FAQ: Coronavírus – 47

Surgiu uma nova variante na França, um país com muita gente vacinada. Pode ser a variante que passa pelas vacinas?

Pense na seguinte situação: você sente cheiro de gás dentro da sua casa. O que isso significa? Bem, pode significar um problema sério, como um vazamento grave, que vai explodir a qualquer momento, ou pode significar absolutamente nada (o cheiro pode nem ser de gás, pode vir de um carro ou do vizinho). O que significa sentir cheiro de gás dentro de casa? Significa que, para a sua segurança, você deve investigar o que está acontecendo.

O mesmo vale para essa nova variante. Ela é um cheiro de gás. Pode ser um problema, pode não ser um problema. Do jeito que o vírus está circulando pelo mundo, é mais do que esperado que surjam diversas variantes, mas essa tem algumas mutações em locais que podem gerar algum tipo de problema. Ponto final. É tudo que se sabe.

Infelizmente a reação das pessoas está polarizada. É como se, em uma mesma casa, os moradores sentissem cheiro de gás e metade se recusasse a verificar o que é assegurando que não há nenhum risco e a outra metade começasse a gritar “VAMOS TODOS MORRER”. Ninguém está se portando da melhor forma, ou seja, com cautela, investigando melhor o que está acontecendo e mantendo a mente aberta para diversos possíveis resultados.

Para piorar a situação, imagine o mesmo caso de cheiro de gás, onde metade dos moradores ignora e metade acha que vai morrer, em um prédio, onde o síndico do prédio fica berrando que tem cheiro de gás no apartamento tal e especulando sobre todos os problemas que isso pode causar, de modo a assustar os outros moradores do prédio. Obviamente, se no final se constatar que não havia um problema grave, quando mais alguém falar que sente cheiro de gás, o resto não vai dar bola. Esse é o papel da mídia atualmente, o síndico que faz escândalo e acaba desacreditando todo mundo de futuros problemas.

Não dá para dizer absolutamente nada sobre a nova variante B.1.640.2, que recebeu o nome provisório de “IHU”. Minto, dá para dizer uma coisa: não se apeguem ao nome, pois ele não deve ser o definitivo. IHU é um nome provisório dado em homenagem às iniciais do local que primeiro detectou essa variante, o Instituto Hospitalar Universitário (daí IHU, em maiúscula) de Marselha, na França.

Até a data em que este texto foi escrito (05/01/2022) a OMS ainda não havia se pronunciado sobre a IHU. Isso significa que esta variante está sendo monitorada e estudada, mas ainda não foi classificada como uma variante de preocupação, ou seja, aquelas que pode efetivamente causar um dano maior ao ser humano.

Por isso a IHU ainda não ganhou seu nominho oficial com uma letra do alfabeto grego, ela ainda está sendo avaliada por quem nomeia, que é a OMS. Mas, se for considerada variante de preocupação, ela provavelmente vai mudar de nome.

A realidade é que o vírus muta mais rápido do que podemos acompanhar. Ainda temos muitas dúvidas sobre a Ômicron (com acento, para que as pessoas parem de falar “Omícron”), quem dirá sobre a IHU, que acabou de aparecer. É preciso que todos se acostumem com o conceito da Variante de Schrödinger, que é preocupante e não é preocupante ao mesmo tempo, até que a OMS abra a caixa. E, assim que isso acontecer, nós vamos voltar aqui e te explicar da melhor forma que conseguirmos por quais motivos ela é ou não é preocupante.

Assim como fez com a Ômicron, a mídia está batendo muito nas mutações, talvez por uma das poucas informações concretas que se tem: 46 mutações, o que significa que ela tem mais mutações do que a Ômicron. Você também pode ler que essa nova variante tem 37 “deleções genéticas”, que significa que ela tem alterações cromossômicas. O que isso significa? Não sabemos.

A quantidade de mutações não torna um vírus necessariamente perigoso. Pode acontecer de uma única mutação em um lugar chave causar mais estragos do que 46 mutações em outros lugares menos importantes. Com isso estou dizendo que a IHU não é perigosa? Não. Estou dizendo que ainda não sabemos.

Óbvio que quanto mais mutações, mais chances de termos um problema, mas ainda é cedo para afirmar quais são os danos que esta variante causa. E, ao não saber, meu instinto é me preservar e me cuidar muito, para não ser eu a cobaia onde se vai descobrir se existe ou quanto existe de proteção vacinal. Sugiro que façam o mesmo, por essa variante e pelo surto de gripe e Ômicron.

Sobre a probabilidade de escape vacinal completo, que é o tema da pergunta, infelizmente não sabemos. Não parece ser o caso, mas, novamente, não sabemos. Tudo que vou falar daqui para frente é informação incerta, com base em indícios, sem qualquer certeza.

