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Guerra das Malvinas

Guerra das Malvinas

| Sally | | 42 comentários em Guerra das Malvinas

Você já deve ter escutado muito sobre as Malvinas, é um daqueles assuntos que todo mundo fala, mas ninguém explica. “As Malvinas são argentinas” ou “o próprio povo prefere que sejam inglesas”. Será? Vale a pena olhar a história mais de perto, para que você forme sua própria opinião sobre o caso. Desfavor Explica: Guerra das Malvinas.

As Malvinas são um conjunto de pequenas ilhas localizadas ao Sul da Argentina, cujos atrativos são riquezas naturais e posicionamento estratégico. Diga-se de passagem, o nome mais correto é Ilhas Falkland, pois a Argentina perdeu este território em definitivo para a Inglaterra após uma guerra desastrosa. Porém, oficialmente elas são chamadas de “Malvinas” por todos os países do Mercosul, é assim que vou me referir a elas.

Culturalmente, o local é mais argentino do que inglês. Os habitantes também falam espanhol, muitos recebem auxílio do governo argentino e muitos vão estudar na Argentina. Boa parte da população se sente argentina. Apesar de serem uma colônia inglesa, não lhes é permitido morar na Inglaterra e eles não tem os mesmos direitos de cidadão inglês.

Na verdade, a Inglaterra meio que despreza eles, os chama de “coletores de algas”, ou, em inglês, “kelpers”, termo que que deriva da alga marinha kelp. A Inglaterra se aproveita das Malvinas pelos recursos naturais, mas não dá todo o amparo e assistência que poderia ao seu povo (como fez, por exemplo, com a Irlanda), em parte pela distância, em parte por preconceito, o que só fez aumentar a raivinha que os argentinos nutrem pelo Reino Unido.

Graças a uma série de más escolhas ao longo da história se criou este terreno com povo híbrido, que não é nem uma coisa, nem outra. Para entender melhor essa disputa/conflito, é preciso conhecer melhor a história destas ilhas.

A controvérsia começa desde o momento de sua descoberta: os ingleses alegam que eles descobriram as ilhas, através do capitão inglês John Strong. A Espanha alega que ela descobriu as ilhas através de Fernão de Magalhães. O grande problema é que, seja lá quem tenha descoberto, não povoou as ilhas, elas ficaram sem habitantes, o que deu margem para uma grande confusão quando finalmente decidiram colonizar o lugar.

Quem primeiro habitou as Malvinas foram os franceses, em 1764 pelas mãos do capitão francês Louis Antoine de Bougainville, mas eles acabaram desistindo de reivindicar as ilhas, “cedendo os direitos” para a Espanha (que pagou uma boa quantia por esta generosidade). Há registros de um assentamento britânico no local à mesma época, porém, eles acabaram se retirando do local alguns anos após sua chegada.

Então, incialmente, elas pertenciam à Espanha, país que “descobriu” e colonizou a Argentina. Quando a Argentina se tornou independente, as ilhas Malvinas vieram no pacote e passaram a pertencer ao país. Até aqui não há muita controvérsia, mas um pequeno incidente mudaria o curso desta história.

Como era no fiofó do mundo, distante e sem muita expressividade, não foi enviado um governante para as ilhas. Enviaram uma pessoa itinerante, responsável por cuidar das ilhas, chamado Luis Vernet, com o acordo de que ele poderia explorar a pesca e o gado selvagem do local. Como estava focado em explorar as ilhas comercialmente (e não em governa-las), Vernet frequentemente tinha que se ausentar para cuidar das exportações.

Vernet se mudou para as Malvinas fez um trabalho bem-sucedido e começou a levar colonos argentinos para povoar as ilhas. Seu trabalho foi tão bom que ele foi reconhecido pelo governo argentino como “comandante militar e civil” das ilhas, sem qualquer oposição nacional ou internacional.

Ele começou a trabalhar para regulamentar a pesca, com o objetivo de impedir atividades de baleeiros e caçadores de focas estrangeiros, que exploravam as ilhas como se elas não tivessem donos. Um belo dia, aconteceu um problema envolvendo estes direitos de pesca e caça com um barco americano que desrespeitou as normas impostas. Por causa deste incidente, Vernet teve que ir aos EUA para resolver a questão, deixando apenas a população argentina “tomando conta” do local.

