Síndrome das Pernas Inquietas

Você já sentiu uma necessidade incontrolável de mexer as pernas? Uma agonia, formigamento, arrepio, pontada ou até dor que te cause uma urgência em movimentar os membros inferiores? Não, não é loucura da sua cabeça, isso existe e tem um nome: Síndrome das Pernas Inquietas, ou, SPI para os íntimos.

A pessoa sentir uma necessidade incontrolável de mexeras pernas? Bem, disso obtemos duas reações: 1) quem não é portador dessa síndrome diz “ué, isso existe?” e 2) quem é portador dessa síndrome diz “ué, mas não é todo mundo que sente isso?”. Sim, isso existe. Não, não é todo mundo que sente isso.

Também chamada de Doença de Willis-Ekbom, a Síndrome das Pernas Inquietas se caracteriza por quatro sintomas básicos: 1) Alguma sensação de desconforto que leva a pessoa a precisar movimentar as pernas; 2) Alívio desse desconforto (ainda que parcial) depois que se movimentam as pernas; 3) Piora dos sintomas quando a pessoa está sentada ou deitada em repouso e 4) Piora dos sintomas no final do dia ou à noite.

Estima-se que 7% da população brasileira sofra de algum grau desta síndrome, porém poucos recebem um diagnóstico, então, provavelmente são mais. Dá para dizer com tranquilidade que pelo menos 10% da população brasileira tem SPI, diagnosticada ou não. É muita gente.

Como, via de regra, não é algo incapacitante, nem sempre a pessoa procura por um médico, muitas vezes por achar que é apenas sinal de pressa, ansiedade ou por medo de ser tachado de maluco ou ser ridicularizado. Assim, o portador de SPI acaba se virando sozinho e criando mecanismos para viver com ela.

Se já é ruim para um adulto, é pior ainda para crianças. Normalmente, quando uma criança descreve essa sensação aos seus pais, ninguém dá muita bola. Os pais costumam atribuir essa urgência em mexer as pernas à indisciplina, acham que é uma criança “inquieta” que não obedece e, em vez de ajudar, brigam.

Como a Síndrome se manifesta quando a pessoa está sentada ou em repouso, é comum que as crianças apresentem este sintoma quando são obrigadas a sentar para assistir aula, estudar ou fazer seu dever de casa. Quando a criança se levanta constantemente, muitos pais interpretam isso como uma desculpa para não estudar e, em vez de ajudar brigam.

Este foi o motivo que me fez escrever o texto: levar informação aos pais para que cada vez menos crianças sejam forçadas a viver uma situação desgastante e até de sofrimento. E esse sofrimento não será apenas físico.

Se o seu filho alega que não consegue ficar sentado ou deitado, se ele demonstra uma necessidade frequente de mexer as pernas, em vez de brigar, leve ao médico. Não apenas pela Síndrome das Pernas Inquietas em si (que tem tratamento), mas pela autoestima da criança também: ser cobrada por algo que ela não pode dar (ficar sentada ou ficar quieta) gera angústia, sensação de incompetência e medo.

Não é brincadeira, os portadores dessa Síndrome de fato sentem um desconforto incapacitante e uma urgência incontrolável em mexer as pernas. Pode soar absurdo para quem não passa por isso, mas é algo real, cientificamente comprovado e reconhecido pela medicina. Então, não se resolve gritando, brigando ou mandando parar. Está além da força de vontade. Se resolve com tratamento.

E quando eu falo sobre crianças, não quer dizer que esta Síndrome não possa se manifestar em adultos. Muitas pessoas desenvolvem esse problema após os 45 anos. Ele é mais comum e mulheres do que em homens, mas todos nós podemos enfrentar essa Síndrome um dia, por isso, o texto é informação válida para todos: se um dia acontecer com você, as informações estão aqui.

É difícil explicar para quem não passa por isso, eu mesma demorei bastante a entender o que se sente. Basicamente, manter as pernas em repouso causa uma agonia progressiva e insuportável, que é traduzida como diferentes estímulos por cada portador desta síndrome: angústia, sensação de agonia, formigamento, inquietação, dor, pontadas, arrepios, desconforto, desespero, sensação de que o músculo vai se atrofiar ou se desfazer se não for movimentado ou de que existem insetos caminhando pelas pernas.

Não importa o nome que se dê a essa agonia, o fato é que ela gera uma urgência em mexer as pernas, o que, dependendo do grau, pode ser bastante cansativo para seus portadores. Algumas pessoas relatam acordar no meio da noite pela necessidade de mover as pernas, algo que, sem dúvidas, prejudica o sono e o descanso.

Também pode dificultar muito a vida de quem precisa ficar parado por muito tempo, seja em uma sala de aula, seja em um teatro, seja em uma reunião de trabalho. Eventos rotineiros do dia a dia podem virar um verdadeiro desafio e fonte de estresse.

Em casos mais severos, são observados movimentos das pernas mesmo durante o sono: chutes e outros movimentos involuntários que podem causar um transtorno para a vida do portador da síndrome e para quem convive ou dorme com eles. Nos piores casos também pode ocorrer a necessidade de mexer os braços.