Ao que tudo indica, a IHU não se originou na França, ela apenas foi descoberta na França (assim com a P1 ou Gama não se originou no Japão, e sim em Manaus, mas foi descoberta no Japão). Há indícios de que ela pode ter surgido em Camarões (África) ou no Congo (África), países onde nem 5% da população está imunizada.

Isso leva a presumir que é uma mutação que ocorreu entre não vacinados e, se seguir a tendência do que estamos acompanhando até aqui, pode até ser mais contagiosa, mas não conseguirá escapar por completo às vacinas. Acho que não foi desta vez que a Fode-Vacina apareceu, mas, estamos dando todas as condições para que o vírus chegue lá. Basta olhar para os muitos países vacinados que estão batendo recorde de casos e fazendo o vírus circular entre vacinados.

Mas, estampar em qualquer mídia que “surgiu uma nova variante com mais mutações que a Ômicron” rende visualizações, então, é isso que acontece. Um desfavor duplo, pois assusta quem é mais sensível e serve de argumento para desacreditar futuros alertas. É como “o menino que gritava lobo” da pandemia. Se você deixar a população sobressaltada por cada novidade, ela se dessensibiliza e, quando chegar a hora de dar um alerta realmente importante, ela não vai reagir e vai desacreditar.

E, que fique claro: a crítica é à mídia, não ao país. A França fez certo ao dar o aviso. O país que percebe uma variante com potencial para causar estragos pode e deve compartilhar isso imediatamente. Quem está fazendo um desfavor são os que estão explorando um potencial perigo como se fosse um perigo certo.

Então, esta resposta é para te dizer que não sabemos nada, mas que nós não vamos gritar a menos que tenhamos certeza de que tem algo muito importante acontecendo. Fiquem conosco, se der merda tamanho GG a gente vai avisar.


O Brasil está com poucos casos e poucas mortes, pode ser que as novas variantes não estejam pegando os brasileiros por eles já terem sido contaminados com covid?

Não, não pode ser. Estou vendo muita gente dizer isso como se fosse uma certeza, mas não há qualquer evidência disso.

Para começo de conversa, os números de casos e mortes que você vê não correspondem à realidade. É público e notório que o Brasil sofre um “apagão de dados” por diferentes motivos, desde problemas no sistema que impede que os casos e mortes sejam contabilizados e cadastrados, até pela postura lamentável de não fazer testes em massa como deveria ser feito.

Para piorar, ainda tem uma epidemia de gripe que atrapalha o diagnóstico e contagem de casos e mortes. Gripe e coronavírus são doenças respiratórias e podem ter sintomas muito parecidos. Tem gente presa em 2020 esperando que covid cause perda de olfato, quando, dependendo da cepa, pode causar dor de garganta e coriza. Então, tem muita gente com covid achando que tem apenas uma gripe ou um resfriado – e que continua circulando e contaminando geral.

Basta olhar à sua volta. EUA, com mais de um milhão de casos por dia. Países europeus batendo recorde de contágio. Israel, um dos países mais vacinados do mundo, batendo recorde de contágios. Argentina, país vizinho do Brasil, com mais vacinados do que o Brasil, com crianças vacinadas, batendo os cem mil casos por dia. Tá todo mundo sendo tomado pela Ômicron e só o brasileiro, o floquinho de neve especial que nada no esgoto saiu ileso? Não. Não faz o menor sentido.

Além disso, não sei se você sabe, tem diversas cidades, municípios e até estados inteiros com leitos e/ou UTIs lotadas. E não falo apenas de lugares precários, com poucos leitos. Falo de Belo Horizonte, São Paulo e outras regiões centrais. Não sei se isso está sendo noticiados no Brasil (nem como está sendo noticiado), mas algum aumento está sendo registrado. Ainda que não seja um aumento oficial de covid (pois, se não testar, não pode classificar como covid), ao menos de gripe ou qualquer síndrome respiratória.

Para finalizar, a Ômicron, que é a variante dominante no momento, já mostrou que consegue passar pela barreira natural do corpo. Isso quer dizer que quem já teve covid não está protegido contra a Ômicron, apenas quem foi vacinado com TRÊS doses de vacina apresenta uma proteção satisfatória. Não tem nada disso de brasileiro não estar se contaminando por já ter pegado covid no passado. Esqueça essa teoria. Quem já teve covid não tem proteção contra a Ômicron.


Não sei se tenho gripe, resfriado, covid ou AVC. Na minha cidade não consigo fazer PCR. O que fazer?

Não sei qual é a sua cidade, mas é um verdadeiro absurdo que você não consiga ter acesso a um RT-PCR.