No que souberam que o síndico saiu do prédio, a Inglaterra, na crocodilagem, invadiu as Malvinas e tomou o poder, expulsando os argentinos do local e declarando a ilha uma colônia inglesa. Feio, muito feio, se aproveitaram da ausência de Vernet para agir de forma sorrateira e isso nunca desceu pela garganta dos argentinos. Ali sim era o momento para declarar guerra: uma agressão vilipendiosa acabara de acontecer. Mas o país não tinha condições de proteger seu território. Como não tinham poderio militar para peitar a Inglaterra, apenas registraram um protesto oficial.

A questão continuou mal resolvida por anos. Em 1960 a ONU aprovou uma resolução recomendando a “descolonização” das ilhas, uma decisão que favorecia a Argentina, o que acirrou ainda mais os ânimos. Percebendo o estrago que causou, poucos anos depois a ONU aprovou a resolução 2065, pedindo que Inglaterra e Argentina chegassem a uma solução negociada.

Mas o “não briguem, crianças” da ONU falhou miseravelmente. A Inglaterra até tentou negociar, foram anos de conversas sigilosas, que, infelizmente, acabaram mal, muito mal. Para entender os motivos pelos quais não foi possível uma solução pacífica, temos que olhar mais de perto a história argentina.

Era um período de pleno desenvolvimento da Argentina, o país era, de longe, o top da América Latina. Hoje é uma grande favela horizontal, deprimente e decadente, mas, acreditem, houve um período em que era um pedacinho da Europa nas Américas.

Porém, entre 1976 e 1983 houve uma severa ditadura militar no país, que praticou atrocidades que fazem a ditadura brasileira parecer um show do Patati Patatá. Graças ao punho de ferro com o qual regiam o país, esta ditadura perdia popularidade e começava a ser ameaçada por inúmeros movimentos de resistência.

Nesse contexto, nesse exato período, se deu um marco histórico em que as Malvinas completavam 150 anos nas mãos da Inglaterra e, por normas internacionais, se esgotaria o prazo para que a Argentina reivindique as Malvinas de volta: se ficasse inerte, seria considerado um consentimento e as ilhas iriam de vez para a Inglaterra, sem qualquer possibilidade futura de contestar a posse das ilhas diplomaticamente. O país foi consultado sobre seu interesse em reivindicar as Malvinas de volta.

E aí entra uma parte nebulosa da história. Há quem diga que os militares argentinos que estavam no poder eram tão toscos, mas tão toscos, que entenderam que esse ultimato dos 150 anos significaria ter que retomar as ilhas na base da porrada, e por isso declararam guerra. Pode parecer improvável, mas as pessoas que estavam no poder à época eram de fato seres humanos muito burros e obtusos, vide o que fizeram. Dizem inclusive que, quando perceberam a merda, alimentaram propositadamente a teoria do parágrafo seguinte, pois preferiam parecer estrategistas (ainda que cagados) do que completos idiotas.

Há uma segunda teoria, que é a mais popular e mais aceita, alegando que declarar guerra foi uma jogada para unir o país contra um inimigo em comum, com o objetivo de gerar um frenesi patriótico, tirando o foco da revolta contra os militares, já que o povo argentino nunca esqueceu como as ilhas foram tomadas na mão grande, na safadeza, com um ato oportunista. Obter as ilhas de volta na diplomacia não restauraria a moral dos militares, por isso optaram pela guerra, para tentar desviar o foco das atrocidades que cometiam no país e para reconquistar a simpatia do povo argentino. Seria uma forma de mostrar ao país que o pulso firme dos militares era necessário.

Ou seja, ou foram muito burros, ou foram muito filhos da puta. Por incrível que pareça, hoje as evidências históricas apontam para o fato de serem muito burros, sequer sabiam (ou se deram ao trabalho de consultar alguém capacitado) que a coisa poderia ser feita pelas vias diplomáticas. Mas, se de fato foram burros, também não faltou oportunidade de serem filhos da puta posteriormente.

