Adultinhos conversam.

Hoje venho falar obviedades. Se você é uma pessoa mentalmente sã, emocionalmente madura e equilibrada, você não precisa deste texto. A premissa é bem simples: quando surge um problema, uma desavença ou um impasse, adultos conversam. Parece óbvio, não é mesmo? Mas não é. O tempo todo vejo adultinhos que não conversam quando esse tipo de situação se apresenta.

Tem adultinho que simplesmente fica de mal, emburradinho e para de falar com a pessoa ou fala monossilabicamente, esperando que o outro adivinhe magicamente o que aconteceu. Tem adultinho que tem crise de raiva. Tem adultinho que tem crise de choro. Tem adultinho que corre para conversar com outro adultinho que não é o adultinho envolvido na questão. Tem adultinho que manda indireta em redes sociais. Tem infinitos tipos de retardados emocionais.

Sempre que um deles vem me perguntar o que fazer, eu dou a resposta mais óbvia: fale a verdade. Sempre vem uma resposta imediata: “Ah, mas se eu falar a verdade vai acontecer tal coisa”, sendo “tal coisa” um problema. Meu anjo, o problema já existe. Se você precisa mentir ou omitir para manter uma relação, qualquer que seja ela, esta relação não vale a pena. Fala a verdade ou sai fora. Pode ter certeza, não conversar vai gerar ainda mais problemas do que conversar.

“Ain, mas quando eu estou de cabeça quente eu falo merda, você quer me obrigar a falar merda?”. Não. Conversar não precisa ser necessariamente entrar no cerne da questão. Conversar é não varrer para debaixo do tapete. Nada te impede de dizer para a pessoa que está chateado com uma coisa que aconteceu ou que ela fez, mas que no momento não tem condições emocional de falar sobre isso, então, vai se acalmar e quando estiver pronto para conversar vai chamar a pessoa.

Isso é civilidade. Não sei em qual mundo você vive, mas em um mundo normal você não é tão importante para que o outro perceba uma mudança de comportamento e fique tentando entender, adivinhar ou presumir o que aconteceu. Agir assim é se achar muito mais importante do que você é, e, dica de amiga, anota aí: as pessoas cansam disso.

Toleram uma, toleram duas, toleram cem vezes, mas chega o dia em que elas cansam, e aí vem o pé na bunda, vem o divórcio, vem a ruptura da sociedade, vem a demissão, vem o fim da amizade. Não parece, mas esse dia chega, mesmo para as pessoas mais tolerantes.

Muita gente faz isso, consciente ou inconscientemente, para “descobrir o quanto é amada”, para medir seu valor. “Vamos ver se ele realmente gosta de mim, vamos ver se ele atura, se ele corre atrás”. Cansa. E te digo mais uma coisa: se eu estiver por perto, grandes chances da pessoa cansar mais rápido, pois eu vou detonar com todas as armas que eu tenho palhacitos que se portam assim. Não tem que manter pessoas assim por perto. Ponto final. Surgiu um problema? Converse como uma pessoa adulta.

“Ain, mas eu preciso do meu emprego”. Ninguém perde o emprego por conversar. E mesmo que perdesse: precisa a ponto de ficar engolindo sapo, problema e não falando sobre o que te aborreceu? Desculpa, procura outro emprego, nada vale sua saúde mental. Além disso, conversar sobre o que te chateou não é chegar para o seu chefe, para o seu sócio ou para o seu colega de trabalho e sair xingando ou dizendo coisas ofensivas. É possível falar as coisas com civilidade. A alegoria de “perder o emprego” nada mais é do que uma desculpa para não ter que confrontar os problemas.

Isso é medo do que os outros vão pensar, medo de ser rejeitado, medo de ter seus sentimentos não-validados. Autoestima mandou lembranças. Se algo te incomodou, a pior coisa que você pode fazer a esse respeito é não conversar sobre isso com a pessoa envolvida, e o pior dos motivos para não fazê-lo é por medo. Engolir sapos por medo te torna inseguro, infeliz e até adoece.

