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FAQ: Coronavírus

FAQ: Coronavírus

| Sally | | 22 comentários em FAQ: Coronavírus

Já repararam que um dos dons das FAQ (sigla que, em português, significa “Perguntas Frequentes”) é responder apenas ao óbvio? Nunca tem nada que preste quando produtos ou a mídia se dispõe a responder as perguntas mais frequentes, é uma ode à obviedade.

Pensando nisso, resolvemos fazer um SAC advanced, com as dúvidas mais casca-grossa sobre coronavírus que estamos recebendo.

O básico já está sendo dito, vamos tentar trazer o que a grande mídia não chega a abordar, da forma mais simples possível.


1) “Vejo gente chamando a doença por vários nomes diferentes, qual é o correto?”

Coronavírus é um gênero, um tipo de vírus responsáveis por diversas doenças (como SARS e MERS) que, por possuir protuberâncias, faz com que pareça que ele está usando uma coroa, daí o nome. Cá entre nós, não parece uma coroa de jeito nenhum, mas tudo bem.

Covid-19 é o nome oficial da doença. É uma abreviação de COronaVIrus Doença, com a indicação do ano em que ele surgiu (2019)

SARS-CoV-2 é o nome oficial do vírus que causa o Covid-19 e é uma abreviatura de “Síndrome Respiratória Aguda Grave – coronavírus 2” em inglês: Severe Acute Respiratory Syndrome CoronaVirus 2

Como demorou até a ciência nomear a doença e o vírus, a gente chamava tudo de “coronavírus” e o termo acabou ficando como um coringa, tanto para designar a doença como ao vírus.


2) “Como posso me informar de forma segura sobre qualquer dúvida referente ao coronavírus?”

Entre todas as pandemias que a humanidade viveu, a de mais fácil informação é a do coronavírus. Graças à forma como artigos científicos são disponibilizados, eles são a nossa recomendação de fonte segura.

Revistas cientificas que sempre foram pagas, hoje deixam seus dados abertos, permitindo que qualquer um acesse qualquer artigo científico sobre coronavírus. Ta aí, informação do mundo todo disponível para quem quiser ler, basta não ser preguiçoso e procurar em fontes confiáveis. Se chegou a ser publicado por meios sérios, não há motivos para desconfiar, a menos, é claro, que você seja carente e precise se sentir especial, criando teorias da conspiração. Nesse caso tem blogs muito mais interessantes para você ler do que o Desfavor.

Não tem para onde correr em meio a tanta informação disponível. Para nós, leigos, os artigos científicos são a única fonte robusta e confiável. O que Fulaninho falou não interessa, mesmo que Fulaninho seja pesquisador. Teorias, todo mundo tem. Não é hora para perder tempo com achismos e nós, leigos, não temos os subsídios para formar uma convicção científica. Aceite sua condição de leigo, o que faz sentido para você pode ser uma tremenda burrada. Precisamos de alguém que faça esse filtro para a gente, não sejamos arrogantes de querer interpretar sozinhos.

Fonte boa é artigo científico, revisado por gente séria e publicado por gente séria. Essa é a única garantia de que aquele conteúdo de fato foi testado da forma que tem que ser e os resultados são confiáveis.

Repito: não é tempo de achismos, se a gente for parar para escutar achismos perde tempo e se perde, pois são muitos. Se Fulaninho tem uma tese, ele que faça um estudo científico sério, que submeta esse estudo à revisão de cientistas sérios e que publique os dados em uma fonte séria. Menos do que isso eu não perco meu tempo escutando, menos do que isso não é nada além de achismo.

Não tem tempo, fluência em línguas estrangeiras ou paciência para ler artigos científicos? Leia o Desfavor, a gente não escreve nada baseado em achismo de ninguém.


3) “Em quanto tempo sai a vacina contra coronavírus?”

O tempo médio para o desenvolvimento de uma vacina é de dez anos. A vacina mais rápida que a humanidade já conseguiu desenvolver (vacina para Ebola) demorou cinco anos. É o desejo de todos que uma vacina para o coronavírus demore menos, inclusive pela democratização da informação que citei na resposta anterior, mas infelizmente, nem eu nem ninguém conseguem estimar uma data para essa vacina, nem dar certeza se ela realmente vem.

O passo a passo mínimo para desenvolver uma vacina ou um remédio inclui diversos passos demorados, portanto, mesmo que tudo dê certo de primeira, ainda assim, estamos falando em anos, não em semanas.

Simplificando de uma forma muito grosseira, o desenvolvimento de um remédio ou vacina começa com uma pesquisa básica feita em laboratório para descobrir quais são os compostos que vão agir contra o vírus. São meses testando substâncias que sejam nocivas contra aquela doença.

Quando finalmente se encontra uma substância que se acredita que pode agir contra o vírus, começam os testes para constatar se de fato ela é nociva contra o vírus em organismos vivos e se causa danos aos portadores do vírus.