Fato é que, por causa desse prazo que consolidaria as Malvinas nas mãos da Inglaterra para sempre, a Argentina declarou guerra tentando reaver as ilhas. Um grande erro, um fracasso retumbante que, de tão estrondoso, acabaria gerando a queda do regime militar. Como a intenção é fazer um texto leve e informativo vou poupá-los das atrocidades e covardias a que os jovens soldados argentinos foram expostos (muitas vezes partindo de seus próprios superiores hierárquicos). Vamos apenas a uma sinopse da vergonha mundial que a Argentina passou.

Como todos sabem, nesta guerra a Argentina levou um pau histórico. Até hoje existe uma expressão no país para descrever uma derrota monstruosa que diz “perdimos como en la guerra”, em uma referência à sova que tomaram. Esta derrota se deu basicamente por imbecilidade daqueles responsáveis pela logística e estratégia: sim, os militares, cuja única função é essa, fizeram uma lambança horrorosa. Tanto é que a guerra foi bem rápida para os padrões mundiais: começou em 2 de abril de 1982 e terminou em 4 de junho do mesmo ano.

Primeiro que não era para ter declarado guerra, queimaram instâncias. Deveriam ter tentado retomar as ilhas de forma diplomática antes, alegando tudo que eu já falei sobre as ilhas e a população: havia identidade cultural, eram amparadas pelo governo argentino, etc. A comunidade internacional teria visto com bons olhos, a ONU já tendia para o lado argentino e pegaria bem mal para a Inglaterra não devolver, sobretudo quando fosse levado a público a forma furtiva que o país usou para tirar as ilhas das mãos da argentina.

E, mesmo que não fosse solucionado de forma diplomática, não tinha que ter entrado em guerra pelo simples motivo de não ter poderio militar para encarar a Inglaterra, um país mais desenvolvido, com aliados fortes (os EUA, por exemplo, deram uma ajuda bem relevante, pois eram aliados da Inglaterra na OTAN) e com uma tradição naval fortíssima, afinal, o país é uma ilha. Enquanto isso, a Argentina… coitada, recebia como ajuda três aeronaves da EMBRAER do Brasil. Quando seu respaldo são aviões da EMBRAER, recusa, meu anjo, que você não tem poderio militar.

Porém declararam guerra. Não só declararam guerra como ainda acharam que daria certo que 90% dos soldados enviados fossem jovens entre 16 e 20 anos, com o plus de que muitos deles nunca haviam sequer pegado em uma arma. Para vocês terem uma ideia do amadorismo, a Inglaterra, mesmo muito mais distante, enviou mais de 28 mil combatentes experientes, quase o triplo de efetivo enviado pela Argentina.

Além de dizimar uma geração de jovens, colocaram rapazes inexperientes com armamento inferior para serem massacrados por soldados experientes com melhor armamento. Nem preciso dizer que a grande maioria dos soldados argentinos morreram como moscas em batalha, trucidados por um massacre onde o maior culpado não foi a Inglaterra e sim o governo argentino.

Em Ushuaia, última província argentina antes da Antártida, que fica pertinho das Malvinas, existe um grande memorial para as vítimas da guerra, com muitas fotos e informações. É muito triste, você vê que os soldados eram meninos, quase crianças, com cara apavorada, sem saber o que estavam fazendo. Você vê o medo, a inexperiência e a precariedade em cada foto exposta no local.

Em uma das fotos, inclusive, se pode ver claramente que um soldado segura a arma de forma visivelmente errada. Esse era o grau de despreparo. Morreram para nada, em uma guerra que qualquer idiota sabia estar perdida no momento em que começou. Basicamente ceifaram toda uma geração de jovens por mera burrice e/ou para tentar criar um factoide que garantisse aos militares mais tempo no poder.

Para piorar um vexame que, por si só já seria péssimo, as notícias chegavam ao país manipuladas: os argentinos acreditavam que estavam indo muito bem na guerra e que venceriam. Enquanto isso, seus filhos morriam de hipotermia, tiro ou sofriam abuso sexual de seus comandantes. Em uma época sem internet, a mídia ainda conseguia manipular e monopolizar as informações.

Quando a verdade veio à tona, os militares perderam todo o apoio e respeito da população e sua permanência no poder se tornou inviável. Ao menos algo de bom veio dessa podridão toda, em 1983 chegava ao fim o período de ditadura militar, graças, majoritariamente à cagada que fizeram com as Malvinas. Não, não foram revolucionários nem militantes que derrubaram a ditadura, eles foram tão incompetentes que derrubaram a eles mesmos com esta escolha absurdamente errada de declarar guerra.