Acredito que também exista um grau de retardo emocional ainda mais profundo: quando a pessoa é tão aleijada emocional que sequer consegue reconhecer e dar nome para o que está sentindo e de onde veio.

A pessoa é tão rudimentar quando um Bonobo, sobe apenas um sentimento negativo, ruim, uma revolta, meio que sem nome, meio que sem racionalização de causa. Acontece algo que faz com que a pessoa se sinta injustiçada e a autoestima vira-lata dispara, mandando a racionalidade para a puta que pariu e transformando tudo em uma putez difusa, confusa e sem critérios. Cuidado, gente assim pode acabar atirando fezes em você.

Adultinhos funcionais sabem distinguir uma gama de sentimentos, por exemplo, sabem diferenciar raiva, de angústia, de medo, de rancor, de revolta e tantos outros. Adultinhos funcionais sabem de que ato nasceu esse sentimento e por qual motivo esse ato gerou o sentimento. Se você não sabe, bem, terapia, para ontem. É um saco, um verdadeiro inferno, conviver com quem não se conhece e não se entende. Terapia ou vai viver nas montanhas para não encher o saco dos outros e não estressar gente que está tentando se comunicar de forma normal.

“Mas Sally, eu não consigo e pronto”. Primeiro que essa frase é um mantra dos acomodados. Consegue sim, se quiser. Se não quiser, se esconde atrás dessa crença de que não consegue, mas para quem a compre, não para mim ou para pessoas esclarecidas, que não vão comprar e não vão querer ficar por perto. Depois a pessoa diz que “só atrai” maluco, escroto, etc. Claro, se portando de uma forma socialmente não aceitável, esperava atrair o que? Gente com autoestima não tolera faniquito alheio.

Não consegue mudar sozinho? Pede ajuda. Não tem dinheiro para fazer terapia? Tem muita terapia gratuita em universidades e instituições. “Ain, mas eu não me sinto bem conversando com uma pessoa desconhecida”. E se sente bem sendo uma pessoa com dificuldades de comunicação? Meu anjo, tratamento é tratamento. Eu não gosto de tomar remédio, eu não gosto de ter a mão de um ginecologista apalpando meu útero, eu não gosto de um monte de coisas que tenho que fazer para estar saudável. Suck it! Vida adulta tem dessas coisas que a gente não gosta mas tem que fazer.

Mas tudo bem, vamos supor que seu grau de demência seja tal que conversar com um terapeuta sério (não um coach, não um comportamental, um terapeuta sério) não seja uma opção. Tem muito vídeo bom de autoconhecimento no YouTube. Tem muito livro gratuito online para te ajudar. Faz um levantamento do tempo que você passou na internet no último mês e do que você consumiu online e você vai ver que você poderia estar se ajudando e não está. Investir tempo para se entender e melhorar também é uma possibilidade. Mas para isso tem que parar com as distrações e olhar para dentro, mesmo com medo do que vai ver.

Vou ser ainda mais generosa. Vamos que além de retardado emocional você seja burro como uma porta. Assiste a muita coisa, lê muita coisa e continua sem entender porra nenhuma. Ainda assim, há um recurso: conversar com a pessoa. Sim, você pode conversar e tentar expressar o que você está sentindo, mesmo sem saber dar nome ou explicar de onde vem. Se chama “ser verdadeiro”, é muito bom, você deveria tentar.

Chega e fala “Fulano, estou chateado, não sei dizer bem como nem o motivo, nem eu mesmo estou entendendo direito, se você puder me ajudar a entender isso, te agradeço, está sendo muito ruim para mim”. Eu duvido que alguém te escrotize por isso. E, se escrotizar, é um ótimo livramento: tira essa pessoa da sua vida pra ontem! Qual é o problema de pedir ajuda? Só quem tem uma autoestima muito fodida precisa bancar o durão que tá sempre ótimo, pessoas inteiras pedem ajuda.

