Criptomoedas.

Há muito tempo se fala sobre Bitcoin na mídia, você já deve ter visto muitas propagandas sobre corretoras da moeda virtual por aí, e ainda mais com o recente aumento de preço, entrou no radar de muita gente. Hoje em dia basta um cartão de crédito para comprar suas criptomoedas, mas… será que vale a pena?

É simples entender como dinheiro funciona: aquele pedaço de papel é uma garantia de valor emitido por um país. O real é garantido pelo governo brasileiro, o dólar pelo americano, o euro pela união europeia, e assim por diante. Já foi baseado em ouro, mas hoje em dia é confiança pura. E por mais que o mundo esteja apinhado de gestores incompetentes ou corruptos, na média todos os países se esforçam para manter essa confiança, sob o risco de se tornarem inviáveis.

Ações da bolsa de valores podem parecer confusas, mas na prática são certificados de propriedade de uma empresa. O que você ganha em troca desse certificado pode variar muito com o tempo ou mesmo com as regras da empresa, mas não muda muito a lógica da coisa. O mercado de compra e venda de ações pode ser extremamente complexo, mas a ação em si não é. Se a empresa está funcionando, sua ação tem valor. Se a empresa deixa de existir, você tem o certificado de propriedade de algo que não está mais lá.

Mas, e as criptomoedas? De onde vem o valor? De uma forma simplista, eu diria que é um meio termo entre dinheiro e ações. Cada unidade de criptomoeda (como a Bitcoin) é um certificado de propriedade de uma parte do valor geral dela. Você tem um identificador único (a sua carteira) que é atribuído a uma unidade de valor da criptomoeda. O mercado é quase todo fracionário, vou usar números inteiros por praticidade: se você tem uma bitcoin, o seu identificador pessoal está “anotado” nela. Quem quiser mexer naquela unidade de Bitcoin precisa da sua autorização.

Mas, para que isso funcione, precisamos ter a confiança que ninguém pode ir lá na sua Bitcoin e trocar seu identificador por outro. É aí que entra a blockchain: é um sistema que garante que todas essas trocas de valor sejam corretas. Milhões de computadores ao redor do mundo analisam cada transação para saber se aquela troca de propriedade realmente foram intencionais entre as duas partes. Quando é atingido um consenso pela maioria que aquela transação está correta, ela é liberada.

Existe toda uma parte técnica sobre como isso acontece que não é o foco do texto de hoje, mas me resta dizer que depois de mais de uma década de funcionamento, o grau de confiança na blockchain continua altíssimo. Ainda não se sabe como burlar o sistema para roubar criptomoedas. Se você pensou em alguma forma de sacanear o sistema enquanto lia os últimos parágrafos, pode apostar que milhares de outras pessoas já pensaram e tentaram sem sucesso.

Um dos segredos desse processo é a descentralização: é a rede toda que valida a transação. A não ser que você coloque a maioria das pessoas no esquema, não vai funcionar. E, nem faria sentido: o dia que a blockchain for burlada, o valor das criptomoedas cai para zero imediatamente. Seria o equivalente de chegar até o cofre de um banco e explodir a porta com uma bomba atômica. Claro, você venceu a proteção, mas queimou todo o dinheiro junto.

Mas, como eu disse antes, isso é só para estabelecer algumas ideias, não é o foco. Se a gente vai pensar sobre criptomoedas serem um bom investimento ou não, é razoável colocar algo no começo de qualquer ideia: para que servem as criptomoedas? Essa é a questão mais importante de todas no final das contas. Dinheiro serve para fazer trocas de valores entre cidadãos, ações servem para capitalizar empresas, mas e as criptomoedas?

Bom, elas também servem para fazer trocas de valores entre pessoas. Mas, é só isso? Já tem dinheiro para essa parte, por que usar outra coisa? Ainda mais hoje em dia, que a maioria de nós vê cada vez menos papel e usa cartões e contas digitais para quase tudo. É aqui que precisamos voltar para a visão original das criptomoedas. Descentralização.

Governos podem mudar o valor do seu dinheiro da noite para o dia. Bancos igualmente. São duas entidades que tem o poder de inventar dinheiro. Bancos ainda precisam responder aos governos, mas vamos concordar que não é muito difícil subornar agentes do poder público, não? Em países pobres ou ricos, bancos tem um poder imenso de escapar das consequências de suas ações através da manipulação de funcionários públicos.