Com esta derrota retumbante, a Argentina perdeu não só as Malvinas, como também o direito de reivindicar diplomaticamente as ilhas de volta. As Malvinas, na verdade, as Ilhas Falkland, pois sim, elas pertencem à Inglaterra, hoje são inglesas de forma irreversível.

Posteriormente até foi feito um plebiscito com o povo das Malvinas perguntando se eles queriam continuar sendo uma colônia inglesa ou se queriam voltar a fazer parte da Argentina. O povo votou massivamente para continuar sendo uma colônia inglesa, o que, na época, acabou sendo interpretado de forma errada. Para entender este resultado é preciso conversar com nativos locais.

Não é que o povo se sinta inglês ou goste dessa situação, o voto na verdade significa “deixa como está, porque não queremos outra guerra”. É que se o plebiscito tivesse como maioria de votos o desejo de retornar à Argentina, isso de forma alguma obrigaria a Inglaterra a “devolver” as ilhas de forma pacífica, coisa que eles declararam várias vezes que não estariam dispostos a fazer, por causa do seu direito consolidado. Então, se o povo votasse pelo desejo de ser argentino, provavelmente causaria uma nova guerra e de forma alguma os moradores queriam isso.

Por se tratar de uma guerra recente, o povo das Malvinas ainda carrega marcas e cicatrizes de todo o sofrimento que ela provocou e não queriam de forma alguma mais violência em seu território. Sim, as Malvinas ainda têm que lidar com sequelas da guerra. Por exemplo, os campos minados nos arredores de Port Stanley.

Durante a guerra, as topas argentinas instalaram artefatos explosivos feitos de plástico no solo, o que dificulta a detecção das minas, uma vez que normalmente ela é feita buscando por metal. Por isso, não é possível precisar exatamente onde essas minas terrestres estão. Resultado: algumas áreas são isoladas e interditadas até hoje, ninguém pode pisar, sob o risco de ser explodido.

Mas, então, o que querem os moradores das Malvinas? Muito se briga dizendo que as Malvinas são argentinas ou que as Falkland são inglesas, mas ninguém vai perguntar para os moradores o que de fato eles querem. Eu fui. Na realidade, faz tempo que as Malvinas querem sua independência. Não querem nem ser colônia, nem ser argentinos, querem ser independentes, ser um país autônomo. Pessoas se autoestima elevada… não quis perguntar se eles conseguiriam sobreviver comendo apenas cocô de albatroz pois achei rude. Se eles acham que conseguem se manter como país, vamos tentar respeitar.

A grande piada é que as Malvinas dão um tremendo prejuízo para a Inglaterra. Apesar de muitos recursos naturais valiosos (como petróleo, por exemplo), elas não se pagam. Porém, todos os meios diplomáticos foram exauridos e, mesmo que a Inglaterra quisesse devolver, a Argentina está quebrada e provavelmente não teria condições de reaver o arquipélago. Um desfecho imbecil para uma das guerras mais imbecis da história, como bem definiu o escritor argentino Jorge Luis Borges o conflito foi como “dois carecas lutando por um pente”.

E Brasil nisso tudo? Bem, o Brasil adota o princípio da solidariedade com o país vizinho. Ele e os outros países do Mercosul somente utilizam o nome “Malvinas” para designar o arquipélago e, em dezembro de 2011, concordaram em proibir que barcos com a bandeira das Falklands atraquem em seus portos, em uma versão soft de bloqueio comercial.

Tecnicamente, a questão está resolvida: as ilhas Falkland são inglesas. Mas emocionalmente, os argentinos ainda não superaram. Se um dia o país se reerguer (ao que tudo indica, vai ser asfaltado e virar um estacionamento do Brasil) é provável que os argentinos cumpram sua eterna promessa: voltarão para reaver as ilhas.

Para dizer que o Brasil é o maior pé-frio de guerras de todos os tempos, para dizer que se aborrece argentinos você é a favor ou ainda para dizer que as Malvinas são basicamente dos pinguins: sally@desfavor.com


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