Vale lembrar que não é necessário que a pessoa sinta isso todo santo dia para que ela seja portadora da síndrome. Há casos de pessoas que apresentam os sintomas algumas vezes por semana ou algumas vezes por mês, muitas vezes agravados por situações de estresse.

O determinante para procurar ajuda é: o quanto isso atrapalha sua vida? Você viveria melhor se não sentisse isso? Geralmente a resposta é “sim”, pois além de interferir em atividades rotineiras, este problema acaba perturbando o sono.

E muitas vezes perturba o sono sem que a pessoa sequer perceba. Os movimentos, ainda que durante o sono, fazem com que a pessoa tenha os diferentes estágios de sono interrompidos, então, mesmo que durma, não é um sono reparador. Os portadores dessa síndrome frequentemente reclamam de acordarem cansados, sonolentos e não sentirem descanso depois de dormir e não entendem o motivo.

Ainda não se sabe bem o que causa esta Síndrome. Acredita-se que exista um componente genético (sendo, portanto, hereditária), mas, além dele, é possível identificar problemas de saúde relacionados, como a deficiência de ferro, ou comportamentos que possam estar ligados ao diagnóstico, como o abuso de medicamentos. A Síndrome também foi associada a outras doenças, como diabetes ou insuficiência renal.

Ela também pode ser experimentada, de forma temporária, por gestantes (normalmente ela aparece no último trimestre e costuma desparecer depois do nascimento do bebê), em pessoas que estão fazendo desintoxicação de alguns tipos de drogas ou pessoas que interrompam o uso de tranquilizantes ou remédios para dormir.

O diagnóstico deve ser feito por um médico. Pode ser um diagnóstico clínico (apenas examinando o paciente) ou podem ser necessários alguns exames. Se você suspeita que possa ter Síndrome das Pernas Inquietas, procure um médico. Muitas vezes a coisa se resolve (ou melhora muito) com um tratamento simples, como a suplementação de ferro, por exemplo.

Existem alguns fatores externos que contribuem para a piora dessa síndrome: consumo de cafeína, cigarro e álcool causam uma piora visível no problema. Obesidade e estresse também influencia de forma negativa. Privação de sono ou apneia do sono agravam o problema, mas aí se cria um círculo vicioso: a pessoa não dorme bem por precisar mexer as pernas e o problema piora pelo fato da pessoa não dormir bem.

Da mesma forma, existem fatores externos que ajudam a melhorar a qualidade de vida dos portadores: prática regular de atividade física (sobretudo nos membros inferiores), banhos quentes ou compressas quentes (que relaxam os músculos), qualquer prática relaxante como yoga ou meditação e massagens nas pernas.

Se, mesmo abolindo hábitos que agravam o problema e adotando hábitos que ajudam a atenuá-lo a vida continuar difícil, o médico pode prescrever remédios que melhorem a condição. O tratamento vai desde uma suplementação com ferro até medicamentos mais fortes. Fazendo a sua parte, cultivando hábitos saudáveis e tomando os remédios indicados, a condição melhora muito.

Outro fator importante é estar atento à medicação que o portador de SPI faz uso, pois alguns medicamentos podem desencadear a Síndrome das Pernas Inquietas ou piorar a condição (antipsicóticos, antidepressivos, anti-histamínicos e antieméticos).

Muitas vezes trocando estas medicações o problema se resolve, por isso, quando consultar um médico para falar sobre a SPI é importante levar anotado todos os medicamentos dos quais o paciente faz uso regular.

A Síndrome das Pernas Inquietas é uma doença crônica, ou seja, por enquanto, ela não pode ser curada de forma definitiva, mas possui diversas opções de tratamento que são capazes de melhorar ou até fazer desaparecer os sintomas, garantindo qualidade de vida a seus portadores.

Não é um problema de saúde que gere consequências graves ao corpo, uma vez que ele não gera incapacidade ou morte, mas pode sim gerar danos à qualidade de vida e à autoestima do portador. E isso é algo que precisa ser desmistificado: uma doença não deixa de ser importante pelo fato de não ser letal.

Ninguém morre de SPI, mas a síndrome pode sim causar danos a seu portador, dificultando sua vida e fazendo com que este se sinta incapaz: ao não dormir direito ou não conseguir se concentrar em tarefas quando está em repouso pode surgir um grau de estresse que pode desencadear outros problemas, como depressão ou crises de ansiedade.

Então, o diagnóstico e tratamento são tão importantes como o de qualquer outra doença, principalmente se a Síndrome das Pernas Inquietas estiver dificultando sua vida de alguma forma.

E, para terminar, repito a dica que sempre damos: nem todos os profissionais são bons profissionais, em qualquer área. Portanto, se você acha que tem SPI mas consultou um médico incapaz de diagnosticar, insista. Vá em outro, procure um segunda e terceira opinião. Por incrível que pareça, mesmo para médicos essa doença é pouco conhecida.