A situação de não saber o que tem é cada vez mais comum, por isso, vou deixar aqui um guia geral de como se comportar quando estiver na dúvida.

Guia geral de comportamento para qualquer pessoa que apresente qualquer sintoma de gripe, resfriado ou covid (podem ser os mesmos): o primeiro passo é fazer um RT-PCR. Não um teste de farmácia, um RT-PCR. Não consegue fazer um PCR? Beleza, comporte-se como se tivesse covid e siga os próximos passos.

Independente do PCR, se sentir sintomas de gripe ou resfriado, isole-se imediatamente. Temos um FAQ específico que explica, passo a passo, como fazer um isolamento seguro mesmo morando com outras pessoas.

Além de se isolar, faça você o papel que o seu país deveria estar fazendo, de rastreio de contatos. Ligue para todo mundo com quem você conviveu nos últimos sete dias (desde o seu Joaquim da padaria que te vendeu um pão até colegas de trabalho) e informe que você está com suspeita de covid e que essas pessoas também devem se isolar e fazer um PCR.

Depois disso, além de se isolar, cuide-se: faça repouso, hidrate-se, alimente-se bem e acompanhe os sintomas. Se sentir algum desconforto significativo, procure atenção médica. E lembre-se: os sintomas de covid não são mais aqueles clássicos de 2020 como febre e perda de olfato, pode ser apenas uma coriza, um nariz escorrendo ou uma garganta raspando. Jamais presuma que é apenas uma gripe pelos sintomas. Porte-se como se fosse covid.

Só saia do isolamento quando fizer um PCR e ele der negativo. Muitas vezes a pessoa não tem sintomas, mas o vírus ainda está ativo no organismo e ela pode contaminar terceiros. Não tem qualquer chance de fazer um PCR onde você está? Então você vai ter que ficar, pelo menos, 15 dias em isolamento total.

Sobre AVC: você pode saber se está tendo um AVC com três testes simples. Memorize estas iniciais: RBF.

R = Rosto. Olhe-se no espelho e sorria. Se o sorriso estiver assimétrico, um lado maior do que o outro ou um lado mais alto ou baixo que o outro, pode ser AVC.

B = Braços. Levante os dois braços. Se um deles não levantar ou não conseguir se manter levantado e cair, pode ser AVC.

F = Fala. Fale alguma coisa simples, como seu nome ou uma frase. Se a fala não sair normal, sair arrastada ou tiver dificuldade em formar palavras, pode ser um AVC.

Caso um ou mais sintomas estejam presentes, procure atendimento urgente, se o atendimento for prestado em até uma hora a contar do surgimento dos sintomas, o prognóstico é muito melhor.


É possível ter coronavírus e gripe ao mesmo tempo?

Sim, tem até nome para isso: Flurona.

“Flu” (que significa “gripe” em inglês ou uma abreviação do nome do vírus InFLUenza) e “rona” de CoRONAvírus. Esse nome indica uma dupla contaminação: pelo vírus da gripe (Influenza) e pelo coronavírus, ao mesmo tempo. Não é uma nova doença, é uma pessoa com duas doenças ao mesmo tempo.

Não é tão raro quanto se imagina. Ambos são vírus respiratórios, se ambos estão circulando no ambiente (como é o caso do Brasil) e um deles entrou, por qual motivo o outro ficaria de fora? Quem usa máscara direito não pega nem gripe nem coronavírus. Quem não usa máscara direito ou cai no conto de que máscara em lugar aberto é desnecessário, pode pegar ambos.

Para saber o que você tem, se é gripe, se é coronavírus ou se são ambos, é preciso fazer testes para Influenza e para Coronavírus, pois os sintomas são muito parecidos. Vou repetir pois tem muita gente que se recusa a aceitar: só pelos sintomas não dá para diferenciar gripe de covid-19. No passado dava, agora não dá mais, pois os sintomas de covid mudaram.

Basicamente a forma de contágio é a mesma, a única diferença é que covid se espalha melhor pelo ar e a gripe sobrevive mais tempo em superfícies, ou seja, se você encostar onde uma pessoa com gripe encostou e depois coçar o olho ou levar a mão à boca, pode se contaminar. Nada de novo na prevenção: máscara PFF2 bem usada, higienização constante das mãos e distanciamento na medida do possível.

O perigo real não é pegar os dois ao mesmo tempo, o perigo real dessa combinação é a pessoa presumir que está com gripe e não tomar todas as providências que deveria para covid: isolamento, rastreio de contatos, teste RT-PCR para saber se o vírus continua ativo no corpo e se pode sair do isolamento. Na realidade, a maioria das pessoas não procura testagem nem para Influenza nem para Coronavírus e graças e isso estão causando uma “onda silenciosa” no Brasil.