Testam-se de forma progressiva, inicialmente em células, evoluindo até chegar a animais, para descobrir se de fato aquela substância age contra o vírus em organismos vivos e se é tóxica ou pode causar algum dano. Em se percebendo que esse composto realmente age contra a doença e não causa grandes danos aos animais, aí se inicia a fase de testes em humanos. Não estamos falando em semanas para chegar até aqui, e sim em meses.

Normalmente, a primeira fase de testes em humanos consiste em pegar pessoas saudáveis e dar a droga para elas, apenas para observar os efeitos colaterais, uma vez que o teste em animais nem sempre permite percebê-los. Lá se vai mais tempo. Não é em poucas semanas que se percebem os efeitos a longo prazo no organismo. Se essas pessoas saudáveis não tiverem complicações severas, aí sim se começa a testagem em pessoas doentes.

É nessa testagem com doentes que se verifica se as drogas realmente funcionam com humanos. Para ter certeza de que a droga funciona mesmo, se fazem os testes chamados “duplo cego”, onde fazem testes com a droga e com um placebo, sem que ninguém (nem médicos nem pacientes) saiba quais pacientes estão tomando a droga real e quais estão tomando o placebo. Isso evita que a vontade de melhorar ou ver uma melhora influencie nos resultados, tornando-os o mais objetivos possível.

Depois de diversos testes em doentes, é possível ter uma ideia se o remédio ou vacina de fato funciona ou não e seus efeitos colaterais. Aí sim é hora de começar a pensar em requerer autorização para uso e distribuição. Tudo isso dura, em média, dez anos e custa pelo menos um bilhão de dólares.

Em situações emergenciais, tentam-se pular etapas. Porém, a humanidade já aprendeu que queimar etapas é perigoso. Na pandemia de Poliomielite (também conhecida como Paralisia Infantil), uma suposta queima de etapas fez com que testes com uma vacina promissora causem mortes em pessoas testadas, paralisando os estudos por algum tempo. Por sinal, a vacina contra a Polio, acabou demorando quase 20 anos, em parte, por causa dessa brincadeira de pular etapas.

A forma mais plausível de pular etapas com segurança e ver surgir uma vacina ou tratamento rápido seria se encontrássemos uma droga que já está no mercado (portanto, já passou por todos esses testes) e testássemos apenas se ela de fato é eficiente contra o coronavírus.

Foi isso o que tentaram fazer com a Cloroquina, que, no teste em células se mostrou muito eficiente contra o coronavírus, mas, de acordo com todos os artigos científicos revisados e publicados por instituições sérias, falhou miseravelmente quando testada em humanos, não apenas sendo ineficaz contra o vírus, como também causando danos aos pacientes.

Considerando os meses de pandemia e o desespero por salvar vidas, eu diria que quase tudo já foi testado, portanto, uma vacina que nos proteja total ou parcialmente (no desespero são lançadas essas gambiarras de vacina parcialmente protetora) ainda deve demorar, salvo uma sorte muito grande.

E não se trata apenas de desenvolver a vacina. Uma vez desenvolvida uma vacina eficiente, é preciso pensar na produção e logística de distribuição. Serão necessárias 7 bilhões de vacinas (contando que tenhamos a sorte de ser uma vacina em dose única), que deverão ser transportadas para o mundo todo. Não se produz isso em poucos meses.

É preciso ter matéria prima para isso, é preciso ter uma logística de distribuição e armazenamento (a vacina pode precisar ficar refrigerada, por exemplo). É preciso ter laboratórios e profissionais capacitados para produzir essas vacinas pelo mundo todo.

Além disso, para dificultar um pouco mais a posição do Brasil, a União Europeia organizou um grande fundo para pesquisa de vacinas, aberto para quem quisesse participar. É como uma vaquinha: todos os países contribuem e, se sair uma vacina dali, quem participou tem prioridade nessa vacina.

O Brasil decidiu não participar, ou seja, se sair uma vacina dali, o Brasil vai lá pro fim da fila e será um dos últimos países a ter acesso à vacina, o que pode significar um atraso de meses ou até anos no acesso a ela, mesmo depois que seja descoberta ou comercializada.

Para completar, ainda teremos que lidar com os retardados que se recusam a tomar vacina. É provável que uma parcela significativa da população se recuse a tomar a vacina, permitindo que o vírus continue circulando, infectando e matando uma enorme parcela da população que não pode tomar uma vacina. Desde pessoas que estão realizando tratamentos que afetam o sistema imunológico (como quimioterapia, por exemplo) até pessoas com doenças autoimunes. Essas pessoas dependem do resto da sociedade para estarem protegidas.

Então, sinto informar, mesmo com vacina, ainda vamos escutar falar do coronavírus por algum tempo.


4) “Outras pandemias duraram menos tempo, por qual motivo essa vai demorar tanto, se há comunicação rápida e mais tecnologia?”.

Justamente por isso. O fato de prolongar o contágio do coronavírus é resultado de uma vitória da ciência, que conseguiu impedir o contágio imediato e em massa. Estima-se que, se absolutamente nada fosse feito, em quatro meses o coronavírus teria contaminado todas as pessoas possíveis no planeta e causado um número enorme de mortes, não apenas pela letalidade do vírus, mas também pelo grande colapso que provocaria no sistema de saúde.