E se você é portador de Síndrome das Pernas Inquietas e estava sem diagnóstico até agora, é importante que entenda que não é culpa sua e não é falta de força de vontade: é algo que precisa de tratamento para melhorar. E por mais que você tenha descoberto isso um pouco “tarde”, que bom que descobriu. Daqui pra frente você terá a oportunidade de melhorar muito sua qualidade de vida!

Para duvidar que isso exista, para dizer que prefere balançar as pernas o dia todo a ficar sem café, nicotina e álcool ou ainda para dizer que achava que balançar a perna o dia todo era normal: sally@desfavor.com

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Comments (12)

  • Meu pai, minha irmã e eu temos isso também. Nenhum diagnosticado, mas é possível constatar no dia-a-dia. Há pouco tempo uma ex-colega da universidade disse que eu tinha isso desde a época que estudávamos (2003-2008), e eu não fazia ideia. Achava que era coisa recente.

    É uma condição que incomoda tanto quem tem quanto quem está do lado. Uma vontade de sair correndo e fazer qualquer coisa que pareça mais interessante do que aquilo que estamos fazendo naquele momento. É uma expressão do desconforto, da pressa, de algo pendente fora dali, do excesso de informação e/ou do desinteresse. Baseado no que vivencio, acredito que dificilmente alguém estará se chacoalhando se nenhum desses fatores estiver presente.

    Realmente a SIP dificulta muito a concentração em tarefas que não são necessariamente interessantes, mas são necessárias, como estudo, trabalho etc. Isso acaba atrasando parte do bom desenvolvimento que poderíamos ter nessas áreas, porquê, mesmo quando estudamos algo que queremos, mas, naquele momento não está tão interessante ou é muita informação para processar de uma vez, a concentração vai pra casa do… (complete!).

    Ter consciência já é um fator importante para ter algum controle. Um truque para que uso para amenizar é sentir que a cada subida e descida da perna ela fica mais e mais pesada e cansada, como se eu estivesse levantando peso ou numa caminhada bem desgastante. Assim, em pouco tempo as pernas se aquietam por associar a inquietação ao cansaço. O corpo não continuará se não sentir algum tipo de prazer. É só um paliativo. As causas da SIP são mais profundas, claro. Não é sempre que estou com saco para buscar esse domínio, mas costuma funcionar relativamente bem. É um sossego para a concentração e para as pernas.

    Mesmo já conhecendo a condição, me sinto mais consciente depois de ler sobre ela aqui. Muito bom o texto! Inclusive acabei de conseguir aquietar as pernas graças a essa leitura. É um alívio!

    • Que bom, Vitor! É muito importante que as pessoas saibam que não é frescura nem falta de força de vontade, é uma condição que, se incomodar muito, pode ser tratada!

      • Pois é. Já cheguei a pedir demissão por não estar mais conseguindo dar conta de controlar a agitação nas pernas enquanto estava no trabalho. A sensação era a de que havia ácido circulando nas veias, sensação de queimação. De cinco em cinco minutos eu levantava e ia lá fora pra alongar, respirar, controlar a mente, mas quando voltava pra frente do computador voltava a sentir tudo de novo. Pela minha saúde pedi pra sair. Na época não achava que isso era uma síndrome, mas só o fato de sair de onde estava diminuiu 90% da frequência.

        A SIP é um sintoma, então é importante prestar atenção ao que o corpo está dizendo para que se tome providências o quanto antes.

  • Estava com muita saudade deste tipo de texto. O Desfavor Explica é uma das minhas categorias preferidas aqui do blog.
    :)

  • Quando eu era criança, ouvi certa vez uma vizinha conversando com a minha mãe enquanto eu brincava e se queixando de que era chutada pelo marido várias vezes durante à noite enquanto os dois dormiam. Na época, achei estranho e recordo que minha mãe me mandou continuar a brincadeira em outro lugar. Essa lembrança estava lá no “fundinho do baú” da minha mente e veio de novo à tona agora que li o texto de hoje.

  • Vivendo e aprendendo… Sally, eu já vi muita gente “com bicho-carpinteiro” balançando as pernas em salas de espera, filas de banco, reuniões profissionais, transportes públicos, salas de aula, cinemas e teatros, etc., mas nunca pensei que isso fosse uma condição passível de tratamento médico e nem que tivesse um nome. Achava que essa inquietação fosse nada mais que um tique mesmo. Ou que a pessoa talvez pudesse apenas estar muito apertada e se segurando porque ir ao banheiro naquele momento não seja possível por causa de coisas como risco de perda do lugar em uma fila, ter a senha chamada ou impossibilidade de mandar parar o metrô.

    Mas, e a inquietação com as mãos? Também tem algo a ver com essa síndrome? Ou um nome específico? No meu caso, eu tenho sempre que ficar manipulando algum objeto pequeno – uma caneta, um folheto, um clipe de papel – para “distrair” os meus dedos enquanto estou prestando atenção na TV, ouvindo alguém falar ou apenas esperando ser chamado. E será que mais alguém aqui tem isso?

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