Ainda não se tem dados sobre os riscos das duas infecções simultâneas. Não se sabe se piora, melhora ou fica na mesma. Os efeitos de Influenza + Covid estão sendo estudados. Não queira ser cobaia desse estudo. Tudo que se sabe até o momento é que, para grupos de risco, as chances de problemas sérios são bem maiores.

E vamos abandonar de uma vez essa crença de que a Ômicron é “mais leve” e por isso você não precisa testar ou fazer distanciamento para não contaminar os outros. Estudos com não-vacinados mostram que a letalidade com a Ômicron está sendo igual ou pior, então, o vírus não ficou mais leve, as pessoas é que estão mais resistentes com a vacina. Repito o exemplo do último FAQ: se você manda blindar seu carro, bandidos te assaltam, atiram e a bala não entra, é pelo veículo estar blindado ou pelas balas estarem mais fracas?

“Mas Sally, já que as pessoas estão mais fortes contra covid, preciso mesmo testar e me distanciar quando estiver contaminado”. Precisa sim. Precisa pra caralho. Nem todo mundo está vacinado (crianças, por exemplo) e muitas pessoas, mesmo vacinadas, não vão conseguir desenvolver uma boa resposta imune (como idosos ou pessoas do grupo de risco). Então, sim, tem que testar e tem que se isolar.

E quem está “só” com gripe, por favor, redobre os cuidados, pois está mais vulnerável à covid (e pelo visto não sabe se proteger de vírus respiratórios). É que o vírus da gripe pode romper as células epiteliais do nariz, deixando expostos receptores aos quais outros vírus, como o coronavírus, podem se conectar. Então, a gripe pode facilitar ainda mais o contágio do Coronavírus.

Não é “ufa, estou só com gripe”. É “que droga, estou com gripe, mais vulnerável à covid e precisando rever meus cuidados, pois eles não são suficientes”.

A boa notícia é que já existem vacinas para ambos. O Instituto Butantan já está fabricando novas vacinas contra gripe incluindo essa cepa (H3N2) nova que está causando estragos no Brasil e a vacina contra covid tá aí no posto de saúde para quem quiser tomar.

Para dizer que acha IHU um nome alegre, para dizer que não se importa com mais nada ou ainda para dizer que tá indo embora o vírus: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • É lamentável a postura do Brasil em relação a teste.
    Cá em Portugal, teste virou parte da nossa rotina. Temos direito a alguns testes gratuitos por mês nas farmácias, e é possível comprar teste rápido em qualquer mercado, por aproximadamente 2€ (10 – 15 reais).
    Pelo menos no meu grupo de amigos e trabalho, todos testam semanalmente ou no máximo a cada 15 dias. Tenho amigos na Alemanha que testam 2x por semana!
    Enquanto isso, estava no Brasil em dezembro. No dia 23, antes de encontrar com minha família, tentei fazer um teste em laboratório particular, para tentar minimizar o risco de infectar meus avós. O atendente do laboratório olhou pra mim assustado e disse: “se não vai viajar, porque você quer gastar dinheiro com teste? Você não precisa disso!”
    É de cair o cu da bunda.

    • Pois é, quando o país não tem uma política nacional de combate à covid, tanto faz quantos casos tem, não se dão ao trabalho de testar. Teste é mera burocracia para viajar. Lamentável.

      • Brasileiro, em geral, é desleixado com tudo! Até quando se trata de prevenir problemas ou de salvar a própria vida. É mesmo inacreditável…

    • Variante aparece todo dia, a questão é: ela é uma ameaça? Ela tem alguma novidade?
      Se a gente for se assustar com cada variante que aparece, vamos levar susto toda semana.

  • Se depender da organização, da honestidade e do esforço do humano médio, isso não vai acabar nunca. Mesmo se pusesse um fiscal na casa de cada um, capaz de convidarem o fiscal pra fazer churrasco. É que nem no Não Olhe pra Cima, todo mundo discutindo a vida sexual de algum famoso enquanto o asteroide se aproxima do planeta.

  • Sobre essa primeira resposta a respeito da variante por enquanto chamada de IHU: olha aí a grande imprensa fazendo merda mais uma vez! Em vez de esclarecer, confunde. Em vez de explicar, se embanana. Em vez de acalmar, apavora. Em vez de detalhar, omite dados. Em vez de se ater ao que importa, faz sensacionalismo. Em vez de informar, milita por causas erradas. Tá foda, viu?

    • Complicado, pois fazem alarde sem saber ao certo o tamanho do estrago e com o tempo isso dessensibiliza as pessoas. Quando chega a hora de fazer um anúncio realmente importante, está todo mundo cagando.

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