Em outras pandemias, se demorava muito sequer para entender o que estava acontecendo, pois não existia a comunicação rápida que existe hoje. Meses depois é que uma nação descobria que a outra estava enfrentando a mesma doença, com os mesmos sintomas. O vírus circulava livremente e, rapidamente se espalhava e matava todo mundo que tinha que matar.

Mas, graças à compreensão que a humanidade tem hoje desse tipo de vírus e à rápida comunicação, se sabe que é fundamental impedir um contágio em massa, para que todos aqueles que fiquem doentes tenham acesso a médicos e hospitais, aumentando sua chance de sobreviver. Quanto mais devagar as pessoas se contaminam, mais durará a pandemia, mas, em compensação, mais pessoas sobrevivem. Isso é algo bom, não ruim. A outra opção é todo mundo se contaminar logo e morrer muita gente.

Estima-se que para diluir os contágios de modo à menor quantidade possível de pessoas morrerem e todos terem atendimento médico, teríamos que lidar com pelo menos dois anos de quarentena. Não necessariamente dois anos seguidos, mas sim alternando períodos de fechamento (quando os casos crescem muito) com períodos de abertura (quando os casos diminuem).

Mas obviamente, isso pode variar conforme o país, dependendo da estratégia que ele adote. Testagens em massa, por exemplo, podem reduzir esse tempo quase pela metade.


5) “Entendi que vacina demora, mas por qual motivo não descobrem um remédio eficiente para tratar quem está internado com covid, para evitar que essa pessoa morra?”

Por incrível que pareça, quando a pessoa chega ao ponto de internação, seu principal problema/fonte de dano no organismo não é o coronavírus. Os problemas que levam alguém a internação ou UTI geralmente são causados pela inflamação produzida pelo próprio corpo, em resposta aos ataques e danos já causados pelo vírus.

O corpo reage violentamente na tentativa de combater o vírus e acaba causando danos a si mesmo. Por isso, tudo que se pode fazer é uma tentativa de contenção desses danos e esperar que o corpo retome seu funcionamento normal. É como uma grávida em trabalho de parto, você não pode ter o bebê por ela, apenas ajudar a que ela tenha o bebê da melhor forma possível.


6) “Vi que criaram um bifurcador que permite que um único respirador seja dividido entre dois ou quatro pacientes. Se tem tanta gente morrendo por falta de respirador, por qual motivo não usam isso em larga escala? É a indústria dos respiradores que quer lucro?”

Descansa, militante. Deixa de lado essas teorias da conspiração.

A função do respirador (ou ventilador, em um termo mais preciso) é emular a respiração humana, no processo de jogar e retirar o ar de dentro dos pulmões. No caso específico do coronavirus, a doença por si só costuma causar danos, fragilizar e comprometer os pulmões. Portanto, é preciso “regular” o respirador de acordo com a necessidade de cada paciente.

Em pulmões inflamados, colapsados ou de qualquer forma comprometidos pelos efeitos do vírus no organismo, o próprio respirador pode causar lesões. O respirador deve ser regulado de forma a não causar danos (papo técnico: lesão pulmonar associada à ventilação mecânica). O pulmão fica tão comprometido que até o excesso de oxigênio pode causar lesão pulmonar.

Desculpa a fala simplória, mas a grosso modo, pacientes com coronavírus devem ser ventilados de forma mais “gentil”, mais delicada. E esse ajuste não se faz de forma matemática e sim observando a resposta do paciente.

Respirador não é uma máquina com botão de liga e desliga. Não é só entubar o paciente e ligar. É uma ciência muito delicada saber o quanto de pressão, o quanto de oxigênio aquele pulmão precisa, pode suportar e deve receber para melhorar. E isso pode variar ao longo do tratamento, não basta regular uma única vez, oscilações no quadro do paciente podem demandar nova regulagem. É monitoramento 24h por dia e ajustes sempre que necessário.

Logo, a pressão com a qual o ar entra e sai, a quantidade de oxigênio e muitos outros fatores são regulados/modificados diariamente, se não várias vezes por dia, em um delicado equilíbrio entre conseguir oxigenar o corpo e não danificar ainda mais o pulmão do paciente.

Se já é difícil fazer isso com UM paciente, imagina o milagre que seria conseguir regular um respirador de forma correta para duas ou quatro pessoas ao mesmo tempo. Intensivistas sérios abominam essa ideia de um respirador dividido por mais de uma pessoa, pois fatalmente a regulagem que atende bem a um será insuficiente ou excessiva para o outro. Então, por hora, respirador compartilhado não está se mostrando muito viável para pacientes de covid-19.


Se gostaram ou foi útil, podemos fazer mais FAQS. Se quiserem, deixem dúvidas nos comentários, fiquem à vontade. Não que a gente saiba responder, não sabemos porra nenhuma, mas corremos atrás de quem sabe.

Para dizer que agradece muito pela pesquisa mastigada, para dizer que não quer mais pois acaba com a sua ilusão de uma vacina no mês que vem ou ainda para perguntar de onde a gente tira tempo para ler artigos científicos: sally@desfavor.com


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