Como lidar com conspirações.

Novos problemas exigem novas soluções. O cidadão médio tinha pouco contato com teóricos da conspiração até uma década atrás, mas esse cenário mudou consideravelmente nesses últimos anos. Hoje em dia existe conspiração para tudo, e infelizmente boa parte delas tem relação direta com negação científica. O que pode te colocar em algumas armadilhas na hora de lidar com pessoas que defendem maluquices, as quais eu tento desarmar no texto de hoje…

Primeira coisa importante: você provavelmente não é um especialista na área discutida.

A maioria de nós não é especialista em virtualmente tudo sobre o que conversamos no dia a dia. Mesmo pessoas muito estudadas normalmente o são em algumas áreas específicas de conhecimento. Como a desinformação corre solta em praticamente todas as áreas de estudo da humanidade, é quase certeza que você vai ficar diante de um conspirador falando barbaridades sobre algo que você não entende tão bem assim.

Aceitar isso de antemão te ajuda a não se colocar em discussões malucas. A maior arma do negador da ciência é a confusão. Ele não sabe como as coisas funcionam, mas sabe que a maioria das outras pessoas não sabe também. Fica fácil iniciar um discurso sem pé nem cabeça, mas dito com muita confiança. O que normalmente é suficiente para calar a boca de quem estiver ao seu redor e criar a ilusão de que todos estão aceitando aquelas informações.

Não é agradável admitir desconhecimento, e muito da mecânica de divulgação de fake news e conspirações em geral se vale dessa característica tão comum no ser humano. É por isso que os conspiradores decoram alguns termos técnicos: eles matam a capacidade de reação de quem está duvidando deles.

E eu nem acho que seja proposital a estratégia: a pessoa aprende que citar algumas estatísticas e termos que parecem científicos inibe reações negativas sobre suas crenças. Vira um modo de funcionar. É muito provável que ela nem saiba que é um truque manipulativo, o cérebro dela trata de enfeitar esse processo, transformando-o em prova que ela está certa.

E vira uma bola-de-neve: quanto mais a pessoa cala os outros detratores seus dados aleatórios, mais aquilo parece verdade, e quanto mais verdade aquilo parece, mais confiança e certeza a pessoa tem no seu discurso. Como a mente gosta de guardar memórias que confirmam nossas crenças, ela vai sempre se lembrar de como tem informações inquestionáveis e procurar mais e mais material para gerar essa sensação agradável novamente.

Por isso, é muito comum que o conspirador pareça um especialista na área que discute. Especialmente se ele está há muito tempo “brincando disso”. Você vai ser atropelado por palavras que parecem muito complexas e estatísticas estarrecedoras, ditas com uma certeza que mexe com o nosso próprio senso de realidade. Spoiler: ele não é especialista.

Eu já dei a dica em um texto anterior, mas repito: você reconhece alguém que entende sobre um assunto quando a pessoa responde “depende” para uma pergunta sua. Claro, não é mágica, DEPENDE do contexto… mas, alguém com muita certeza sobre alguma coisa dificilmente estudou o suficiente sobre ela. O conspirador precisa de suas certezas para funcionar, o especialista normalmente é muito mais seguro e maleável numa discussão. E mais importante de tudo: o especialista sabe como chegou naquela informação.

Dito isso, uma das melhores formas para lidar com teorias da conspiração é expor a falta de conhecimento de quem está te empurrando aquela bobagem. E você não faz isso fingindo ser especialista também: como eu disse antes, vira conversa de maluco. Duas pessoas que não sabem sobre o que estão falando jogando números e palavras aleatórias dificilmente chegam a algum lugar.

Por isso, pergunte. Coloque-se na posição honesta de alguém que não é um especialista e pergunte como as coisas funcionam no mundo do conspirador. Peça para ele explicar como um vírus pode ter sido modificado para controlar mentes, pergunte qual a vantagem de mentir que a Terra é redonda… coisas que forcem essa pessoa a desenvolver todo o processo mental até chegar nas suas frases de efeito.

É aí que a coisa fica feia para o conspirador. Pra citar pesquisas e colocar dúvidas sobre o conhecimento científico atual, a pessoa está treinadíssima, mas para explicar o que esses dados significam e como as coisas se encaixam, muito menos. Porque conspiradores vivem em bolhas de validação enquanto estudam sobre seu tema favorito: normalmente não é bem aceito no meio deles ficar questionando os argumentos de outros conspiradores. A “graça” da coisa é falar com quem já concorda e ficar livre de contradições e falhas óbvias no conhecimento técnico necessário para entender sobre o que se fala. O que é engraçado, afinal, toda a ideia é baseada em questionar a “realidade”.

Se você tentar pagar de especialista sem ter a profundidade necessária, vai ser comido vivo por alguém que aprendeu mil formas de confundir a cabeça de pessoas normais. Novamente: provavelmente sem querer, foi nisso que o conspirador treinou a maior parte do tempo. Não se abale, não fique nervoso, apenas pergunte e faça a pessoa desenvolver o raciocínio. Quando achar algo confuso, continue perguntando. Não tenha medo de parecer burro, porque rapidamente o conspirador começa a ficar sem munição e falar coisas desconexas que precisou inventar na hora.

