Conversa divina.

Oi, eu sou a coisa mais próxima da criatura chamada “Deus” que vocês acreditam neste planeta. Eu existo desde muito antes de haver qualquer necessidade de nomes, ou de linguagem em geral, então me perdoem se eu não conseguir ser muito claro na minha escrita. São muitas camadas de tradução entre as ideias primordiais e a forma como vocês se comunicam. Perguntem-me qualquer coisa.

Qual o seu nome?

Como eu já disse, nomes são ideias que vocês criaram. Cada povo criou um nome, e eu não me prefiro nenhum em especial. Eu sei quando estão falando comigo.

Qual religião está certa?

Nenhuma. Vocês inventaram todas sem me consultar. Não é uma crítica, eu escolhi não me envolver nessa parte. Mas eu posso dizer que gosto de algumas das ideias de cada uma delas.

Você é onipotente, onisciente e onipresente?

Não sei. Onisciente com certeza não. Eu tenho o poder de enxergar, visitar e modificar tudo o que consigo perceber, mas não tenho como garantir que não exista mais além da minha percepção. Mas, para efeitos práticos, em comparação com vocês, humanos, sim, eu sou tudo isso.

Por que o mal existe?

Porque vocês inventaram o conceito. Bem e mal só existem para seres capazes de categorizar o que percebem dessa forma. A energia não considera essas ideias. Ela apenas flui na direção mais fácil.

Você escuta nossas orações e pedidos?

Sim.

Você interfere no mundo por causa delas?

Não.

Por que não?

Porque não me interessaria caso eu interferisse. Numa analogia que vocês talvez entendam, é como se vocês tivessem que fazer sozinhos todos os filmes que assistem. O universo tem seu propósito, e se eu interferir no funcionamento dele, não passaria de apenas uma fantasia minha.

Então o livre arbítrio é real?

Em termos práticos, sim. Eu só poderia ter informação perfeita sobre a realidade na qual vocês vivem se estivesse fora dela, e como eu não estou, sempre vai existir algo imprevisível. Não quer dizer que vocês me surpreendam muito na média, mas certeza absoluta do que vocês vão fazer é impossível até para mim.

Existe vida após a morte?

Não. Existe vida durante a vida.

Quando a gente morre, desaparece de vez?

Claro que não. Vida é um estado da energia, e a energia está aqui desde o começo, e vai estar até o final. O universo está diferente quando você morre da forma que estava quando nasceu. Seu impacto é eterno. Mas eu sei o que você quer dizer de verdade: o que você considera como sua vida muda o suficiente para não contar como a mesma caso a energia se rearranje numa forma consciente novamente.

Explica melhor?

Do meu ponto de vista, a vida é algo que pulsa em diferentes pontos do universo. A separação entre vocês é só uma ilusão causada pela limitação de percepção. Não existe vida após a morte porque ninguém morre de verdade, só fica algum tempo fora da faixa perceptível dela. Um ponto da onda está escondido, mas outros estão visíveis.

Então existe vida fora da Terra?

Sim.

Nós vamos encontrar com essas outras vidas?

Não sei. Essa é a graça da realidade pra mim. Estou tão curioso quanto vocês, a diferença é que eu enxergo de mais longe. Mas tem outras formas de vida inteligentes bem próximas na escala universal. Não é impossível.

O universo é infinito?

Como eu disse antes, até onde eu enxergo, não é. Mas não posso garantir que o fim que eu enxergo seja o verdadeiro fim.

Quem te criou?

Alguém que queria ver o que eu ia fazer, acredito. Curiosidade parece ser a motivação de tudo. Eu não sei o nome nem como esse ser se parece. Aliás, eu nem sei se pode ser encaixado como algo que existe da mesma forma como eu ou vocês.

Você não tem curiosidade de encontrar o seu criador?

Sim. Mas você precisa entender que estar vivo é uma limitação. Enquanto eu quiser ter uma consciência, eu preciso estar inserido dentro de uma realidade. E para ter alguma chance de ver quem me criou, eu preciso sair dela. E se eu sair dela, não posso garantir que ainda serei algo consciente.

Seu criador não conversa com você? Você resolveu conversar com a gente.

Isso é um teste. Estou curioso para saber o resultado de entrar em contato com minhas criaturas, e talvez assim entender por que o meu criador nunca falou comigo. Até agora está sendo bem interessante.

A maioria das pessoas não vai gostar das suas respostas.

A maioria das pessoas não vai acreditar que essa conversa foi real se eu não responder exatamente o que elas esperam que eu responda. Não estou reclamando, fiz as coisas assim mesmo.

Qual é a partícula mais fundamental de todas? Já chegamos perto de descobrir?

Se você entende fractais, vai entender a natureza fundamental. Eu fiz as coisas de forma a se repetir em padrões determinados quando mais de perto ou de longe você observa. O único fator diferencial sou eu. Nunca vi minha cópia em outro nível.