E ainda existem várias outras entidades que podem controlar seu acesso ao dinheiro: desde operadoras de cartão de crédito até o judiciário, existem milhares de oportunidades de agentes mal intencionados confiscarem seu dinheiro ou impedir que você realize transações. A criptomoeda nasce para criar um ambiente isolado de qualquer agente público ou privado. Quem diz sim ou não para uma transição é o consenso gerado pela blockchain.

E como dinheiro não tem o monopólio de valor na mente humana, basta que duas pessoas aceitem o valor da criptomoeda entre elas para que a coisa funcione. Agentes externos à blockchain só podem mexer no seu dinheiro depois que ele é trocado por dinheiro ou bens. É uma parede de cofre que até este momento nenhuma entidade do mundo conseguiu quebrar.

Criptomoedas são um sistema paralelo de armazenamento de valor. Ainda depende exclusivamente das pessoas acreditarem que existe valor nessas moedas virtuais, mas no final das contas, é o mesmo com o dinheiro. Em países com hiperinflação, dinheiro volta a ser um pedaço de papel rapidinho. E nem precisa disso tudo, basta uma política bizarra de manipulação cambial: pergunta para os argentinos o quanto eles confiam na moeda local deles…

Valor já foi posse, hoje em dia é confiança. Todas as criptomoedas acabam dependendo disso no longo prazo. A Bitcoin já se provou resiliente até aqui, e salvo um salto tecnológico que torne criptografia tradicional inválida, deve continuar assim. Governos e entidades financeiras podem fazer várias coisas para tentar quebrar essa confiança, mas sempre da blockchain para fora. Impostos de 100%, proibição de conversão em dinheiro tradicional, mas há um prazo limite para isso: depois de uma massa crítica de pessoas aderirem à moeda virtual, começa a ficar muito complicado tentar tirar o valor dela.

Eu acredito que estamos numa encruzilhada do destino econômico da humanidade: ou as criptomoedas voltam para a escuridão com ataques violentos de governos e bancos, ou elas viram a nova forma de funcionamento das economias mundiais. E isso tem um impacto muito maior do que a maioria das pessoas imagina. Se a Bitcoin vira a reserva de valor do mundo, quase todo o poder dos governos se esvai. Não podem mais manipular o valor do dinheiro, não podem mais decidir quem pode ou não ter dinheiro, não podem mais “imprimir” dinheiro quando quiserem.

Por isso, eu vou usar minha bola de cristal e dizer que se a humanidade fizer a transição para criptomoedas, é essencial para quem está no poder matar a Bitcoin e qualquer outra muito popular. O golpe vai ser oferecer uma alternativa nacional (ou por bloco econômico) centralizada. O povão não vai saber a diferença, mas tem, e muita: na Bitcoin só se manipula o valor usando as forças de mercado para aumentar ou diminuir oferta, numa criptomoeda centralizada, as entidades que a controlam podem tomar decisões sem o consentimento do mercado.

Você já deve ter visto notícias de vários países querendo criar suas próprias moedas virtuais. Todas centralizadas. É óbvio. Alguém dentro do governo viu esse desastre com antecedência e conseguiu se fazer ouvir. Qualquer pessoa que está no poder e descobre que existe um risco real de tirarem sua capacidade de manipular o valor do dinheiro tem que ficar muito assustada mesmo. O cidadão médio não sabe por que uma criptomoeda descentralizada é diferente de uma centralizada, e vai trocar seu dinheiro tradicional pela que parecer mais interessante no momento. Os governos podem até forçar essa conversão nas próximas décadas.

A sorte das criptomoedas no momento é seu relativo baixo impacto na economia mundial. Os líderes parecem mais preocupados em “lacrar” ou “mitar” no momento, mas as nuvens dessa tempestade estão se aproximando. Eu adoraria acreditar que países como EUA, China ou blocos como a União Europeia ficarão distraídos tempo suficiente antes de tentar matar as criptomoedas descentralizadas para que não haja mais volta, mas não acredito não.

Isso quer dizer que a resposta da pergunta inicial do texto é não? Não. Isso quer dizer que existe um caminho onde as criptomoedas são reprimidas por ações cada vez mais agressivas dos governos e existe outro onde o sistema tenta assumir o controle delas para manter seu poder de regulamentação sobre o dinheiro. A primeira opção é um tiro no pé, porque suprimir tecnologia sempre acaba mal, e por mais que demore um pouco mais, as criptomoedas acabam vencendo a guerra e causando uma revolução em toda a organização social humana. A segunda opção é a mais inteligente, absorvendo essa revolução para dentro de sistemas que já estão em funcionamento.