Você nunca vai ver uma pessoa dessas dizendo algo como “poxa, essa informação eu não tenho, preciso pesquisar”. Toda a graça de participar de negação científica é ter tudo resolvido dentro da cabeça, é o conforto de ser dono da verdade e não precisar ter medo do desconhecido. A pessoa vai começar a chutar e inventar coisas para manter essa ilusão ativa, e é aí que você começa a virar o jogo.

Porque, por mais que não sejamos especialistas em tudo, o público médio que lê textos como este acumula um bocado de informações durante a vida, e uma hora ou outra o conspirador vai acabar falando alguma bobagem que você consegue perceber claramente. E aí, você pode desmontar a pessoa. Porque ela raramente vai voltar atrás em algo que já disse. E quando você tiver essa bomba para jogar, não caia na armadilha de posar de especialista: apenas explique de forma simples o motivo pelo qual você acredita que a pessoa disse algo errado.

Faça o que ela não fez: comece um argumento do começo e desenvolva ele calmamente. A pessoa provavelmente vai entrar em modo defensivo, ou, se você estiver com sorte, baixar a bola e voltar a conversar como uma pessoa normal. Adoraria que não fosse raro, mas é. Se por um acaso você der de cara com um momento de humildade do conspirador em relação a uma informação que você passou de forma mais convincente, o ideal é entrar no clima pacífico e revelar alguma fraqueza também, algo que você não entende bem, algo que te confunde… é um momento muito bacana em interações humanas. Sempre que chegar nele, aproveite. Ótimas amizades saem de discussões.

Mas, sabemos que normalmente não é o caso: a pessoa vai começar a ficar irritada e usar truques mais apelativos para recuperar a confiança perdida. E isso costuma significar ataques pessoais. É muito comum que o negador científico e/ou conspirador chame todos que não partilham de sua visão de burros ou cegos. Quando se sente acuado, a imagem que alivia seu nervosismo é de um mundo de ovelhas ao seu redor.

A pessoa precisa te derrubar para não se sentir frágil. Às vezes uma pessoa irritada é perigosa, mas em casos assim, muito pelo contrário. O conspirador nervoso está em seu momento mais vulnerável: a pessoa montou sua visão de mundo ao redor da crença que dominava informações mais exclusivas e verdadeiras que o resto da população. Sem isso, ela volta a ser um animalzinho frágil num mundo confuso. Esse tipo de bicho acuado só late, não morde.

Até por isso, é quando você pergunta algo que expõe a ignorância do negador científico que ele precisa buscar segurança em números ou fazer algum truque retórico rápido para te derrubar. Se você está em desvantagem numérica, sugiro apenas sorrir e sair dali: a proteção da pessoa é mais gente concordando com ela, ela vai se esconder no grupo e você vai ter que recomeçar a discussão com um bando de pessoas repetindo os mesmos números e palavras que não entendem, diversas vezes. É uma batalha que não pode ser ganha. Duas pessoas muito erradas se apoiam perfeitamente contra uma que tem todos os melhores argumentos do mundo.

É o funcionamento da mente humana: se mais alguém está enxergando a mesma coisa que você, seu cérebro é treinado para catalogar aquilo como verdade. O conspirador acompanhado por outros conspiradores tem essa defesa intransponível, e você vai enxugar gelo se tentar provar seu ponto. A coisa só avança se a pessoa estiver sozinha: porque aí as agressões (verbais) dela começam a soar escrotas, tanto para ela quanto para testemunhas eventuais. Ninguém gosta dessa sensação de estar sendo escroto. Podem até manter a pose, mas lá dentro a mente está dizendo que é uma situação ruim e que é melhor sair daquilo o quanto antes.

Se você não der munição entrando na baixaria e ofendendo de volta, a pessoa fica mais e mais acuada numa situação detestável. Continue perguntando, continue explicando muito bem o que está argumentando, até que a outra parte não aguente mais aquela interação. Daí, nova oportunidade para fazer uma aproximação ou matar a conversa de vez. Justo que você não queira perder mais tempo com a pessoa, mas todo esse texto existe por um motivo: quando você gasta um pouco do seu tempo enfraquecendo um conspirador, reduz a chance dele conseguir trazer para seu “culto” outras pessoas.

Porque é em discussões de falsos especialistas que a desinformação ganha força: a versão do conspirador é sempre mais tentadora para o cidadão médio. Ciência chega em conclusões baseadas em fatos, conspirações chegam em conclusões baseadas em desejos. O que chama mais atenção do cidadão médio?

Pois é. Muito cuidado ao lidar com gente orgulhosamente desinformada: elas convocam mais gente para suas causas quando você as ataca. Ignore ou faça as coisas direito quando estiver discutindo com elas.

Para dizer que eu gasto muito tempo com essas coisas, para dizer que o corona vai matar essa gente (não vai), ou mesmo para dizer que conspiração é o que você não acredita: somir@desfavor.com

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