“Mas Sally, eu sei o que me chateou, mas não vou falar, pois eu falo e não adianta nada”. Taí um errinho bem cretino de definição. Adultinho não fala as coisas por adiantar, por resolver ou para ter quem concorde com ele. A gente fala por ser a coisa decente a se fazer, pela ética nas relações, pela transparência. O que o outro vai fazer com o que você falar, é um problema do outro (e se você não gostar, você se afasta), você faça a sua parte para ser uma pessoa decente.

E seria o caso de se perguntar o que caralhos você está fazendo atrelado a uma pessoa com a qual não adianta falar. Tá perdendo seu tempo aí por qual motivo? Em todo caso, mesmo nessa situação extrema, tem jeito. Quando fui obrigada a conviver e prestar contas para pessoas assim, conversava, falava e depois encaminhava um e-mail estilo “Conforme conversamos na data X, este e-mail é para deixar registrado isso, isso e aquilo”. Pronto, tá lá, imortalizado. Se um dia a pessoa te acusar de nunca ter comunicado tal coisa, você tem uma prova escrita. Ela que pague de louca, você fez a sua parte.

É muito complicada essa ética recíproca do brasileiro: se Fulano não tem ética comigo eu não preciso ter ética com ele. NÃO, PORRA! Sua ética não tem que depender de terceiros, de época do ano, de situação financeira. É um valor interno seu, que não deve flutuar conforme o vento. É isso que faz de alguém uma pessoa confiável. Então, não me venha usar o outro para justificar você deixar de falar algo, o outro não é patamar para nada na sua vida. Tenha integridade: o que você sente é o mesmo que você fala e o mesmo que você faz. O outro não pode ser desculpa para nada na sua vida. Pare de colocar a culpa no outro em escolhas suas.

E, se você quer saber uma verdade, o maior prejudicado em não resolver um problema, uma mágoa, um conflito, é você. Negar, empurrar com a barriga, ficar de posturinha passivo-agressiva faz mais mal a você. É um pau no cu pros outros, haja saco, mas, em última instância, é no seu corpo que você descarrega todo dia um monte de toxinas e hormônios do estresse que vão acabar te adoecendo. Se enterrar fizesse desaparecer, caixa de areia de gato era auto-limpante.

Em última instância, é de você que as pessoas vão cansar, mais cedo ou mais tarde, e te descartar. Mude. Pra ontem. Pode ser que você tenha menos tempo do que imagina antes de sofrer as consequências de não conversar, viu? Geralmente essas pessoas nunca percebem o quanto sua batata está assando. E repito: se eu estiver por perto assa bem rapidinho, pois eu jogo gasolina sempre que posso.

O fato das pessoas estarem de saco cheio e optarem por não ficar correndo atrás de você para entender o motivo da sua mudança de comportamento não explicada não significa que tudo passou, que tudo foi esquecido. Significa que estão de saco cheio de você. E a coisa também não passa para você, que se recusa a conversar. Aquela bosta mal resolvida fica, nem que seja no seu inconsciente. Fica rodando como um programa secundários de computador, mesmo que você não perceba, te consome energia. Daí quando você vai ver, está cansado, desmotivado, desanimado e não sabe de onde isso vem.

Conversar pode não ser fácil para muitos, mas é uma arte que só se desenvolve praticando. Pratique. Pode ser que as primeiras vezes sejam um fracasso e você seja mal interpretado. É o que eu sempre dizia aos meus alunos quando dava aula em faculdade: se a pessoa não entendeu ou entendeu errado, a culpa é do emissor da informação.

É SUA responsabilidade passar as coisas de forma clara para que o outro entenda, e se o outro não entender, é sua culpa. Pratique, confie em mim, rapidamente você vai melhorar, caso fale de forma sincera, transparente, verdadeira, sem joguinhos, sem eguinho, sem querer vencer uma discussão. Por mais confuso que seja seu discurso, as pessoas tem uma subjetividade que lhes permite detectar transparência, verdade, quando alguém fala de coração – e o contrário também.