De qualquer forma, o tempo da dúvida passou. O dinheiro do mundo vai para a blockchain, pode demorar dez anos ou cem, mas vai. Se os governos fizerem tudo direitinho, você talvez nem perceba. O dólar passa a ser uma criptomoeda com certificados de valor em papel, e é como se nada tivesse acontecido. Mas tem um porém: mesmo com uma transição tranquila desse tipo, todo o valor guardado nas criptomoedas de hoje vai precisar ser adicionado nas novas. O dinheiro “imaginário” das criptomoedas já tem confiança de muita gente, e os governos vão precisar absorver esse valor nas suas próprias criptomoedas.

O risco não é mais se as criptomoedas vão “pegar”, é a volatilidade de um mercado que ainda vai receber muita pressão do sistema financeiro vigente. Não é um investimento seguro porque o valor pode despencar de uma hora para a outra, e você pode ser pego de calças curtas na hora que mais precisar. O que eu estou dizendo aqui é que não deve acabar. Deve virar o padrão daqui pra frente. Invista como investiria na Bolsa de Valores. As empresas podem até falir e quebrar quem apostou nelas, mas a Bolsa é para continuar por lá por muito e muito tempo.

E cuidado para não achar que criptomoeda é só Bitcoin. Neste momento ela é a reserva de confiança do sistema das criptomoedas, mas é só uma de centenas, provavelmente milhares nos próximos anos. Não pense na Bitcoin como o dólar e as outras como o real, o euro, pense na Bitcoin como uma ação muito forte da Bolsa de Valores. Existem outras que podem dar muito mais lucro, mas são bem mais voláteis. Algumas criptomoedas são mais seguras, outras são completa insanidade. Todas podem gerar lucros e perdas.

Até porque uma criptomoeda não é só uma unidade de valor comparável ao dinheiro real, muitas delas são parte de um ecossistema tecnológico, uma forma de pagar por poder de processamento de computadores do mundo todo. Eu pretendo entrar mais nesse assunto em outro texto, mas de uma forma bem simplificada: muitas criptomoedas são uma espécie de “nuvem” onde as pessoas podem realizar tarefas de programação. Um aplicativo usa a tecnologia da criptomoeda para fazer seu trabalho, e paga por esse uso com a própria criptomoeda. A ideia é que com o tempo você possa fazer tudo isso sem nunca colocar dinheiro de fora. Ganha criptomoedas trabalhando para uma delas e gasta em outra com uma função que precisa.

Já outras são basicamente colecionáveis. Quando você entra numa corretora como a Binance, encontra uma moeda-meme chamada Dogecoin, que não serve para nada além de especulação financeira. Em última instância, vale o tanto que as pessoas estiverem dispostas a pagar para ter, sem nenhuma contrapartida prática no mundo real. É que nem colecionar selos. É para brincar e talvez ganhar um dinheiro especulando, mas nada além disso.

Criptomoedas são um ecossistema financeiro que capta dinheiro de fora, mas em última instância existe para isolar a noção de valor lá dentro. Você está investindo bem em criptomoedas quando para de colocar o seu dinheiro nelas e começa a criar valor novo com suas movimentações.

E, não se engane: pra quem não entende nada de tecnologia, entender a verdadeira profundidade das criptomoedas é mais ou menos como ensinar um homem das cavernas a usar um smartphone. Só guarde isso na cabeça: elas vieram para ficar, o mundo vai adotá-las mais cedo ou mais tarde como o novo padrão de valor. E nesse momento investir em criptomoeda é a mesma coisa que investir na Bolsa de Valores. Comece a levar a sério, mas só invista o que puder perder. Vai demorar até a volatilidade diminuir.