Quer dizer que dentro de um átomo existem infinitos universos, e assim por diante?

Novamente, infinito é um atalho mental que vocês precisaram criar para lidar com a natureza fundamental. Pode parecer infinito, mas na verdade, só existe um universo, o universo que eu estou observando. Se Deus não ouve uma árvore caindo no meio da floresta, ela caiu de verdade?

Espera, então você pode ir observar outro nível da realidade e fazer com que todos nós…

Sim, eu faço isso o tempo todo. Vocês são a minha percepção da realidade. Sem vocês eu sou cego, surdo e mudo. Se eu não estiver no mesmo nível que vocês, não tem para onde a informação ir.

Nós somos seus olhos?

É um jeito interessante de colocar as coisas. Sem vocês, eu só enxergaria as coisas que eu queria ver, e isso não teria a mínima graça. Eu abri mão do controle dos meus sentidos para entender mais sobre o que eu sou, onde estou e o que é meu propósito. Eu vou mais longe do que olhos: eu diria que vocês são meu cérebro. Toda forma de vida consciente serve o mesmo propósito de coletar informações para mim.

Então não somos importantes.

Não mais do que eu. Não menos do que eu. Nós somos a mesma coisa. Eu criei vocês para ter acesso a algo além da minha imaginação.

Mas não é cruel criar gente que sofre tanto apenas para vencer o tédio?

É. Mas esse é o sofrimento que eu escolhi em troca do conhecimento. Você fez essa escolha também, porque você sou eu.

E se eu não quiser mais sofrer?

Eu não inventei nenhuma das regras das suas religiões. Entenda, eu tive todo esse trabalho para criar a realidade na qual vivemos justamente para poder ser livre. Não tem regra nenhuma. Não tem expectativa nenhuma. Se não quiser fazer algo, não faça. Se quiser, faça. Tudo serve para o mesmo propósito.

Não tem recompensa para quem faz o bem?

Fazer o bem.

E nem punição para quem é ruim?

Ser ruim.

Eu não sei se eu acredito que você é Deus.

Talvez você esteja certo, eu sou só um texto na internet. Vai ver na verdade Deus é só um ser muito poderoso que fica muito bravo quando pessoas fazem sexo com quem ele desaprova. E que ajuda algumas pessoas a chutar bolas dentro de um gol enquanto deixa outras morrerem de fome. Talvez isso faça mais sentido pra você. Faz?

Acho que não…

Deus tem o tamanho da mente que ocupa. Mais alguma dúvida?

Sim, muitas!

Excelente! Continue assim. Até a próxima!

*deus89979 se desconectou

Para desejar um feliz natal, para dizer que Deus é uma coisa quentinha, ou mesmo para dizer que só ateus entendem religião: somir@desfavor.com

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Comments (4)

  • Se você diz que devemos ser humildes por que exige no primeiro mandamento que o ame acima de todas as coisas, inclusive nossas famílias?

    • Eu começo a desconfiar… começo… que se Deus existe, ele não escreveu essas coisas aleatórias num pedaço de pedra.

  • Hoje Somir me lembrou Voltaire! Para mim, esta é a melhor frase do texto: “Deus tem o tamanho da mente que ocupa.”. Isso explica muita coisa. Mais do que a gente imagina e do que alguns compreendem. Deve ser por isso então que, para uns, “Deus” é um barbudo gigante invisível superpoderoso que vive no céu exigindo devoção cega sob pena de terríveis castigos eternos; enquanto que, para outros é algo inclassificável sem rosto nem vontades existindo num plano ou numa escala muito além do alcance da compreensão humana.

    E eu também gostei muito desta outra resposta “de Deus”: “Vai ver na verdade Deus é só um ser muito poderoso que fica muito bravo quando pessoas fazem sexo com quem ele desaprova. E que ajuda algumas pessoas a chutar bolas dentro de um gol enquanto deixa outras morrerem de fome. Talvez isso faça mais sentido pra você. Faz?” Vi certa semelhança com um trecho atribuído a Voltaire que li há pouco: “As filhas do sumo sacerdote Anius transformavam o que quisessem em trigo, óleo em vinho. Atalida, filha de Mercúrio, ressuscitou Hipólito, Hércules resgatou Alceste da morte. Heres retornou ao mundo após passar uma quinzena no Inferno. Os pais de Rômulo e Remo eram um deus e uma vestal virgem. O Paládio caiu do céu na cidade de Tróia. O cabelo de Berenice se tornou uma constelação (…). Dê-me o nome de um povo em meio ao qual incríveis prodígios não aconteceram, especialmente quando poucos sabiam ler e escrever”.

    Independentemente de religião, mitos e dogmas como esses são apenas explicações fantasiosas inventadas para preencher o desesperador vazio que o “ainda não sei” deixa na alma humana e que, cedo ou tarde, caem em desuso à medida em que o nosso conhecimento fica maior.

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