico por um médico na véspera do evento para conseguir encarar a situação. Vale tudo: terapia, medicamentos ou simpatias, só não vale ficar sem tomar o remédio ou vacina por medo de agulha.

Para terminar, um último recadinho aos pais: parem de usar injeção como ameaça: “se não fizer tal coisa vai ficar doente e vai ter que tomar uma injeção, hein?”. Ao longo da vida seus filhos terão que se submeter a várias agulhadas, se vocês vincularem isso a uma coisa ruim, estarão criando um sofrimento para o resto da vida deles. Tenham controle e voz de comando sobre seus filhos sem precisar de barganha, ameaça ou chantagem, fazendo o favor. Não é mais do que obrigação dos pais.

Para dizer que agora que sabe a parte técnica está ainda com mais medo de injeção, para dizer que quer um texto sobre o lance das mãos dadas ou ainda para dizer que esperava um texto raivoso sobre o empate com a Islândia: sally@desfavor.com

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