Uma vida adulta saudável não é viável sem conversas sinceras quando surgem intempéries ao longo do caminho. E vocês estão falando com uma pessoa que é sócia do seu ex e que escreve um blog diário com ele há mais de 10 anos, podem ter certeza de que isso só foi possível com muita conversa e muita transparência. Não tenha medo de se abrir, as pessoas sentem e respeitam sinceridade – e se não, é um ótimo indicativo de quem você tem que cortar da sua vida.

Vamos pensar aqui no pior dos cenários: você teve uma conversa sincera com alguém e de alguma forma a pessoa te escrotizou. Te ridicularizou, fez pouco caso do que você disse, te ignorou. Por qual motivo isso te afeta? Não tem que afetar. Saiba seu valor independente do olhar ou da aprovação de terceiros. Saiba seu valor independente de seu cargo, função ou salário. Saiba seu valor independente da sua altura e peso.

Saiba seu valor independente de qualquer coisa que está fora de você. Nada do que está fora é importante, não permita que te afete. Trabalhe sua autoestima nesse sentido e você não precisará mais se proteger com máscaras, com mentiras e com birrinhas, sendo totalmente capaz de conversar como um adultinho.

Mas ok, se você decidiu fincar o pé no “eu não consigo” e não usar nada do que eu propus em quatro páginas muito suadas para melhorar, faz um favorzinho para pessoas que estão tentando levar uma vida decente com um convívio social não-desagradável: FINGE, filho da puta. Se você não quer cientificar o outro do que ele fez para você ficar assim, finge que está tudo bem, não deixa transparecer seu faniquito emocional, pois ninguém é obrigado a ser incomodado com algo que você se recusa a falar.

Entendedores entenderão.

Para dizer que nem vai responder de tanto que doeu, para enviar este texto de forma anônima para alguém ou ainda para se esforçar e mudar enquanto as pessoas ainda não te cortaram de suas vidas: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Cada um no seu quadrado.
    Alguns preferem DR, outros preferem fazer um super bico até a raiva passar. Qual o problema?
    Somos diferentes, ainda bem.
    Ninguém muda ninguém.

  • Seja sincero! Genial: em um mundo em que a sinceridade é penalizada, especialmente nas relações com mulheres, que são manipuladoras e dissimuladas natas, a pessoa vem me exigir sinceridade! Aliás, nesse site mesmo há um fundamentado texto afirmando que mulheres gostam mesmo é de ouvir mentiras, caso seja úteis para sustentar seus egos, especialmente aquelas obcecadas pelas qualidades que acreditam que tem.
    Quanto a ser empregado e manter sinceridade, parabéns por comprovar o quanto é fácil falar estando com o rebenque na mão: com patrões preconceituosos e intolerantes, “inteligência emocional” inclui submissão e, não raro, humilhação.
    Ao menos o último parágrafo desmascara a hipocrisia imperante no texto, mesmo que pelos motivos errados.

    • Se sinceridade é punida, você está fazendo escolhas erradas sobre as pessoas que mantém por perto. A solução não é viver na mentira e sim se cercar de outro tipo de pessoa.

  • Uma colega de escola da minha mãe, reencontrada muitas décadas depois via Facebook e já passada dos 60 anos, não fica sequer um dia sem deixar “recadinhos” e “patadas” em redes sociais, endereçadas sabe-se lá pra quem.

    • Também conheço umas criaturas que fazem isso. E acho simplesmente patético ver gente que já está na terceira idade, tem até netos e ainda age feito adolescente, dando “indiretinhas” em rede social.

    • Interessante esse comentário a respeito da amiga da sua mãe q vc foi fuçar.
      No meu entender, só quem veste a carapuça percebe os recadinhos.
      Eu mesmo, se alguém mandar recadinhos ou indiretas sem o meu nome e sobrenome
      a coisa vai passar batida.

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