Para dizer que nem leu e colocou todo seu dinheiro na Dogecoin, para dizer que “eles” não vão deixar (“eles” já estão nesse barco), ou mesmo para dizer que vai comprar uma pá para minerar Bitcoin: somir@desfavor.com

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Comments (22)

  • As criptobolhas são boas como subterfúgios para efeitos de lavagem de dinheiro, mas o sistema bancário “normal” tem subterfúgios tecnológicos para conter tentativas de evasão de divisas para tal meio se observar transações ilícitas envolvendo tentativas de “investimento” nas criptobolhas.
    A blockchain é relativamente segura, mas as criptomoedas são consideradas não pelo valor de face e sim pelo valor de câmbio. Você não vê uma Bitcoin, uma Monero ou uma Dogecoin por exemplo como indexador de preços a nível de mercado formal, sendo que é mais comum que os preços estejam atrelados a Dólares, Euros ou Reais.
    Se as criptomoedas fossem consideradas pelo valor de face, até poderia ser viável uma transição para tal crédito como meio de pagamento, mas ai o apelo especulativo de tal “investimento” cairia por terra, onde o PUMP AND DUMP é importante nesse alavancamento.
    Não creio que as criptomoedas se tornem a moeda do futuro e nem que o sistema convencional seja capaz de derrubar o sistema alternativo aqui apresentado justo pelos fatores aqui apresentados. Tais sistemas continuarão coexistindo, muito por conta da lógica por trás da famosa Lei de Gresham, que permanece válida em sistemas de economias mais ou menos estáveis.

    • O que eu tento explicar no texto é que está todo mundo achando que criptomoedas são sobre finanças, quando na verdade são sobre bancos de dados descentralizados. O aspecto financeiro é uma função necessária para a manutenção da tecnologia (isso é, pagar pelo custo da computação), mas não é essa a parte que vai mudar o mundo. Porque especulação financeira é mais velha que andar pra frente, nisso eu concordo.

      Mas não… é… sobre… especulação financeira. É sobre o banco de dados.

  • Somir o problema do Bitcoin é sua volatilidade e a capacidade de literalmente virar pó. O que impediria que o Banco Central de algum país comprasse uma grande quantidade dos 18 milhões de bitcoins existentes e fizesse um dumping brutal vendendo eles por um décimo da cotação atual?

    • Bitcoin é a criptomoeda mais famosa, mas definitivamente não é a única. Mesmo que grandes agentes tentem quebrar uma delas desse jeito, a liquidez que gerariam com a compra iria toda para a segunda moeda mais valiosa. Só os otários de sempre sofreriam com isso, e aí teriam que lidar com uma Ethereum valendo 50 mil dólares. Querem quebrar a Ethereum? A Litecoin acaba valendo 100 mil dólares no final.

      O sistema das criptomoedas é uma hidra. Corte uma cabeça e surgem duas no lugar. Se vier uma pancada nas criptomoedas, vai ser com uma ação coordenada dos maiores governos do mundo para torná-la ilegal. Mas e aí, como faz com o dinheiro que já entrou nas criptomoedas? Tem banco e fundo de investimento pesado com ativos em criptomoeda. Quero ver governo peitar essa gente. Seria a primeira vez…

    • Tem que estudar antes de entrar nesse mercado, ou depender da sorte. Tem MUITA coisa para acontecer com as criptomoedas ainda, o mar vai ser bem revolto. Quem está no mercado desde o começo e ficou milionário também é desconfiado, e com razão. No texto eu falo sobre uma tendência de longo prazo: a tecnologia se mostrou capaz de entregar resultados, as moedas é que variam.

    • Toda criptomoeda vale a pena se você souber a hora de comprar e vender. Eu sugiro conhecer bem o projeto primeiro, saber o que ela é e aí ir analisar como ela se comportou nos gráficos.

      É quase a mesma mentalidade de mercado de ações.

  • Bate um desconforto acentuado lembrar que em 2012 estava razoavelmente barato (1 BTC = R$21,00)… E queimava fácil essa mesma quantidade de grana com alguma outra futilidade… Tá me dando dor física…

  • O critério principal é: se parece uma forma muito fácil de ganhar muito dinheiro em pouco tempo, provavelmente é golpe. Nada na vida é fácil, e existem muitas formas de conseguir juntar dinheiro pra conseguir a independência financeira (a famosa I.F.) no longo prazo. Até vender trufa na rua vale mais a pena que entrar nesses esquemas de dinheiro rápido.

  • Binance é confuável, nunca me decepcionou. Mas por favor não caiam nessas falsas torneiras de Bitcoin, aqueles sites que prometem te dar milésimos de bitcoins a cada hora, ou Picoworkers da vida. Vai perder seu tempo.

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